Kalleo Coura

No último domingo (29/11), depois de votar no Rio de Janeiro, o presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a defender a instituição do voto impresso. "Não podemos continuar votando e não tendo a certeza se aquele voto foi ou não para aquela pessoa", questionou o presidente.
"E lembrando, o voto impresso ninguém bota a mão no papel. Qualquer um pode pedir a recontagem naquela área. E você vai ter a comprovação do voto eletrônico com o voto no papel. É pedir muito isso? Quem não quer entender isso não sei o que pensa da democracia”, afirmou Bolsonaro, que também insistiu no discurso de fraude nas eleições americanas -- sem qualquer evidência.
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O Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">STF</a>) já se debruçou sobre propostas de voto impresso por mais de uma vez na última década.
O ministro Gilmar Mendes, relator da <a href="http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5346547" target="_blank" rel="noopener noreferrer">ADI 5.889</a>, caso mais recente em que o STF julgou a constitucionalidade do voto impresso, rememora que o Congresso Nacional tem reiteradamente demonstrado o desejo de adotar o registro em papel do voto eletrônico.
Ele lembra que a Lei 10.408/02, que tratava do assunto, acabou revogada pela Lei 10.740/03. Anos depois, em 2013, a Lei 12.034/09, que também previa o voto impresso, foi declarada inconstitucional no julgamento da <a href="http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4019347" target="_blank" rel="noopener noreferrer">ADI 4.543</a>. Já a Lei 13.165/15, a última que previa a impressão do voto, também foi derrubada pelo STF, desta vez na ADI 5.889. Ainda assim, tramitam no Congresso Nacional propostas de emenda constitucional para adotar a impressão do registro eletrônico do voto -- e Bolsonaro deve insistir no assunto.
Ao declarar a inconstitucionalidade da Lei de 2009, em 2013, o STF considerou que a impressão do voto representaria um retrocesso político, o que é vedado pela Constituição. Na ocasião, a ministra Cármen Lúcia, relatora da ADI 4.543, disse que, a partir da “implantação paulatina e de aperfeiçoamento contínuo do sistema de votação pela urna eletrônica (iniciado em 1996), abandonou-se, no Brasil” a votação em papel.
Ela lembrou que a Lei 10.408/02 determinou a impressão do voto, e que nas eleições de 2002, o Tribunal Superior Eleitoral “equipou seções eleitorais, especialmente no Distrito Federal e em Sergipe”, com urnas com capacidade para imprimir o registro do voto, que era exibido ao eleitor para confirmação. Como o experimento foi um fracasso, a norma acabou revogada.
A Lei de 2009, que foi declarada inconstitucional por unanimidade, por usa vez, permitia ao eleitor que levasse para casa um registro impresso das escolhas políticas que havia feito, ainda que vinculado a um número de assinatura digital. Desta forma, para os ministros, ficou patente a possibilidade de quebra de sigilo do voto.  <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/voto-impresso-stf-inconstitucional-30112020/attachment/adi-4543-voto-impresso" rel="attachment wp-att-284901">Leia a íntegra do acórdão da ADI 4.543</a>.
No caso mais recente, também por unanimidade, os ministros julgaram procedente a ADI 5.889, movida por Raquel Dodge em 2018 quando ocupava o posto de procuradora-geral da República. A ação foi apreciada na sessão do plenário virtual de 4 a 14 de setembro de 2020. <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/voto-impresso-stf-inconstitucional-30112020/attachment/stf-voto-impresso-inconstitucional" rel="attachment wp-att-284900">Leia a íntegra do acórdão</a>.
O relator, ministro Gilmar Mendes, afirma que "a impressão do registro do voto não é um retrocesso [como foi assentado na ADI 4.543]; não é fonte de desconfiança no processo eleitoral e decorre de uma escolha dos representantes eleitos".
Mas, na visão dele, "para imprimir o registro do voto, gasta-se muito. A contrapartida seria um ganho de confiabilidade, o qual ainda é bastante incerto". O o TSE havia estimado um gasto de R$ 1,86 bilhão, apenas com a aquisição do módulo impressor, com garantia, e dos suprimentos necessários à impressão.
Além disso, "não está completamente claro se a impressão incrementará de forma decisiva a integridade das apurações eleitorais. A impressão é um processo mecânico, mas controlado por dispositivos eletrônicos. Há riscos teóricos de manipulação da impressão – por exemplo, o cancelamento de votos confirmados ou a impressão de votos inexistentes", afirma o ministro.
Para Gilmar Mendes, "não é possível fazer uma mudança tão abrupta no processo eleitoral, colocando em risco a segurança das eleições e gastando recursos de forma irresponsável". A implantação da impressão do registro do voto, para ele,  precisaria ser gradual.
Como no julgamento da medida cautelar para suspender a eficácia da norma, a maioria entendeu pela inconstitucionalidade da lei, uma vez que violaria a liberdade e o sigilo do voto, Mendes acabou adotando como razões de decidir a visão de Alexandre de Moraes sobre o assunto.
<h3>Voto impresso e a afronta ao sigilo do voto</h3>
Para Moraes, a norma de 2015, ao prever a identificação de quem votou, também pode quebrar o sigilo do voto, e, consequentemente, diminuir a liberdade do voto, "pois a pessoa poder se sentir ameaçada". Desta forma, o modelo previsto na lei de 2015 "trouxe, um retrocesso aos avanços democráticos que o Brasil fez para se garantir realmente uma eleição livre, uma eleição em que as pessoas possam escolher aqueles que elas preferem".
Moraes ressalva que o legislador pode fazer opções: que se volte o voto no papel; ou mesmo que se adote um modelo híbrido, mas que "não tenha essa potencialidade lesiva à liberdade do voto, ao sigilo do voto".
O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por sua vez, adotou fundamentos diferentes de Gilmar Mendes, ao votar no mesmo sentido.
Barroso afirma que mesmo que haja desconfiança por parte de alguns setores da sociedade e da classe política com relação à lisura da votação eletrônica, os dados concretos jamais demonstraram qualquer fraude em decorrência do uso de urnas eletrônicas.
O presidente da Corte Eleitoral sustenta que há uma série de outros mecanismos muito menos custosos do que a impressão do voto, e que são rotineiramente empregados pelo TSE, para garantir a confiabilidade das urnas eletrônicas.
São exemplos de fatores de segurança elencados pelo ministro: (i) a transparência no desenvolvimento dos programas, (ii) a realização de testes regulares; (iii) o procedimento de votação paralela; e (iv) a entrega de cópia dos dados processados aos partidos políticos e candidatos.
Além disso, são feitos experimentos que colocam em dúvida a confiabilidade do sistema e viabilizam seu constante aprimoramento – os quais contemplam, inclusive, a realização de testes públicos em que hackers tentam invadir e fraudar a urna eletrônica.
"Assim, pela existência de meios menos gravosos, também aptos ao alcance do resultado pretendido, a medida proposta viola o princípio da proporcionalidade, na vertente da necessidade", fundamenta o ministro.
Barroso também aponta que a existência de extratos de voto "favorecem o registro fotográfico pelos eleitores" e a "captação da imagem é especialmente sensível no contexto brasileiro, que tem um histórico relevante de compra de votos e de grupos vulneráveis que são alvo de coação em comunidades violentas".
Além disso, "a existência de registros impressos dos votos gera incentivos para que os candidatos formulem pedidos de recontagem, gerando intensa judicialização do processo democrático e criando um ambiente de dúvidas quanto à acuidade do resultado das eleições".

o jurista bolsonarista

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JOTA

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