Guilherme Pimenta

Iuri Dantas

<div>
A compra da Alesat Combustíveis S/A pela Ipiranga Produtos de Petróleo S/A não deve ser aprovada pelo tribunal administrativo do Cade, pois a concretização do negócio equivale a “encerrar qualquer perspectiva de entrada relevante de uma nova rival efetiva no mercado”. 
A avaliação foi feita pela Superintendência Geral em uma nota técnica elaborada após mais de quatro meses de análise do ato de concentração apresentado pelas duas empresas. Para chegar a duras conclusões sobre o negócio, os técnicos da autoridade antitruste levaram em conta não apenas a concentração e poder de mercado das duas empresas, mas também - e principalmente - o histórico de condutas anticompetitivas no setor.
Trata-se de um amplo e significativo diagnóstico sobre o setor de combustíveis - campeão de condenações por infração às leis 8.884/1994 e 12.529/2011, que regulam a concorrência no Brasil há quase um quarto de século. Na prática, significa que travas regulatórias e características do segmento e dos produtos recomendam que as grandes empresas de “bandeira” - Petrobras, Ipiranga, Raízen e Alesat - não sejam mais autorizadas a comprar rivais.
A SG, segundo apurou o JOTA, não descarta aprovar novos negócios no segmento, mas para isso seria necessário que as empresas fossem pequenas e com atuação local.
Histórico de cartelização
Segundo a nota, dois dos mercados envolvidos na negociação, o de distribuição e de revenda, "reclamam cautela na análise [de atos de concentração] em razão do seu longo e sistemático histórico de condutas anti competitivas”. Esse setor econômico, diz o Cade, tem "histórico de cartelização dos mercados de distribuição e revenda de combustíveis líquidos".
Caso a operação se concretize, de acordo com a SG, o potencial de resistência oferecido por postos de gasolina sem bandeira e de embandeiramento mais flexível será "tolhido de maneira relevante".
Postos de gasolina sem bandeira ou de embandeiramento flexível são encontrados na "franja do mercado". Geralmente, esses locais são distantes dos grandes centros, onde postos que não fazem parte do grupo das quatro maiores redes de revenda são encontrados mais facilmente.
"Após aprovar (ainda que com várias restrições) sucessivos atos de concentração nesse mercado, em que momento a autoridade antitruste deve reconhecer a natureza irremediável da situação e ativamente intervir para evitar uma deterioração do ambiente concorrencial?", questiona a Superintendência Geral.
Há pouco mais de um ano, a Superintendência Geral tomou uma das medidas mais incisivas para coibir práticas lesivas à ordem econômica no mercado de revenda de combustíveis.  No âmbito da Operação Dubai no Distrito Federal, a SG determinou como medida preventiva a intervenção na rede Cascol - líder de mercado - que passou a ter um novo administrador, cuja atuação é monitorada pelo Cade. Em outubro, o prazo da medida preventiva foi prorrogado por 180 dias.
Além disso, o Departamento de Estudos Econômicos do Tribunal apontou que os mercados de revenda e distribuição apresentam incentivos para realização de conduta de acomodação paralela (PAC) após a operação, havendo indícios de colusão "em virtude da operação". Na teoria, a paralell accomodating conduct indica uma situação em que os agentes econômicos atuam contra a concorrência mesmo sem um acordo explícito. 
No caso do setor de combustíveis do Brasil, a SG entende que o mercado está de tal forma organizado que uma união da Ipiranga-Alesat deixaria o segmento vulnerável a esta situação. Neste cenário, caso a nova empresa aumente os preços, os concorrentes tendem a aumentar seus valores também, em vez de reduzi-los para brigar por consumidores.
Após a elaboração da nota técnica, a Superintendência Geral encaminhou o processo para o tribunal administrativo do Cade, que decidirá se aprova ou não a compra da Alesat pela Ipiranga. Enquanto o tribunal não toma uma decisão, as empresas não podem integrar suas operações.
Concentração
