Thomaz Pereira

Diego Werneck Arguelhes

[Este é o terceiro de <a href="https://www.jota.info/stf/supra/o-supremo-e-a-reeleicao-das-mesas-no-congresso-entre-sofismas-e-passes-de-magica-10122020">uma série de três textos</a> <a href="http://www.jota.info/stf/supra/o-stf-e-a-reeleicao-das-mesas-do-congresso-nacional-um-poder-desconstituinte-15122020">sobre o julgamento da ADI 6.524</a>, decidida no plenário virtual do STF entre 04 e 12 de dezembro de 2020.]
No caso da reeleição dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, o processo decisório revelou diversas implicações do plenário bifurcado – virtual e “presencial” – que temos hoje no Supremo Tribunal Federal (STF). Cada vez mais, o plenário presencial divide espaço e tempo com o plenário virtual (PV). No presencial, os ministros do Supremo se reúnem em tempo real para ouvir os votos uns dos outros e debater; essas características permanecem mesmo nas sessões remotas, durante a pandemia. No PV, em contraste, não há presença simultânea ou oportunidade de debate. O ministro relator inicia o julgamento disponibilizando seu voto escrito no site do STF, e os outros ministros adicionam seus próprios votos (às vezes um “sigo o relator”, sem fundamentação própria) enquanto o prazo estiver aberto, e sem ordem de votação.
<a href="https://www.jota.info/stf/supra/coronavirus-e-a-ampliacao-do-plenario-virtual-do-stf-27032020">Na pandemia</a>, <a href="https://www.jota.info/stf/supra/plenario-virtual-ampliado-o-que-temos-e-vemos-ate-agora-22052020">o PV se expandiu por completo</a>, <a href="https://www.jota.info/stf/supra/o-plenario-virtual-no-stf-individualismo-vazao-e-outras-tendencias-20082020">abrangendo em princípio qualquer processo de competência do plenário</a>. Mas ainda é possível que o PV não seja o melhor ambiente para todo e qualquer caso. Quanto mais desejável for o debate e a interação entre os ministros, mais razão para decidir no plenário presencial. A qualidade da troca de argumentos entre os ministros no plenário do Supremo é passível de críticas, mas no PV ela sequer é possível. Em vez de deliberação, há apenas agregação. Votos escritos são sucessivamente somados uns aos outros, sem que seja possível haver troca de argumentos ou pedidos de esclarecimentos entre os ministros.
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A tese da “mutação constitucional” da vedação de reeleição das mesas do Congresso, como vimos, é absolutamente inédita e fora da normalidade, e teria profundo impacto político e institucional. Por que decidir esse tema no PV?
Foi o relator, Gilmar Mendes, quem pautou o processo no PV. Seus colegas poderiam ter “pedido destaque” do caso para o plenário presencial, mas ninguém fez uso da prerrogativa. Houve pedido de “destaque” das partes, mas não surtiu efeito. Ou seja, não foi acidente. O PV foi uma escolha deliberada do relator, e no mínimo tolerada por seus colegas. Por quê?
Uma hipótese está no congestionamento do plenário presencial. Há hoje 1.394 processos liberados para pauta do plenário, 369 dos quais aguardam pauta no plenário presencial. Quem escolhe quais destes processos serão pautados é o presidente do tribunal. Liberar um processo para pauta não garante que será pautado de fato. Mesmo quando o processo é pautado e o julgamento é iniciado, caso não seja concluído naquela sessão, nada garante que voltará imediatamente na próxima. Nessa leitura, o PV é uma válvula de escape de relatores. Mendes poderia querer decidir o quanto antes, considerando o ciclo eleitoral do Congresso, e optado pelo PV para não depender de o presidente Fux querer (ou poder) priorizar o caso ainda este ano.
