SERVIÇOS PÚBLICOS

Gilmar Mendes pede vista em ação que discute transferência de concessão sem licitação

Toffoli votou pela impossibilidade de transferir concessão, mas entendeu ser possível a transferência do controle acionário

concessões transferência de concessão
Rodovia BR-316/AL - Crédito: Beth Santos/Secretaria Geral da PR
logo do jota pro poder, na cor azul royal

O julgamento no plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) que discute a possibilidade de transferência de concessão ou do controle societário da concessionária sem licitação foi interrompido pelo pedido de vista do ministro Gilmar Mendes na terça-feira (10/8).

Até a suspensão o placar estava 2 votos a zero pela impossibilidade de transferência da concessão e possibilidade de transferência do controle acionário, conforme o voto do relator, Dias Toffoli. Na modulação da decisão, o ministro Toffoli deu um prazo de dois anos para que todos os órgãos públicos revisem os contratos que fizeram a transferência da concessão. Moraes acompanhou o relator integralmente.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.946 foi ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e questiona o artigo 27 da Lei nº 8.987/95, que dispõe sobre a possibilidade de transferência da concessão ou do controle societário da concessionária, tendo como única exigência a anuência prévia do poder concedente, sem necessidade de novo procedimento licitatório.

Para a PGR, o artigo é inconstitucional pois “formaliza a transferência da concessão e da permissão do serviço público sem prévia licitação, quando o artigo 175 da Constituição Federal preconiza sua obrigatoriedade”.

Na análise de Toffoli, a transferência da concessão não pode ocorrer, pois a “nova” concessionária do serviço não se submeteu ao processo de licitação. “De fato, quem venceu a licitação foi o concessionário, e não um terceiro estranho que não participou do certame, e se participou, não logrou ser vencedor. Permite-se, portanto, por vias transversas, que terceiro venha a adquirir a condição de concessionário de serviço público sem ter participado previamente do respectivo procedimento licitatório”.

No entanto, para ele, no caso da transferência do controle acionário não há violação à exigência constitucional de certame, uma vez que a pessoa jurídica continuaria sendo a mesma da época em que a concessão foi licitada. “Em outras palavras, não é a concessão que é transferida à pessoa jurídica diversa, mas somente a mudança dos detentores do poder controlador da mesma empresa vencedora do certame”, escreveu Toffoli em seu voto.

“A pessoa jurídica vencedora do procedimento licitatório continuará à frente do contrato, ainda que seus acionistas majoritários não estejam mais no controle das atividades. Assim, a própria pessoa jurídica vencedora da licitação continuará com os encargos e direitos decorrentes da concessão”, complementou.

Advogados e empresas apontam que a exigência de uma nova licitação para os casos de transferência da concessão e do controle acionário trará insegurança jurídica e instabilidade para o mercado, pois os atos não implicam em burla à licitação, uma vez que cabe ao poder público aceitar ou não a operação.

O advogado Luciano Barros, sócio da área de direito regulatório do escritório Figueiredo e Velloso, explica que  o ambiente de concessões será impactado no Brasil, se prevalecer o voto do relator. Segundo ele, as consequências vão desde o aumento dos riscos para os empreendedores até a alteração na precificação da concessão, uma vez que o investidor, sem poder transacionar a concessão, não saberá, ao certo, qual será o retorno recebido, o que aumenta o risco da operação.

“A forma como foi conduzido o julgamento, o primeiro voto, foi assustador. Parecia uma solução de um conflito simples por uma aplicação retrógrada do direito e talvez descontextualizada com o impacto que isso venha trazer para o ambiente de concessões”, afirma o advogado. “Se a gente transportar isso para o setor de infraestrutura, que depende essencialmente de investimentos e de financiamentos, a gente tem uma potencial decisão bomba para frear o desenvolvimento do país”, complementa.

Barros afirma ainda que a proposta de modulação trazida por Toffoli, que dá ao poder público dois anos para licitar concessões em que houve transferência, pode gerar indenizações aos investidores. “A empresa assumiu uma concessão que, por exemplo, teria 15 anos e ela pagou um preço por esse ativo. Assim, essa empresa vai se submeter à insegurança de o poder concedente ter que licitar o que, em tese, se estenderia por 15 anos, por até dois anos, ou seja, aquela perspectiva de exercício não se cumpriu”, explica.

O ministro Alexandre de Moraes acompanhou o relator. Com o pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, não há ainda data certa para nova apreciação do tema em plenário.