Luiz Fernando Gomes Esteves

Ana Laura Pereira Barbosa

No dia 19 de junho, o STF passou a conhecer dos efeitos da alteração regimental promovida pela <a href="https://digital.stf.jus.br/publico/publicacao/120773">Emenda Regimental 58</a>. As novas regras alteraram a dinâmica dos pedidos de vista e das decisões cautelares monocráticas. Sobre os pedidos de vista, as regras preveem que pedidos não devolvidos no prazo de 90 dias retornam automaticamente para a pauta. No caso das cautelares monocráticas, caso o relator decida pela concessão, elas serão imediata e automaticamente incluídas na pauta da sessão de julgamentos seguinte.
Não é difícil notar que a alteração regimental teve como objetivo reduzir ou eliminar os amplos poderes individuais dos ministros, muito bem diagnosticados e denunciados pela academia há pelo menos uma década. Havia dúvidas, no entanto, se a alteração regimental produziria efeitos, após várias tentativas malsucedidas de impor freios aos pedidos de vista. A aplicação das regras, desde o dia 19, indica que dessa vez as alterações são para valer.
O julgamento dos processos da chamada Pauta Verde, por exemplo, estava parado desde abril de 2022, em razão do pedido de vista do ministro André Mendonça. Agora, está à disposição da ministra Rosa Weber que, como presidente, deve definir a sessão para a continuidade do julgamento. O recurso que discute o uso de banheiros a partir do critério da identificação do gênero também voltou à pauta, após ficar quase oito anos parado por pedido de vista do ministro Luiz Fux.
Pedidos de vistas sempre tiveram um prazo, mas não havia consequência para seu descumprimento. O mesmo pode ser dito das monocráticas, que sempre tiveram que ser submetidas ao referendo do colegiado. A novidade é a criação de consequências se os limites regimentais forem desobedecidos. Mas a constatação de que as regras serão finalmente aplicadas é suficiente para acabar definitivamente com todos os problemas gerados pelo uso de poderes individuais por ministros do STF? Em outras palavras, os pedidos de vista obstrutivos e as decisões monocráticas deixarão de existir?
Infelizmente, a resposta é não. Sem dúvidas, a emenda regimental cria bons mecanismos para diminuir os poderes individuais de ministros. A partir de agora, é difícil imaginar que um ministro sozinho defina a resposta que o tribunal dará a um caso e, ao mesmo tempo, impeça a manifestação de seus pares por tempo prolongado. Algo que ocorreu, por exemplo, no caso que discute a constitucionalidade da criação do juiz de garantias, em que o ministro Luiz Fux não só suspendeu os efeitos da lei aprovada pelo Congresso, como impediu que os demais ministros participassem da discussão.
No entanto, a mudança não extingue esses poderes individuais. As decisões monocráticas ainda seguem possíveis, e os seus efeitos não devem ser desprezados. Ainda é possível que um ministro, individualmente, altere o status quo. Um exemplo recente pode ilustrar como importantes efeitos subsistem. Como consequência do 8 de janeiro, o ministro Alexandre de Moraes determinou a prisão do governador Ibaneis Rocha, em decisão individual. A decisão foi rapidamente submetida ao plenário, que a confirmou. Nessa situação, o plenário não lidou com a mesma pergunta que foi endereçada por Moraes. Moraes teve que decidir entre manter solto ou prender, ao passo que o plenário avaliou se deveria mantê-lo preso ou soltar.
A diferença é significativa, pois a manutenção do status quo, poderíamos dizer, tem sempre um custo adicional, comparada com a sua alteração. Imagine o quão exposto ficaria o tribunal, ou ao menos o ministro Alexandre de Moraes, caso o plenário decidisse por libertar Ibaneis. Isto é, uma vez que um ministro tornou a decisão possível, o custo para a invalidação da decisão é maior.
Portanto, o poder de decidir de forma monocrática não foi extinto. O que foi sensivelmente reduzido é o poder do ministro, individualmente, evitar a manifestação de seus colegas de forma indefinida.
Além disso, os pedidos de vista ainda podem ser empregados para pausar um julgamento por 90 dias úteis, o que pode ter consequências para o momento da decisão e para quem votará no caso. Um exemplo é o pedido de vista do ministro André Mendonça no caso do marco temporal, realizado no último dia 7. Caso o ministro use todo o prazo regimental, a composição do tribunal será bem diferente na retomada do julgamento: a ministra Rosa Weber, atual presidente do tribunal, já terá se aposentado, e <a href="https://www.jota.info/legislativo/indicacao-de-zanin-e-aprovada-pelo-senado-21062023">Cristiano Zanin</a>, por sua vez, terá sido empossado como ministro.
É possível especular, ainda, que alguns efeitos do uso individual não tenham diminuído, mas sim transferidos. Se a devolução do pedido de vista ou liberação da monocrática para referendo dos colegas ocorrerem no ambiente físico, não há a garantia de que o caso será pautado. Discutir o processo ainda dependerá de uma decisão individual, mas haverá a centralização na presidência, a quem cabe pautar os processos. O próprio exemplo do juiz de garantias pode indicar como os problemas não seriam extintos. Após conceder a cautelar de forma monocrática, que suspendeu os efeitos da lei, o ministro Luiz Fux liberou o caso para o julgamento em setembro de 2020, quando já ocupava a presidência do STF. A liberação para julgamento, no exemplo, não surtiu nenhum efeito, já que cabia ao próprio ministro Fux designar a data para o julgamento, o que não ocorreu durante sua presidência.
As mudanças, portanto, são dignas de todos os elogios e não merecem reparos. Certamente esse é um dos maiores legados da presidência da ministra Rosa Weber: tornar o STF uma instituição mais colegiada, diminuindo as oportunidades para que ministros controlem individualmente o tempo ou o resultado dos julgamentos. Mas é necessário considerar que ainda existem importantes gargalos para atuação individual dos ministros do STF.

52943838683_b3f89e50f1_k

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Novas regras para decisões monocráticas e pedidos de vista no STF

Mudanças nas regras de pedidos de vista no STF são dignas de elogios, mas ainda há importantes gargalos para atuação individual dos ministros

Novas regras para decisões monocráticas e pedidos de vista no STF

É o fim do individualismo?