Dados trazidos pela nota técnica apontam para "concentração elevada" nos mercados de distribuição e revenda de combustíveis. Uma questão que se tornará ainda mais complexa no caso de concretização da compra da Alesat pela Ipiranga - que reduziria de 4 para 3 o número de grandes distribuidoras no mercado.
As quatro grandes empresas são já são responsáveis por 75.9% do setor de distribuição. 
"Após a operação, as três maiores distribuidoras do país concentrarão a totalidade do nível de competição nacional. Esse dado confirma que o presente caso é uma operação de quatro agentes para três, retirando uma marca do mercado."
</div>
<img class="wp-image-67669 aligncenter" src="/wp-content/uploads/2017/02/tabela-cade-1certa-300x281.jpg" alt="tabela-cade-1certa" width="353" height="331" />
Com relação à revenda, a concentração é ainda mais elevada. Os quatro grandes grupos somam 83.5% de todo o mercado. 
"No cenário que considera somente as bandeiras de alcance nacional, as participações já elevadas passarão a ser inteiramente concentradas nas três maiores distribuidoras, apresentando novamente redução de quatro para três marcas no mercado", diz a nota.
<img class=" wp-image-67670 aligncenter" src="/wp-content/uploads/2017/02/tabela-cade-2certa-300x264.jpg" alt="tabela-cade-2certa" width="378" height="333" />
Condutas anticompetitivas no mercado
Na nota, a SG faz diversas referências a condutas anticompetitivas já identificadas pelo Cade, tanto na distribuição quanto na revenda de combustíveis. 
"Os processos de conduta anticompetitiva coordenada no setor foram mais atinentes à atividade de revenda. No entanto, com a gradual concentração a montante, o SBDC passou a investigar mais condutas que também envolvem a distribuição", apontam os técnicos.
"A experiência do Cade com carteis na revenda demonstra que a extrema sensibilidade dos postos a variáveis competitivas detidas em grande medida pelas distribuidoras cria uma dinâmica segundo a qual as distribuidoras de maior porte frequentemente conseguem utilizar as redes de revenda com posição dominante para obter condições mais propícias à cartelização e penalizar os postos não alinhados", argumenta a SG.
<img class=" wp-image-67722 aligncenter" src="/wp-content/uploads/2017/02/tabela-combustíveiscerta-300x226.jpg" alt="tabela-combustiveiscerta" width="471" height="355" />
Para o advogado especialista em defesa da concorrência Arthur Villamil, do escritório Neves &amp; Villamil, a forte nota da SG pode "lançar luz em cartel de combustíveis", e isso faria com que o Cade passasse a analisar os casos não apenas em AC, mas também em análise de conduta. "Abriram a caixa preta do setor, e agora começou a ficar muito evidente por condutas das companhias."
Villamil, que é representante da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e Lubrificantes (Fecombustíveis) como terceiro interessado no processo, diz que concorda com a nota da SG, já que a redução no número de grandes distribuidoras "prejudica o equilíbrio de mercado e facilitaria concentração".
Na operação específica, a SG se preocupa com a fragilidade da rede de revenda da Alesat, "bem menos estruturada do que a do Ipiranga":
"Isso é disruptivo para a concorrência ao empoderar os postos e minar a possibilidade de controle por parte da distribuidora: a fragilidade de postos frente às distribuidoras é justamente um dos principais fatores que dão margem à cartelização na revenda, prática que representa relevante preocupação advinda da presente operação", aponta a superintendência.
Além disso, a SG aponta que "buscando melhor efetivar sua capacidade de induzir a coordenação na revenda, as grandes distribuidoras podem se valer do controle propiciado por seus contratos de embandeiramento para reforçar substancialmente o alinhamento de incentivos já previamente existente entre a distribuição e a revenda no sentido da cartelização do mercado".

image

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

SG do Cade recomenda veto à operação por aumento dos riscos de condutas anticoncorrenciais

Compra da Ale pela Ipiranga tolhe setor de combustiveis

SG do Cade recomenda veto à operação por aumento dos riscos de condutas anticoncorrenciais