Iuri Dantas

A Superintendência Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), responsável por investigar condutas anticompetitivas no mercado, instaurou nesta terça-feira (24/05) um processo administrativo para investigar se  o Instituto Aço Brasil abusou do direito de peticionar - prática conhecida no jargão como sham litigation - para impedir a entrada no mercado brasileiro de vergalhões de aço importados do exterior.
O Aço Brasil é uma entidade patronal da qual fazem parte as gigantes ArcelorMittal, Aperam, CSN, Gerdau, Sinobras, Thyssenkrupp, Usiminas, Vallourec &amp; Sumitomo Tubos do Brasil (“VSB”), Vallourec, Villares Metals e Votorantim Siderurgia.
De acordo com apurações preliminares conduzidas pelos técnicos da Superintendência Geral, o Aço Brasil teria pedido à Justiça medidas cautelares com pedido de liminar apontando problemas de conformidade técnica de vergalhões importados. Por solicitar ao Judiciário a produção de provas, exigindo perícia técnica nos carregamentos, os produtos permaneciam na alfândega aguardando análise, retardando sua entrada no mercado e provocando prejuízos aos importadores.
<a style="color: #ff6600;" href="/wp-content/uploads/2016/05/Nota_Tecnica_IABR.pdf" rel="">+JOTA: Leia a nota técnica da Superintendência Geral do Cade</a>
Tecnicamente, a conduta poderia ser enquadrada em tese como uma forma de "barreira técnica" de comércio exterior. Isso acontece quando empresas ou governos impõem requisitos técnicos como subterfúgio para deter importações, em vez de aplicar tarifas mais altas ou salvaguardas como cotas de importação, por exemplo.
A chegada da crise financeira internacional e o resfriamento da atividade econômica na China provocou um acúmulo da produção de aço em todo o mundo, derrubando os preços internacionais do produto e levando siderúrgicas a buscar mercados mais dinâmicos, onde o ritmo de construção de imóveis e automóveis resistisse à desaceleração.
Isso ocorreu no Brasil no fim do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e primeiro mandato de Dilma Rousseff, onde o governo estimulava a produção nacional de carros com aumento de impostos de importação e cortes de impostos para montadores que se instalavam aqui. Além disso, programas como o Minha Casa, Minha Vida e a maior oferta de crédito para habitação seguravam a demanda por imóveis.
A SG analisou processos judiciais movidos pelo Instituto Aço Brasil no Rio de Janeiro, Ceará, Espírito Santo, Santa Catarina e Paraná, além de outros fatores, e encontrou "indícios robustos de infração à ordem econômica". Determinou, assim, a instauração de um processo administrativo (PA 08012.001594/2011-18) e concedeu 30 dias para que o instituto apresente defesa, informe provas que deseja ver produzidas na instrução processual e indique testemunhas de defesa.
A investigação foi aberta a pedido da Associação Brasileira das Empresas Importadoras e Fabricantes de Aço (Abrifa).
Ao fim do processo, a SG pode concluir que há provas suficientes para que o processo seja julgado pelo Tribunal Administrativo do Cade, formado por sete conselheiros com mandato. A partir daí, um conselheiro é sorteado como relator e apresenta suas conclusões aos colegas, que votam pela condenação ou absolvição do instituto. Não há prazo para que isso aconteça.
O processo na SG investiga se o Aço Brasil infringiu artigos da Lei 8.884/1994, a legislação que regulava a concorrência no mercado brasileiro antes de ser substituída pela 12.529/2011, a Nova Lei do Cade.
Os artigos proíbem o uso de medidas judiciais ou regulatórias com o único intuito de prejudicar concorrentes e manter altas margens de lucros ou práticas abusivas ao consumidor. Ao fim do julgamento pelo tribunal administrativo, os autores das condutas podem ser punidos por multas e outras medidas, como admissão da ilegalidade em anúncios de jornal e mesmo ações comportamentais, como a criação de setores de integridade interna (compliance) e mudanças nas práticas de mercado.
Em Nota Técnica, a SG apontou suposta violação aos artigos e incisos:
Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
- limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; 
- dominar mercado relevante de bens ou serviços; 
- exercer de forma abusiva posição dominante.
As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica
- limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado; 
- criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços; 
- utilizar meios enganosos para provocar a oscilação de preços de terceiros;
(artigo 20, incisos I, IIe IV, c/c artigo 21, incisos, IV, V e IX, da Lei nº 8.884/94, equivalente ao artigo 36, incisos I, II e IV, e § 3º, incisos III, IV e VII, da Lei nº 12.529/2011)

industry-647399_1280

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Entidade teria abusado do direito de peticionar para impedir importações de vergalhões de aço

SG do Cade instaura processo contra Instituto Aço Brasil por sham litigation

Entidade teria abusado do direito de peticionar para impedir importações de vergalhões de aço