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Cade investiga cartel em cafeterias de aeroportos

Autarquia instaurou processo administrativo na semana passada

15/08/2017|12:05
Atualizado em 17/05/2018 às 20:50
Café

A Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica instaurou processo administrativo para investigar cartel em licitações para instalação de cafeterias em diversos aeroportos do Brasil. (PA 08700.007278/2015-17)

A Infraero (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária), empresa pública brasileira responsável pela administração da maioria dos aeroportos brasileiros, denunciou ao Cade existência de suposto cartel no setor.

Em junho de 2015 a Superintendência de Gestão de Risco e Compliance da Infraero Aeroportos remeteu ao Cade documentos contendo indícios de irregularidades em licitações. O órgão de defesa da concorrência instaurou procedimento preparatório em maio deste ano, e em 07/08/2017 instaurou-se Processo Administrativo (PAD) para interposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica segundo a lei. 12.529.

Cinco empresas e oito pessoas estão no polo passivo da PA: Alimentare Serviços de Restaurante e Lanchonete Ltda.; Boa Viagem Cafeteria Ltda.; Confraria André Ltda.; Delícias da Vovó Ltda.; Ventana Manutenção e Serviços Ltda.; Cesar Giacomini Evangelista Kinaki; Christian dos Santos Marques Motta; Fabiano Luis Gusso; Gustavo Locks de Pauli; Hugo Evangelista Kinaki; Jean Diego Brunetta; Juliana Osorio Saul; Victor Hugo dos Santos.

No ofício da Infraero para o Cade, a companhia argumenta que analisando documentos licitatórios, concluiu “que as empresas, em conluio, previamente combinaram condutas no intuito de frustrar o caráter competitivo de tais licitações. ”

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Aeroportos afetados

Os espaços de cafeteria dos aeroportos de Florianópolis (Hercílio Luz), Recife (Gilberto Freyre), Campo Grande, Curitiba (Afonso Pena), Maceió (Zumbi dos Palmares), São Paulo (Congonhas) são os supostamente afetados pelo cartel.

O Cade analisou documentos referentes a pregões presenciais para uso de áreas de exploração comercial de atividade de cafeteria nestes aeroportos.

Os pregões presenciais foram divididos em duas etapas. Na primeira, abriram-se envelopes contendo propostas de preços de todos os participantes. A melhor proposta e todas aquelas com valor até 10% superior ou inferior, a depender do pregão, são classificados para a segunda fase, de lances orais. Caso não haja propostas com valor até 10% superior/inferior em relação à melhor, classificam-se as três subsequentes. Após a disputa verbal, analisa-se se as empresas preenchem as exigências do certame.

A tática usada pelas companhias consistia em ofertar lances na primeira fase que, pelo valor, impediam as não-alinhadas de chegarem à segunda fase. Quando as companhias passavam para a segunda fase, duas desistiam do pregão ou os lances diminuíam parcamente o valor da primeira fase. Havia, também, um mesmo representante para mais de uma empresa no mesmo pregão.

Segundo Nota Técnica produzida pelo Cade, essa tática falseava uma verdadeira competição e passava um carácter enganoso de melhores valores para a administração pública.

“Destaca-se que, embora em um primeiro momento tais propostas comerciais pareçam ser as mais vantajosas para a Administração, isso consiste em mero falseamento da competição, e apenas impede a participação, na fase de lances verbais, de outros agentes interessados em efetivamente disputar o objeto licitado, o que poderia fazer com que o valor contratado fosse ainda menor.”

Indícios de coordenação

A Superintendência-Geral do Cade vislumbrou os seguintes indícios de ação coordenada de preços e comportamentos pelas empresas:
(i) documentos apresentados com o mesmo erro de grafia e/ou formatação idêntica;
(ii) utilização da estratégia de bloqueio em pregão presencial;
(iii) mesma pessoa física representando mais de uma licitante no certame;
(iv) ausência de disputa entre licitantes qualificadas para a fase de lances orais no pregão presencial;
(v) supressão de propostas; e
(vi) apresentação de propostas fictícias ou de cobertura.”

