Silvana Batini

O mandato de Michel Temer corre risco.
Avançam ações pedindo sua cassação no TSE, vitaminadas com as provas da Lava Jato. Com isso, surgem na imprensa teses que buscam uma forma de salvar o atual presidente da república.
A mais recente destas teses foi anunciada pelo presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes. Uma vez que a cassação da chapa Dilma-Temer parece inexorável, a alternativa seria poupar o atual presidente da inelegibilidade decorrente. 
Segundo essa tese, em caso de cassação a Constituição impõe uma eleição indireta, que o atual presidente, mesmo sendo cassado, poderia disputar para, inusitadamente, suceder a si mesmo. 
Mas essa tese se sustenta? Tudo depende do Supremo decidir se, nesse caso, a inelegibilidade é uma sanção pessoal ou um efeito da condenação.
A lei prevê duas consequências para o reconhecimento de abuso de poder em eleições. A primeira delas - a mais notória - é a cassação da chapa. A segunda é a inelegibilidade.
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Até 2010, a inelegibilidade decorrente da condenação por abuso eleitoral era de 3 anos. A Lei da Ficha Limpa fez este prazo saltar para 8 anos. Além disso, como se sabe, ampliou a condição de inelegível, por exemplo, para condenados em crimes e atos de improbidade, desde que estas condenações fossem produzidas em decisões colegiadas.
Provocado, o Supremo teve que decidir se a lei da Ficha Limpa poderia alcançar os fatos ocorridos anteriormente à sua entrada em vigor (ADCs 29 e 30 e ADI 4578). A questão era saber se a nova condição de inelegível poderia alcançar aqueles que tinham sido condenados antes de 2010. O tribunal decidiu que sim, porque a inelegibilidade não era propriamente uma sanção, mas um critério que o legislador estava livre para impor em pleitos futuros.
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Ocorre que a questão não foi pacificada. Ainda resiste o debate sobre a natureza jurídica da inelegibilidade imposta em ações eleitorais que julgam abuso. Há quem sustente que nestes casos - e somente nestes - a inelegibilidade é uma pena e não um efeito da condenação.
O problema está devolvido ao Supremo no RE 929670, de relatoria do ministro Lewandowski, onde já se reconheceu a repercussão geral. Mas já se antevê uma tendência no Supremo no sentido de diferenciar a inelegibilidade que resulta de condenações eleitorais – conforme decisões recentes do ministro Barroso (Rcl 24224) e do próprio Lewandowski (ARE 785.068).
Assim, a inelegibilidade de Temer não depende apenas do TSE, mas também da posição do Supremo sobre essa questão.
Caso se mantenha a posição de que a inelegibilidade é efeito da condenação e não sanção, uma vez cassada a chapa, tanto Dilma quanto Temer estariam inelegíveis.
Caso se admita que a inelegibilidade é uma sanção pessoal, abre-se a possibilidade de se fazer um juízo destacado da responsabilidade pela infração, uma análise da participação individual de cada um nas infrações. Neste caso, o tribunal poderia, em tese, avaliar os fatos, reconhecer o abuso, anular a eleição, mas tornar inelegível somente a titular, poupando o vice.
Restariam dois problemas para salvar Temer: o primeiro decorre do fato de que já há uma condenação por doação irregular de campanha no TRE/SP que, por si só, poderia tornar o atual presidente inelegível. Obra também da Lei da Ficha Limpa.
O segundo problema deriva da regra fortemente sedimentada na jurisprudência, de que aquele que deu causa à anulação da eleição não pode concorrer na próxima.
A defesa de Temer já arriscou a tese da separação da chapa para poupar-lhe o mandato. A tese se enfraqueceu ao longo do tempo, não somente por conta de sua notória contradição, mas porque parte das delações da Odebrecht que já se tornaram públicas apontaram para uma atuação mais direta do então vice na obtenção de recursos de campanha, raiz primária do abuso denunciado.  
Se o TSE cassar a chapa, para que Temer possa disputar a eleição indireta será necessário que o tribunal reconheça que ele não atuou pessoalmente nos fatos que deram causa à anulação do pleito. 
Para isso, recordando Ulisses Guimarães, aguardam-se Suas Excelências, os fatos.

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A cassação de Temer: teses e fatos

Mandato de Michel Temer corre risco?