Gustavo Gantois

A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado realiza nesta terça-feira (17) a sabatina de Alexandre Cordeiro para a Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Para a ocasião, Cordeiro atendeu a um pedido do JOTA e fez uma seleção de seus votos nos casos que considera mais importantes desde julho de 2015, quando passou a compor o órgão como conselheiro.
Alexandre Cordeiro participou de 331 julgamentos, sendo 28 atos de concentração, 66 processos administrativos, 146 requerimentos de termos de cessação de conduta (TCCs), 60 embargos declaratórios, oito consultas e 23 envolvendo outros procedimentos. Sob sua relatoria foram julgados cinco atos de concentração, nove processos administrativos, uma impugnação de auto de infração, uma averiguação preliminar, três requerimentos de TCCs e uma consulta. Ele também decidiu questões incidentais e encaminhou à apreciação oito embargos de declaração. Além disso, emitiu um voto de vista em um Ato de Concentração e em um processo administrativo, além de 31 votos vogais em diversos expedientes.
Entre os processos cuja atuação suscitou especial destaque estão os da joint venture entre SBT, Record e Rede TV! para negociação conjunta de sinal de TV digital fornecido a operadoras de televisão por assinatura, o da reapreciação extraordinária do ato de concentração que julgou a incorporação da Garoto pela Nestlé e o da incorporação da Alesat pela Ipiranga. Cordeiro também é relator do processo de compra da Time Warner pela AT&amp;T, que será julgado nesta quarta-feira (18) pelo Cade.
Cartel da “Roupa Suja” 
O voto vista de Alexandre Cordeiro no processo administrativo nº 08012.008850/2008-94 (cartel da roupa suja) teve como ponto de maior interesse o delineamento de uma regra para aplicação da sanção de proibição de contratar com o poder público pelo período não inferior a cinco anos (art. 38, II da Lei nº 12.529/2011 e art. 24, II, da Lei nº 8.884/1994), a empresas participantes de cartel em licitação quando o acordo ilícito ostentar um agente com posição de coordenação e liderança, sobre a conduta.
No caso concreto, o cartel envolveu empresas de lavagem de enxoval de hospitais públicos na cidade do Rio de Janeiro, que se organizaram em torno da liderança da empresa Brasil Sul. Em face dos dados disponíveis de mercado observou-se que uma eventual aplicação da proibição de participar de licitações que abrangesse todos os representados geraria escassez de oferta no mercado que induziria a elevação de preços ou o não atendimento de parcela da demanda. Tal efeito seria contraproducente em relação ao objetivo da legislação antitruste, que é maximizar a eficiência alocativa do mercado.
A forma racional de aplicar sanção envolveria, portanto, uma assimetria de tratamento entre os representados, sendo que a conduta mais gravosa era a da empresa líder, responsável por conferir maior estabilidade à colusão. Sendo assim, sugeriu-se que a punição de proibição de participação a licitações deveria ser aplicada à empresa Brasil Sul, mas não às empresas que não tiveram posição de liderança, para as quais a sanção de multa se mostrava mais proporcional e efetiva. A punição da empresa líder abriria espaço no mercado para um novo entrante, além de desincentivar futuras iniciativas deste tipo por agentes interessados em organizar novo cartel, especialmente em contatos públicos
Saint Gobain e SiCBRAS 
Saint Gobain e SiCBRAS são dois dos três concorrentes existentes no mercado brasileiro de carbeto de silício. O carbeto de silício é utilizado na indústria metalúrgica e na produção de abrasivos e refratários. A produção deste produto é eletrointensiva, significa dizer, a energia elétrica é fartamente empregada e por isso constitui um dos custos mais decisivos.
Com vistas a aproveitar menor custo de eletricidade no Paraguai, as requerentes planejaram instalar naquele país uma planta que teria por função atender ao mercado brasileiro. A planta teria por proprietária uma joint venture controlada em partes iguais por Saint Gobain e SiBRAS.
Sucede que, como explicou Alexandre Cordeiro enquanto relator do caso, a atuação conjunta da Saint Gobain e SiCBRAS na produção de carbeto de sicílio na planta paraguaia gera preocupações concorrenciais, como o risco de troca de informações sensíveis entre concorrentes, a tomada de decisões estratégicas em conjunto pelas empresas, e a possível redução dos incentivos para concorrer, dado que elas em razão da operação elas passaram a ser sócias.
Para sanar os problemas concorrenciais advindos da operação, o Tribunal do Cade seguiu o encaminhamento do Relator, pactuando com as requerentes um conjunto de medidas comportamentais que visaram garantir a independência operacional da joint venture. Foram acertadas uma série de restrições para evitar a troca de informações sensíveis entre Saint Gobain e SiCBRAS, especialmente para a produção futura.
Destacou-se que, embora houvessem riscos concorrenciais não desprezíveis, tratava-se de um empreendimento destinado a incrementar oferta, o que tende a ser pró-competitivo. “O Cade não poderia desconsiderar esses ganhos, sob o risco de impedir a plena utilização da capacidade produtiva da fábrica paraguaia. Desse modo, buscamos verificar a possibilidade de medidas comportamentais, que restringissem os riscos concorrenciais, sem que houvesse perdas de eficiências, as quais tendem a ser benéficas, não apenas para as requerentes, mas também para os consumidores”, declarou o relator.
