Iuri Dantas

Guilherme Pimenta

O superintendente geral do Cade, Eduardo Frade, defendeu que a autoridade antitruste leve em conta aspectos específicos do direito societário como forma de aperfeiçoar suas decisões e evitar medidas mais duras que o necessário ao avaliar participação societária em operações submetidas à autarquia.
De acordo com Frade, duas questões principais podem nortear a investigação do Cade sobre estratégias concorrenciais derivadas do direito societário: 1) Quais são as estratégias concorrenciais possíveis decorrentes de uma participação minoritária, e 2) Que direitos são conferidos ao agente econômico para executar essa estratégia? O interesse do Cade decorre um player consegue - unilateralmente ou de forma coordenada - unir ou direcionar a conduta de empresas.
"Ainda existe espaço para evolução nas decisões do Cade, a meu ver", afirmou. "Por não conhecer o direito societário, o direito da concorrência tende a ser mais duro que seria necessário."
A autoridade antitruste já identificou algumas maneiras pelas quais isso ocorre, mas ainda precisa sistematizar seus entendimentos e jurisprudência de forma mais objetiva para o público, segundo o superintendente geral. Além disso, alguns pontos de interseção do direito da concorrência e societário foram abordadas apenas “en passant”, sem aprofundamento até agora.
Frade discorreu sobre o tema durante o “Encontro IBRAC/IDSA sobre Defesa da Concorrência e Direito Societário”, promovido pelo Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional e pelo Instituto de Direito Societário Aplicado nesta sexta-feira (28/4) em São Paulo. Na ocasião, ele listou cinco possíveis cinco possíveis estratégias societárias que podem impactar a atuação das companhias no âmbito concorrencial - e que por isso devem ser analisadas com lupa pela autoridade antitruste.
Leia abaixo trechos da palestra concedida por Frade sobre os cinco tópicos:
Influência dominante
É o fator mais evidente, sem grandes discussões no próprio direito societário, que dá muitos direitos ao controlador. O agente que controla a sociedade tem muito poder para dominar a estratégia financeira e o controle da sociedade vai ter gestão da estratégia concorrencial. Do ponto de vista do direito da concorrência, que está interessado na capacidade de dominação no mundo real, se o agente pode controlar a sociedade vai controlar a estratégia comercial da empresa. O controle é muito mais uma questão de fato, por isso a necessidade de normatizar de forma objetiva e analisar caso a caso.
Influência relevante
Se o próprio controle já tem determinada subjetividade de identificação, na influência relevante isso vai para um patamar mais alto. Normalmente falaremos de participação minoritária, de que tipo de direitos, de que forma o agente minoritário vai influenciar as decisões concorrenciais daquela empresa.  Se o concorrente tem influência relevante sobre decisões do outro concorrente, tem relevância pro direito concorrencial. Tem possibilidade de alinhamento coordenado muito maior que no caso anterior.  Some-se que normalmente a influência relevante vai vir acompanhada de interresse financeiro e acesso a informações sobre a sociedade, vai começando a somar dentro do balaio a relevância de participação minoritária que confira esse direito.
Quando fala de participação entre concorrentes a influência é maior ainda. Por que um rival compra do outro? Vai gerar alinhamento entre eles? O que configura influencia relevante? Como vou aferir?
A gente pode tentar dar alguns elementos para melhorar essa análise. Existe um interesse do sócio de influenciar decisão da empresa? Os direitos que detém na empresa tornam a influência possível? Ainda que seja possível, a tentativa de influência é efetiva ou ele é barrado?
Depende de minoritário ter assento em órgão de administração, poder de voto, veto, dispersão da sociedade, se o sócio é encarado com expertise particular para ser ouvido, se tem capacidade política de convencer os demais. É muito tentador normatizar, mas, de novo, é uma situação fática que pode variar tanto de cenário para cenário que sempre vai precisar fazer análise caso a caso. A transitoriedade ou não dá influencia? Não tem dúvida que influência perene é maior, mas não necessariamente é verdade. Imagine que um minoritário tenha poder de veto sobre uma matéria especfica, que seja concorrencialmente relevante… uma decisão em cinco anos pode ter influência muito grande.