Nas licitações, o edital do certame solicitava que as companhias apresentassem declaração de enquadramento como microempresa. Em sete pregões analisados, identificaram-se os mesmos erros de grafia e a mesma formatação nas declarações das empresas acusadas.

Escrevia-se “ todas as condições” como “todas a condições”, além dos mesmos grifos em diferentes declarações e empresas.

Erros de grafia em documento para licitação

 

Identificou-se o uso de estratégia de bloqueio em pregão presencial, em que se ofertam valores próximos pré-combinados para evitar que outras empresas não alinhadas cheguem a segunda fase do certame, em seis pregões.

Por exemplo, no pregão n° 078./ADSU.SBFL. /2014 as empresas Alimentare Serviços de Restaurante e Lanchonete Ltda., Confraria André Ltda. (à. época, CGE Kinaki N) e Ventana Manutenção e Serviços Ltda apresentaram valores com diferença máxima de 9,14%.

A Superintendência-Geral também analisou a relação entre os sócios das diferentes empresas, já que não se considera existência de cartel quando os sócios das companhias que se articulam para prejudicar licitação são os mesmos, mas sim descumprimento da Lei de Licitações (Lei 8.666).

Dos sete pregões analisados, em cinco empresas com mesmos sócios participaram do certame, sócio de uma empresa representando além da sua outra. Na análise das empresas Boa Viagem Cafeteria Ltda. e Delícias da Vovó Ltda. foi identificado sócio em comum - na pessoa de Hugo Evangelista Kinaki.

Hugo é parente de Ivone Pereira Evangelista Kinaki, sua mãe, e Cesar Giacomini Evangelista Kinaki, seu irmão. Ambos sócios da Confraria André Ltda.

Na Nota Técnica, a SG afasta a existência de mesmo grupo societário, o que impediria a tipificação como cartel.

“Tal configuração – que tomaria presumida a não-rivalidade entre as empresas, afastando o raciocínio de um cartel pela ausência de concorrência entre as mesmas – exige uma comprovação de que as empresas verdadeiramente se apresentam em conjunto, sendo controladas por um único grupo societário, o que não contempla o presente caso.”

 

Já no grupo formado pelas companhias Ventana Manutenção e Serviços Ltda., Alimentare Serviços de Restaurante e Lanchonete Ltda. e Boa Viagem CaIetenia Ltda., o sócio da primeira, Jean Diego Brunetta, representou as outras em diversos certames, especialmente a Alimentare, em quatro pregões.

Contudo, para a SG, “o raciocínio de um único grupo societário unificado controlando as três empresas não prevalece no presente caso.”

Como a maioria das empresas sequer foram juntas para a segunda fase dos pregões, a SG descartou a tese do mesmo grupo e reforçou a existência de indícios de formação de cartel.

“Firma-se, portanto, a presunção de que, em ambos os casos grupo 1 e grupo 2 - as empresas são, de fato, empresas concorrentes. Em suma, descartada a atuação como um único grupo societário, a proximidade entre as empresas, consubstanciada pelas evidências acima elencadas, reforça a hipótese da existência de cartel, bem como reforça a improbabilidade de ocorrência de mera coincidência quanto aos erros de grafia, denotando que a dinâmica dos pregões presenciais indicaria a existência de estratégia de bloqueio”, pondera a SG.

As representadas foram notificadas no dia 09/08. O prazo para defesa é de 30 dias, contados em dobro, prorrogáveis por mais 10. Após as manifestações, a SG produzirá seu parecer ao caso e remeterá o mesmo ao tribunal do Cade. O tribunal sorteará um relator que ficará responsável por dar parecer pela condenação ou absolvição das companhias.logo-jota