Humberto Vale

Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">STF</a>) <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-decide-que-testemunhas-de-jeova-podem-recusar-transfusoes-de-sangue">decidiu</a> que pacientes podem recusar transfusão de sangue por convicções religiosas, desde que atendam os requisitos legais, além de determinar que o Estado deve custear tratamentos alternativos, quando houver disponibilidade no Sistema Único de Saúde (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/SUS">SUS</a>).
A decisão se deu no julgamento conjunto dos REs <a href="https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5006128" target="_blank" rel="noreferrer noopener" data-type="URL" data-id="https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5006128">979.742</a> e <a href="https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5703626" target="_blank" rel="noreferrer noopener" data-type="URL" data-id="https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5703626">1.212.272</a>, de relatoria dos ministros <a href="https://www.jota.info/autor/luis-roberto-barroso">Luís Roberto Barroso</a> e <a href="https://www.jota.info/autor/gilmar-mendes">Gilmar Mendes</a>, respectivamente. As duas ações foram propostas por Testemunhas de Jeová, religião que não aceita esse tipo de tratamento.
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Em seu voto  no RE 979.742, Barroso destacou que a dignidade da pessoa humana exige o respeito à autonomia individual sobre as decisões relacionadas ao corpo e à saúde. No entanto, o ministro pontuou que a manifestação deve ser "livre, inequívoca e esclarecida". <a href="https://portal.jota.info/wp-content/uploads/2024/09/re-979742-voto-luis-roberto-barroso-stf-jota.pdf">Leia a íntegra do voto</a>.
"Em uma acomodação razoável entre os direitos à liberdade religiosa e à saúde, pacientes Testemunhas de Jeová fazem jus aos tratamentos alternativos já disponíveis no SUS, ainda quando não disponíveis em seu domicílio. Na hipótese em que os métodos de tratamento no local de residência não forem adequados, será cabível o tratamento fora do domicílio, conforme as normativas do Ministério da Saúde", escreveu no voto.
No julgamento conjunto, o colegiado fixou duas teses, no sentido de que o direito à liberdade religiosa inclui a possibilidade de recusa de procedimentos, desde que o paciente seja maior de idade, capaz e esteja em plena condição de discernimento; e que o Estado deve custear tratamentos alternativos, incluindo o deslocamento para outro município quando não houver disponibilidade na região do paciente.
Leia as teses de repercussão geral, nos Temas <a href="https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/tema.asp?num=952">952</a> e <a href="https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/tema.asp?num=1069">1.069</a>, respectivamente, definidas pelo Supremo:
No RE 1.212.272:
<ol>
<li>Testemunhas de Jeová, quando maiores e capazes, tem o direito de recusar o procedimento médico que envolva transfusão de sangue com base na autonomia individual e na liberdade religiosa.</li>
<li>Como consequência, em respeito ao direito à vida e à saúde, fazem jus aos procedimentos alternativos disponíveis no SUS. Podendo, se necessário, recorrer a tratamento fora de seu domicílio.</li>
</ol>
E no RE 979.742:
<ol>
<li>É permitido ao paciente no gozo pleno da sua capacidade civil recusar-se a se submeter a tratamento de saúde por motivos religiosos. A recusa a tratamento de saúde por razões religiosas é condicionada à decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida do paciente, inclusive quando veiculada por meio de diretiva antecipada de vontade.</li>
<li>É possível a realização de procedimento médico disponibilizado a todos pelo SUS, com a interdição da realização de transfusão sanguínea ou outra medida excepcional, caso haja viabilidade técnico científica de sucesso, anuência da equipe médica com sua realização e decisão inequívoca livre e informada e esclarecida do paciente.</li>
</ol>
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<h3>Liberdade religiosa</h3>
Em seu voto, Luís Roberto Barroso ressaltou que a legitimidade da recusa de procedimentos é baseada nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da liberdade religiosa.
Barroso argumentou que a liberdade religiosa impõe ao Estado o dever de garantir um "ambiente institucional e jurídico" que permita à pessoa viver de acordo com sua fé, sem qualquer tipo de restrição ou discriminação.
"A liberdade religiosa integra a própria autonomia individual e o universo de escolhas existenciais básicas de uma pessoa, funcionando como expressão nuclear da dignidade humana. A Constituição de 1988 institui ampla proteção a esse direito", afirmou no voto.
Para ele, "a dignidade como autonomia exige não só o reconhecimento da capacidade de autodeterminação, mas também demanda a garantia das condições para o exercício da autodeterminação". "Não basta conceder escolhas livres; é indispensável prover meios adequados para que a liberdade seja real, e não apenas retórica", escreveu no voto.
<h3>Tratamentos alternativos</h3>
Barroso reforçou o entendimento de que o Estado deve disponibilizar tratamentos alternativos que sejam compatíveis com as convicções religiosas, desde que não imponham um "ônus desproporcional" ao Poder Público. Para o ministro, cabe ao Estado "adotar medidas de acomodação em políticas públicas, regras ou práticas para mitigar o impacto desproporcional por ela gerado no momento da sua aplicação".
Acrescentou, ainda, que o custeio do procedimento deve incluir as despesas de locomoção do paciente e de um acompanhante, quando o tratamento alternativo não estiver disponível pelo SUS na região do domicílio do paciente.
"Além de atender às recomendações sanitárias, a oferta do tratamento alternativo reduz os riscos inerentes à transfusão de sangue e os custos aos cofres públicos. Trata-se, portanto, de medida apta a dar maior concretude aos princípios do acesso universal e igualitário às ações e serviços do SUS", afirmou no voto.
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<h3>Precedentes internacionais</h3>
Barroso enfatizou que a Organização Mundial da Saúde (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/OMS">OMS</a>) e o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ministerio-da-saude">Ministério da Saúde</a> já reconheceram a "eficácia, segurança e custo-efetividade" de tratamentos alternativos à transfusão de sangue.
O ministro mencionou precedentes da Corte Europeia de Direitos Humanos (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/CEDH">CEDH</a>) e decisões de tribunais superiores dos Estados Unidos, Itália, Canadá e Colômbia, que reforçaram o direito à recusa de procedimentos médicos por religiosos.
Além disso, citou tratados internacionais como a Convenção de Oviedo (1997), do Conselho da Europa, e da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (2005), da Unesco, que estabeleceram que procedimentos médicos só podem ser realizados com o consentimento prévio do paciente.

BarPlenário STFroso STF

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JOTA

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