Diego Werneck Arguelhes

Silvana Batini

A tese pode soar politicamente arrojada. Mas há base legal. Trata-se do poder de cautela inerente a todo juiz, e que em matéria processual penal tem a ver diretamente com a proteção do processo em si e da ordem pública. Entre as muitas medidas cautelares que o juiz pode adotar, está a “suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais” (artigo 319, IV do CPP).
Essas medidas podem ser adotadas inclusive antes do recebimento da denúncia. Mas, no caso de Cunha, a questão é controvertida. Em agosto, quando a denúncia contra Cunha foi oferecida pelo procurador-geral da República junto ao Supremo, <a href="https://www.jota.info/stf-pode-afastar-o-presidente-da-camara" target="_blank">a possibilidade de afastamento foi objeto de divergências entre juristas</a>. Alguns enfatizaram que a condição de Cunha seria semelhante à do resto dos servidores públicos, sujeitos às medidas cautelares do CPP. Dificilmente um juiz permitiria que um funcionário público permanecesse em posição de chefia com poderes para prejudicar investigações contra si mesmo. Na Lava Jato, aliás, determinou-se cautelarmente a prisão de alguns réus para evitar que utilizassem seu poder econômico ou político para impedir a produção de provas.
Para outros juristas, em contraste, o Supremo deveria se conter e não adotar essas medidas cautelares, em respeito à separação de poderes. Não afirmavam necessariamente que Cunha deveria permanecer no cargo, mas sim que a decisão caberia à própria Câmara.
O Supremo ainda não foi provocado sobre essa questão. Na época, <a href="https://www.jota.info/denunciado-hoje-pela-pgr-eduardo-cunha-pode-ser-afastado" target="_blank">o JOTA noticiou que havia pouca disposição no tribunal para determinar o afastamento</a>, caso tivesse sido pedido. Essa silenciosa prudência se justifica: Cunha não é qualquer agente público. É chefe de um Poder de Estado. Ainda que o CPP seja em tese aplicável, essa medida na prática representaria a entrada de um poder no próprio coração do funcionamento de outro.
Nos últimos meses, porém, a situação mudou. O que era só um risco se tornou perigo real e imediato. A imprensa <a href="http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,aliados-de-cunha-pedem-encerramento-de-sessao-do-conselho-de-etica-,10000002425" target="_blank">tem noticiado tentativas de Cunha de usar as prerrogativas do cargo</a> – sobretudo o controle sobre o funcionamento interno da Câmara -- <a href="http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2015/11/cunha-e-acusado-de-manobrar-para-adiar-processo-de-cassacao.html" target="_blank">para dificultar sua eventual responsabilização dentro do Congresso</a>. Já havia <a href="https://www.jota.info/pgr-recebe-pedido-de-afastamento-imediato-de-eduardo-cunha" target="_blank">pedidos de deputados </a>para que o PGR busque o afastamento de Cunha junto ao Supremo. E hoje, terça-feira, diversos partidos de oposição começam a se articular<a href="http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,partidos-de-oposicao-a-cunha-decidem-unificar-obstrucao-em-votacoes-na-camara,10000002823" target="_blank"> para reagir e tentar desbloquear o funcionamento do Conselho de Ética no caso de Cunha</a>. É possível que se reúnam com o PGR nos próximos dias sobre a questão do afastamento do presidente.
Presidente da Câmara ou não, Cunha foi denunciado por crimes comuns. Se as críticas acima forem procedentes, além de prejudicar sua responsabilização futura e, assim, ameaçar a ordem pública, Cunha pode ter praticado novas condutas que, em tese, poderiam configurar outros tipos penais. Por exemplo, o uso de seu poder de agenda na Câmara para adiar sessões do Conselho de Ética que o julgará pode constituir prevaricação.
Se o Supremo for provocado quanto ao afastamento, “separação de poderes” não pode mais justificar inação.
Ao contrário: exatamente porque Cunha não é um funcionário público qualquer, o dano potencial é muito maior. A lógica da separação de poderes agora muda de sinal, exigindo mais freios e contrapesos e menos deferência. Onde inicialmente se recomendou ao Supremo que esperasse, os mesmos ideais constitucionais requerem agora intervenção judicial para proteger a aplicação futura da lei.
Além disso, o respeito à separação de poderes não pode significar renúncia a exigências republicanas básicas. Se a Câmara não decide se Cunha fica ou sai, e se ações do próprio Cunha têm contribuído para isso, o voto de confiança inicial não se justifica mais. É preciso que o Supremo entre em cena. Como não há, no Brasil, um procedimento interno para a Câmara trocar de presidente, o poder de cautela judicial pode ser decisivo para garantir que os processos administrativos, políticos e criminais contra Cunha se desenrolem regularmente.

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JOTA

“Separação de poderes” não pode mais justificar inação do STF.

Supremo precisa discutir afastamento de Cunha

“Separação de poderes” não pode mais justificar inação do STF.