SBT, Record e Rede TV! 
A fim de explorar o cronograma de desligamento do sinal analógico e a novel possibilidade de cobrança pelo fornecimento do sinal digital, as radiodifusoras SBT, Record e Rede TV! planejaram a formação de uma empresa destinada a atuar na criação de conteúdo, programas e canais destinados à TV fechada, bem como no licenciamento conjunto dos seus respectivos sinais digitais.
O Cade não identificou qualquer efeito adverso da possibilidade de produção de conteúdo audiovisual pelas requerentes, por meio da Newco ou não. Por outro lado, analisou a possibilidade de risco anticoncorrencial em função da possibilidade de coordenação de venda de sinal de televisão aberta para operadores de TV por assinatura. Foi por conta desta preocupação que a conselheira Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt votou pela reprovação do negócio pretendido. A fim de aprofundar entendimento, o conselheiro Alexandre Cordeiro pediu vista do processo.
O conselheiro Alexandre divergiu da conselheira Cristiane e foi ele o responsável pelo voto ao qual se filiou a maioria dos membros do plenário do Cade: na visão do conselheiro era possível a aprovação da operação com restrições, sendo elas, a obrigação de investimento de parte das receitas de negociação de sinais na joint venture, o referenciamento dos preços cobrados a pequenos e médios operadores de TV por assinatura ao quanto negociado com os grandes (Net e Sky) e o estabelecimento de um prazo tanto para a vigência do ACC quanto para a duração da companhia – seis anos a contar da assinatura do primeiro contrato com uma grande operadora.
A decisão tem como pano de fundo a doutrina da Tese do Poder Compensatório além de deixar claro que o elemento decisivo para a aprovação do ato de concentração com as condições pactuadas foi o fato de as radiodifusoras perceberem a maior parte de suas receitas de contratos com anunciantes, ou seja, trata-se de um mercado de dois lados. Sendo assim não possuem incentivos para impor elevados preços a grandes operadores de TV por assinatura, vez que ao adotarem tal estratégia tendem a perder audiência e consequentemente receitas de anúncios. Tal previsão foi robustecida pela sucessão dos fatos que se seguiu à operação, quando a joint venture criada (que posteriormente ganhou o nome de Simba) assinou com Net e Sky contrato com preço por assinante bem inferior ao que desejavam no início das negociações com as operadoras.
Reapreciação Extraordinária de Nestlé-Garoto 
O caso Nestlé-Garoto é um dos mais rumorosos da história do Cade. A Aquisição da Chocolates Garoto S.A. pela Nestlé do Brasil Ltda. ocorreu em fevereiro de 2002 e foi apresentada para a avaliação da autarquia em março do mesmo ano. Em 27 de março de 2002 foi assinado entre a Requerente e o Cade um Acordo de Preservação de Reversibilidade da Operação (APRO), no qual foram ajustadas medidas que preservassem a distinção empresarial entre Nestlé e Garoto. A ideia foi preservar o resultado útil do processo em caso de decisão que não aprovasse o pleito sem restrições.
Em 4 de fevereiro de 2004 o Conselho entendeu, por maioria de cinco votos contra um, que a operação deveria ser reprovada porque ocasionava elevada concentração e grande risco de efeitos deletérios nos mercados de chocolates sob todas as formas e no mercado de coberturas de chocolate. Em 5 de outubro de 2004 o Cade reiterou a reprovação, ao rejeitar, por maioria de três votos contra dois, pedido de reapreciação fundado em proposta de desinvestimento parcial.
A Nestlé contestou judicialmente a decisão e desde então seguem vigentes as condições pactuadas em no APRO de 2002, mas sem decisão final.
Por iniciativa da Nestlé houve apresentação de petição visando solução não contenciosa que extinguisse a disputa judicial, procedimento que ganhou o nome de reapreciação extraordinária de ato de concentração. Coube ao Conselheiro Alexandre Cordeiro relatar tal pedido e levar adiante entendimentos com a Nestlé para que o negócio tenha uma solução definitiva.
Foi realizada instrução para atualização da leitura de mercado que o Cade fez à época da reprovação. Após tal instrução suplementar constatou-se que subsiste preocupação com apenas um dos dois mercados que justificaram a decisão passada do Conselho. O mercado de coberturas de chocolate ostenta dinâmica totalmente diferente, enquanto o de chocolate sob todas as formas guardou relativa estabilidade ao longo dos doze anos que sucederam a reprovação da operação. A disposição da Nestlé para este mercado aparentemente é meritório, porque endereça os problemas, porém restou prudente ao Cade, seguindo Despacho do Relator Alexandre Cordeiro, solicitar garantias de viabilidade de condução adequada e autônoma de pacote de soluções oferecidas em proposta.
Votos sobre utilização de conceito de vantagem auferida na aplicação de multa e jurisprudência do Cade em TCCs 