Há outras leituras, complementares. No PV, soma-se à não-interação entre os ministros a ausência da TV Justiça. Talvez justamente a “heterodoxia” da tese do relator tenha estimulado a escolha por um ambiente de baixo conflito e escrutínio público reduzido. Do ponto de vista de ministros que, no PV, poderiam sem muito custo seguir o voto do relator, sem apresentar seu próprio voto escrito e sem chamar tanta atenção. E, do ponto de vista de um relator que precisa fazer vencer uma tese tão fora do normal, é útil evitar o constrangimento de apartes, interpelações e contraditas dos inevitáveis votos divergentes. O PV não elimina a divergência, mas domestica o conflito entre os ministros.
Ou seja, os limites da deliberação e exposição no PV podem ter sido um recurso estratégico do relator e de quem acompanharia seu problemático voto.
Mas por que nenhum ministro pediu destaque? Isso colocaria o processo em um limbo potencial, sujeito ao controle de pauta do presidente. Dilema recorrente para os ministros no PV: é mais importante que a decisão venha logo, mesmo que com deliberação truncada, ou que o problema tenha a interação e exposição pública que merece – mesmo que isso tome tempo e impacte o próprio resultado? São perguntas <a href="https://www.jota.info/stf/supra/plenario-virtual-agenda-presidente-stf-diminuicao-consolidacao-28092020">especialmente válidas no caso do presidente Fux</a>, cujo pedido de destaque poderia ser efetivado já incluindo o processo na pauta do plenário presencial.
Como esses possíveis cálculos feitos antes do julgamento podem ajudar a explicar o resultado?
É importante separar qual teria sido a estratégia, do seu eventual sucesso ou não. O PV parece ter sido a melhor opção para emplacar, nesse momento, uma tese fora da normalidade – mas pode ainda assim ser sido insuficiente.
O PV pode ter favorecido uma onda inicial pró-reeleição. Sem a ordem de votação fixa do plenário físico, ministros favoráveis à tese da possibilidade de reeleição rapidamente juntaram seus votos. Esse movimento, dessa forma, só seria possível no PV.
Além disso, no plenário físico, o julgamento dificilmente teria terminado em uma só sessão. Só as sustentações orais, a leitura do voto do relator, e o voto do ministro Nunes Marques já tomariam uma sessão. Faltariam ainda todos os outros votos, com um custo adicional para Alexandre de Moraes, Lewandowski e Toffoli simplesmente dizerem “sigo o relator” . Ao menos alguns desses optariam por trazer e ler seus votos, ainda que curtos. E, como sabemos, um julgamento que não termina em uma sessão no Supremo não necessariamente continua na sessão seguinte. No plenário presencial, não há um intervalo fixo de tempo para que o julgamento, uma vez iniciado, termine. Julgamentos interrompidos podem ficar suspensos indefinidamente aguardando uma nova oportunidade de pauta, enquanto no PV  apenas um pedido formal de vista (ou de destaque) poderia prolongar o prazo fatal iniciado pelo relator.
A duração do julgamento se combina com o elemento de exposição pública. Quanto mais rápido um julgamento é concluído, menos espaço para haver pressão pública sobre os ministros. A minoria vencida tentou fechar o julgamento o quanto antes, após o voto do relator, e de fato a conclusão se deu em questão de dias. No plenário presencial, um julgamento desse tipo provavelmente teria levado duas ou até três sessões do plenário, que dificilmente ocorreriam na mesma semana.
Mais duração, em mais sessões, significa mais tempo de exposição a críticas públicas e à cobertura da imprensa, que seria ainda ampliada por imagens da TV Justiça. Os ministros sabem disso, e podem usar essa dilação de tempo e exposição uns contra os outros – <a href="https://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/2013/09/12/joaquim-ganhou-tempo-para-tentar-reverter-desvantagem/?mobile" target="_blank" rel="noopener noreferrer">como ocorreu com o voto de Celso de Mello</a> sobre o cabimento de embargos infringentes no julgamento do “Mensalão”, em 2013.
Assim, o plenário presencial, mesmo que o caso tivesse sido pautado imediatamente, colocava mais obstáculos no caminho da posição pró-reeleição. A esperança, portanto, estava no PV. Esse ambiente de decisão rápida, sem ordem de votação, sem conflito público e de reduzida exposição foi uma grande arma da posição pró-reeleição. Deu camuflagem, em várias dimensões, a uma posição que se sabia ser extremamente controversa. Foi, porém, insuficiente.
