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Coronavírus e a ampliação do Plenário Virtual do STF

Decisão reforça tendência do Tribunal em privilegiar a atuação individual e individualista dos ministros?

Supremo Tribunal Federal / Crédito: Rosinei Coutinho/SCO/STF

Impulsionado pela pandemia do coronovírus, o Supremo Tribunal Federal modificou, novamente, seu regimento interno para ampliar as hipóteses de julgamento pelo Plenário Virtual. A partir de agora, “a critério do relator, “todos os processos de competência do tribunal poderão ser julgados em ambiente eletrônico (conforme nova redação do art. 21-B).

Essa ampliação, todavia, não foi unânime. Ficou vencido o ministro Marco Aurélio Mello, que tem insistido nos déficits deliberativos que o modo de uso do Plenário Virtual causa aos julgamentos do Supremo.

O tema não é novo, mas vem se renovando. Há menos de um ano, em julho de 2019, também com a resistência do ministro Marco Aurélio, o STF já havia dado um passo largo rumo à expansão do Plenário Virtual. Nessa oportunidade, acresceu ao regimento o art. 21-B, autorizando o julgamento virtual de (i) medidas cautelares no controle concentrado, (ii) de medidas cautelares e tutelas provisórias; e (iii) de mérito das demais classes processuais, quando houver “jurisprudência dominante no âmbito do STF”.

Desta vez, em sessão administrativa excepcionalmente transmitida pela TV Justiça, o STF foi mais longe: reescreveu o dispositivo para liberar o Plenário Virtual para julgar todo e qualquer processo sob sua alçada, havendo ou não jurisprudência pacificada.

Além disso, o STF decidiu realizar sessões presenciais de quinze em quinze dias e concentrar no ambiente virtual a sustentação oral das partes. E, por fim, com a publicação da Resolução 672 nesta sexta-feira, regulamentou o uso de videoconferência nas sessões de julgamento presencial do Plenário e das Turmas.

As novidades já repercutem, seja sobre o exercício da ampla defesa e do contraditório das partes, seja sobre a qualidade da deliberação entre os ministros.

Tão logo aprovada a emenda regimental, ainda em plenário, os ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes indicaram que processos até então inclusos na pauta para julgamento presencial desde o mês de dezembro de 2019 seriam de pronto submetidos ao Plenário Virtual.

E assim aconteceu, por exemplo, com a ADPF 528 e com a ADI 5.441. Ocorre, no entanto, que essas ações já haviam sido incluídas para julgamento no Plenário Virtual, mas, após requerimento justificado das partes, foram transferidas para julgamento em sessão presencial. Porém, assim que o Supremo ampliou o Plenário Virtual para todos os processos, a ADPF 528 e a ADI 5.441 voltaram a ser inseridas no Plenário Virtual, mas sem que qualquer justificativa fosse dada para tal decisão. A decisão de reinclusão dessas ações no Plenário Virtual sem qualquer fundamento viola a obrigatoriedade de fundamentação das decisões, conforme exigem a Constituição e o Código de Processo Civil. A ampliação da alçada do Plenário Virtual não traz consigo a dispensa geral de justificar toda e qualquer transferência do plenário físico.

Sem facultar a prévia manifestação dos interessados, matérias constitucionais que saíram do Plenário Virtual e foram realocadas para decisão em sessão presencial foram, todavia, inseridas na pauta virtual já para o mês de abril. E sem qualquer justificativa para isso.

A Presidência do Supremo justificou a mudança pela “necessidade de adequação de todas as instituições, inclusive do Supremo Tribunal Federal, ao momento crítico por que passa todo o mundo. A redução das sessões presenciais como medida de enfrentamento à pandemia do covid-19 foi endossada praticamente à unanimidade dos ministros.

Entretanto, chamado pelo Conselho Federal da OAB a esclarecer e registrar na redação da emenda a natureza excepcional e transitória da redução dos julgamentos presenciais e da concentração da sustentação oral no ambiente eletrônico, a Corte silenciou-se. Nada na nova redação regimental indica a transitoriedade dessas mudanças.

Em uma espécie de obter dictum, o ministro Luís Roberto Barroso e a ministra Rosa Weber afirmaram que, superada a pandemia, não haveria obstáculo à rediscussão do retorno à frequência semanal das sessões presenciais. Entretanto, o histórico do STF está longe de sugerir que mais essa ampliação substancial do plenário virtual em detrimento do plenário físico  será temporária.

Como apontado em recente discussão no podcast do JOTA (Sem Precedentes), o STF já estudava expandir os limites do Plenário Virtual antes da pandemia do covid-19 exigir a adoção de medidas que, ao mesmo tempo em que mantivessem as pessoas em segurança, viabilizassem o funcionamento das instituições.

Não se trata aqui de colocar em xeque a gravidade da situação, que enseja, sim, a minimização da exposição de ministros, servidores e advogados. A discussão é sobre o ajuste fino entre esse fim e os meios concretamente adotados.

A ampliação do Plenário Virtual e o seu modo de uso impactam na deliberação entre os Ministros e no exercício da ampla defesa e do contraditório.

A decisão na ADPF 528 ou na ADI 5.441, tomada com base no funcionamento alargado do Plenário Virtual, e sem qualquer fundamentação, parece não apenas evidenciar o tribunal de solistas que o STF é, mas que também faz força para ser.

A pandemia do coronavírus parece ter sido apenas o álibi que faltava para o STF expandir de vez o Plenário Virtual, mas sem considerar modos de utilizá-lo que sejam mais adequados do que as operações binárias que têm caracterizado essas decisões. E que em nada se parecem com o julgamento deliberativo e colegiado que deveria prevalecer no Supremo, ainda que em ambiente virtual.

A ampliação do Plenário Virtual para “todos os processos de competência do tribunalreforça a tendência do Tribunal em insistir em mecanismos decisórios e decisões que, em nome da rapidez, privilegiam a atuação individual e individualista dos ministros. Mais do que isso, representa a aposta do STF em apresentar o Plenário Virtual como a única solução possível de seus gargalos, ignorando diversas alternativas possíveis, a exemplo de um uso mais engajado e deliberativo da ferramenta, ou mesmo uma reformulação das competências do STF diante do conhecido “risco de estrangulamento da máquina judiciária”, como já afirmava o ministro Sepúlveda Pertence no longínquo ano de 1993.