Uma questão importante que foi objeto de intenso debate no plenário do Cade nos últimos dois anos é a referente a critérios para dimensionamento de contribuições pecuniárias em TCCs. Nos processos administrativos as contribuições funcionam como sucedâneos das multas e tem estas como parâmetro. Segundo o Regimento Interno do Cade, as contribuições devem ser uma função do momento processual em que se propõe o acordo, da contribuição instrutória aportada e da multa esperada. As duas primeiras variáveis modulam o quantum desconto sobre a multa esperada, variando de zero até cinquenta por cento.
O debate que se instalou deveu-se ao fato de a multa aplicável comportar discricionariedade, já que, no caso de empresas, deve variar de 0,1% a 20% do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração (art. 37, I, da Lei nº 12.529/2011). O percentual exato, por seu turno, depende (i) da gravidade da infração, (ii) da boa-fé do infrator, (iii) da vantagem auferida ou pretendida, (iv) da consumação ou não da infração, (v) do grau de lesão ou perigo de lesão à livre concorrência, à economia nacional, aos consumidores ou a terceiros, (vi) dos efeitos econômicos negativos produzidos no mercado, (vii) da situação econômica do infrator, (viii) da verificação de reincidência. Fora a reincidência, a influência de cada um dos fatores não é tarifada e depende da individualização da conduta dos infratores. O fato de a individualização da conduta dos infratores gerar famílias de situações distintas com impactos, inclusive na base de cálculo das multas, levou parte do plenário do Cade a questionar a certeza sobre as regras das regras de dosimetria da instituição. Isso aconteceu principalmente por meio de dois argumentos: em um se afirmava que o Cade não possui critérios seguros para determinar valor de contribuições pecuniárias porque bases de cálculo têm sido muito flexíveis e em outro se induzia a que este critério deveria ser balizado pela estimação da vantagem auferida.
Nos votos-vogais emitidos nos julgamentos dos Requerimentos nº 08700.007053/2-16-41 (Requerimento de TCC por Refratário Paulista e outros) e 08700.000436/2017-70 (Requerimento de TCC de Poly Easy), cujo modelo de argumentação foi replicado em outros casos, o Conselheiro Alexandre ofereceu ao plenário um levantamento jurisprudencial pelo qual classificava em famílias de critérios legais e infralegais dos mais de cem e TCCs de empresas em processos de cartéis julgados pela instituição a instituição. Em noventa por cento dos casos era possível enquadrar o caso levado a julgamento em uma regra que predizia uma forma de dimensionar a base de cálculo. Apenas em 10% dos casos levantados as regras devidamente fundamentadas não se repetiam em outros casos. Considerou, por isso, que não era válida a afirmação de que não há critérios seguros para determinar a base de cálculo das contribuições pecuniárias de empresas em processos por cartéis. Sobre o critério de vantagem auferida, sustentou que as metodologias oferecidas até este momento são muito sensíveis e não uniformes, de modo que não há segurança suficiente para que sejam aplicadas.
Incorporação de Alesat por Ipiranga 
O Grupo Ultra, controlador da Petróleo Ipiranga, planejou incorporar a Alesat, distribuidora de derivados de petróleo concorrente. O Cade reprovou a operação por entender que a supressão deste player teria propensão de reduzir de modo irremediável a competição no mercado de modo a tornar deletério o seu funcionamento.
Embora o conselheiro Alexandre Cordeiro tenha votado pela reprovação da operação, isto se deu basicamente por razões procedimentais, já que não concordou com a integralidade dos termos de Acordo em Controle de Concentração. Em suas razões de voto, contudo, observou que o Conselho não poderia deixar de observar que uma alta concentração neste mercado certamente não se deveria à incorporação da Ale pela Ipiranga, mas certamente a dinâmica pretérita, especialmente se operacionalizado desinvestimento proposto pelas requerentes. Coube ao Conselheiro chamar a atenção que não cabe ao Cade atuação em controle de condutas que desconsidere o nexo de causalidade entre a operação e o grau de concentração que se considere pernicioso.
O conselheiro fez uma análise jurisprudencial de todos os atos de concentração aprovados pelo Cade com remédios para demonstrar que a reprovação desta operação contrariava a jurisprudência da autarquia. Ao fundamentar seu voto pegou como exemplo o caso Bradesco/HSBC que tinha o mesmo relator do Caso Ipitanga/Alesat. No caso Bradesco/HSBC o conselheiro relator João Paulo de Resende sugeriu a aprovação com remédios. Já no caso Ipiranga/Alesat que apresentava uma menor concentração e uma análise técnica menos problemática em relação aos testes de screaming (HHI, GUPPI, CPPI) sugeriu a reprovação.
Leia a íntegra <a href="/wp-content/uploads/2017/10/Balanço-Alexandre-Cordeiro-Cade.docx"> do documento com os casos enviados por Alexandre Cordeiro.

Movida

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

A pedido do JOTA, Alexandre Cordeiro selecionou os principais votos proferidos desde 2015

Indicado à SG do Cade passa por sabatina nesta terça

A pedido do JOTA, Alexandre Cordeiro selecionou os principais votos proferidos desde 2015