<blockquote class="jota-article__eye">O PV não é um instrumento “neutro” de eficiência. <a href="https://www.jota.info/stf/supra/opacidade-plenario-virtual-zika-censura-escolas-12052020">É um recurso estratégico</a>, que ministros podem usar para influenciar tempo e resultado dos julgamentos.</blockquote>
Contudo, como outros recursos desse tipo na dinâmica do tribunal, ajudam, mas não garantem o resultado. O resultado final, com a afirmação da vedação constitucional, permite levantar dois pontos adicionais sobre o Supremo de hoje.
Primeiro, a votação mostra a inadequação do PV para casos complexos, com múltiplas posições. Houve votos pela reeleição, mas limitada a uma única vez, incluindo mandato-tampão e legislaturas diferentes, mas só daqui para frente (Gilmar Mendes, p.ex.); Nunes Marques discordou da aplicação apenas daqui para frente. Mas a maioria contra a reeleição também tem divergências internas – alguns votos rejeitam qualquer reeleição, incluindo mandato-tampão e mudança de legislatura (Carmen Lúcia, p.ex.), enquanto outros parecem admitir a reeleição nessas hipóteses, que já vêm sendo praticadas pelo Congresso (p.ex., Barroso).
Para que o presidente Fux possa proclamar o resultado, o relator do acórdão, Marco Aurélio, precisará lidar com essas divergências para definir o que prevaleceu quanto à questão do mandato-tampão e da mudança de legislatura. No plenário presencial, o tema seria discutido ao vivo antes de o presidente proclamar o resultado. Como fazer isso adequadamente no PV?
Segundo, em um tribunal que parece levar em conta o que se diz sobre suas decisões – na imprensa, na comunidade jurídica, na praça dos três poderes –, o fato de que a pressão e a crítica pública podem ter sido decisivas para o resultado apertado não nos parece negativo.
A coalizão pública contrária à autorização da reeleição pelo Supremo combinava críticos de conjuntura e críticos de estrutura. Havia quem não quisesse a reeleição de Rodrigo Maia e/ou de Davi Alcolumbre. Mas muitas vozes, talvez a maioria, criticaram o Supremo não por quem a decisão beneficiaria, mas sim pela ameaça de desconsideração direta e inequívoca de uma regra clara da Constituição. Quando críticos falam em “opinião pública”, nesse caso, como se fosse idêntico à pressão pela condenação de uma pessoa ou pela desconsideração de uma regra jurídica ou de uma garantia constitucional, parecem se esquecer dessa diferença fundamental.
O fato de que a pressão pública forçou o respeito a uma regra clara, rejeitando a sua flexibilização para um ganho político de curto prazo, é em si uma boa notícia. E, supondo que essa pressão possa ter tido algum efeito, a notícia pode ser ainda melhor. Embora concordemos com a crítica de que uma suposta “opinião pública” não pode ser justificativa das decisões do STF, não foi esse o caso aqui. E acadêmicos, advogados e ativistas constantemente celebram a abertura do Supremo a vozes sociais e institucionais outras que não as dos seus próprios ministros. Se não consideramos positivo que essas vozes surtam efeito ao atacar uma decisão assim – pelo seu erro jurídico, e não por que pessoas ela se beneficiaria ou não – quando então acharíamos positivo que o tribunal seja sensível a críticas da sociedade?
Em uma democracia constitucional, é fundamental que cidadãos se engajem em defender a Constituição contra aqueles que a ameacem, inclusive contra aqueles que tem a função de protegê-la. Quem critica o Supremo, quando este se propõe a minimizar a Constituição, será um aliado do tribunal contra quem gostaria de violá-la.
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O episódio 47 do podcast Sem Precedentes analisa o julgamento do Supremo Tribunal Federal que decidiu pela inconstitucionalidade da reeleição dos presidentes do Congresso. Ouça:
https://youtu.be/roD5SwCzhLI
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JOTA

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