Uma conclusão dos estudos que fiz, não me surpreendeu mas não esta claro nas decisões do Cade, o divisor de águas muito grande é se um acionista minoritário vai ou não ter assento nos órgãos de administração, Isso faz uma diferença grande sobre o tipo de minoritário que você esta falando. A partir do momento que tem assento, está podendo participar das decisões concorrenciais, financeiras da sociedade, tem mais condição de influenciar a conduta da sociedade. Ao se sentar em algum órgão, passa a ter acesso a informações estratégicas. Se você for parar para ver legislação societária, um acionista sem assento tem pouquíssimos direitos de acesso a informação que um terceiro. Consegue ter contato maior dentro da sociedade, mas não significa que um minoritário sem assento no conselho não possa viabilizar estratégia entre empresas.
Acesso a informações estratégicas
A lógica é: se tenho acesso a informações sensíveis do meu concorrente, se quiser alinhar ou se vou ter condições de promover ação coordenada com aquela empresa, depende muito das características de mercado. Se p alinhamento gera problema concorrencial, depende da natureza das informações. O nível de agregação das informações, por exemplo, vai possibilitar ter acesso a informações que ninguém tem? A literatura é preocupada com preço, quantidade de venda, estratégias, clientes, tecnologias. A informação quando é divulgada para todo o mercado é mais pro-competitiva. É crucial que tenha assento no conselho de administração. Isso é algo que precisa ser consolidado na jurisprudência do Cade.
Participação em outra empresa
A participação cruzada potencializa incentivos ainda mais. Cade evoluiu de não falar nada a respeito, especialmente quando a Telefonica participou na Telecom Italia. O Cade passou a se preocupar com isso, o alinhamento pode levar a comportamento anticompetitivo. Quando a Telefonica comprou a participação da Portugal Telecom na Vivo o conselheiro  Eduardo Pontual levantou questões interessantes. Até o voto anterior, quanto menor for a participação no rival, menores serão as perdas se ele for mal. Pontual mostrou que não foi assim. A lógica não é ganhar e o outro perder, mas como vamos ganhar juntos? Pouco importa se o agente tem assento nos órgãos de administração - tem direito de acesso a lucros. uma informação interessante. Apesar do Direito Societário privilegiar controlador e negligenciar minoritário, tem direitos sui generis de minoritários de acesso a lucro liquido, que fazem crescer a preocupação de interesse financeiro de um agente no outro
Contatos estratégicos 
Tenho agente A e agente B que são sócios de agente C. Um não tem participação no outro, não tem acesso a informação, nem interesse financeiro, mas ambos são sócios do mesmo veiculo. O direito da concorrência deve se preocupar? Sim, não e em que casos? Tende a fazer sentido quando estamos falando de relação vertical no objeto, especialmente se for greenfied - algo super comum no mercado, geralmente pro competitivo com os devidos cuidados.
E se o veiculo objeto atua no mesmo mercado que A e B? Indiretamente A e B alinharão suas ações ao se alinharem com C. Estamos falando de conduta de cartelização e não do direito societário.
Temos um precedente, o caso Amil-FMG. A Amil, dona de planos de saude e hospitais, adquiriu um hospital no Rio de Janeiro que por sua vez tinha como sócio a FMG, que também é dona de hospital. O Cade na ocasião achava que aquilo geraria incentivo à colusão - o mercado é preocupante - o Cade impôs restrições a essa operação.
O último contato estratégico não advém de participação direta, mas atuação entrelaçada em conselhos. É uma situação que gera vários questionamentos concorrenciais.  Um dos exemplos que a legislação societária se preocupa com isso: a principio não pode o mesmo conselheiro sentar em dois concorrentes - salvo se for aprovado pela assembleia de acionistas. É meio retardado dizer que a assembleia que vai votar num cara para depois dizer que não pode participar. Mostra que o direito societário se preocupou com aquilo, mas resolveu não fazer nada a respeito.

Captura de Tela 2016-10-20 às 12.09.33 PM

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Para superintendente, conhecimento de direito societário evita ações mais duras que necessário

Há espaço para evolução nas decisões do Cade, diz Frade

Para superintendente, conhecimento de direito societário evita ações mais duras que necessário