Durante pandemia

STF tem maioria para negar pedido do governo para suspender prazo de votação de MPs

Ministros ainda discutem se Congresso pode votar MPs sem que elas passem antes pela Comissão Mista

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, nesta quarta-feira (22/4), para negar pedido do governo federal para suspender o prazo para apreciação, pelo Congresso, de medidas provisórias editadas antes da pandemia do coronavírus. O Executivo desejava que, mesmo não apreciados pelo Legislativo, os textos não perdessem a validade. Nove ministros votaram dessa maneira.

Entretanto, ainda há divergências entre os ministros sobre a possibilidade de flexibilizar o processo de votação das MPs no Congresso. O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Dias Toffoli.

O plenário vota se mantém ou não uma liminar do ministro Alexandre de Moraes, proferida no dia 27 de março, âmbito das arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs) 661 e 663, ajuizadas pelo Progressistas e pela Advocacia-Geral da União (AGU).

Nesta liminar, o ministro nega suspender os prazos para votação de medidas provisórias sem a perda de validade, mas determinar que, enquanto durar o estado de calamidade pública decorrente da Covid-19, a análise pela Comissão Mista pode ser substituída por parecer emitido por um parlamentar de cada Casa. Enquanto o plenário não termina o julgamento, a liminar de Moraes fica mantida.

Na sessão desta quarta-feira (22/4), o ministro Alexandre de Moraes disse que, em sua decisão, pretendeu “harmonizar a necessária independência entre os poderes compatibilizando a prerrogativa presidencial de edição de medidas provisórias e a competência exclusiva do Congresso Nacional de tornar qualquer ato provisório em legislação definitiva”. A Constituição prevê que somente o Congresso pode, no prazo máximo de 120 dias, tornar norma provisória em instrumento jurídico permanente.

“Aprovação por decurso de prazo obviamente não é um instrumento democrático”, disse Moraes, em relação ao pedido para suspender prazos. Em sua visão, autorizar isso significaria admitir a volta do Decreto-Lei, instrumento que foi extinto pela Constituição de 1988. “A Constituição deixa claro que a inércia congressual, a ausência de deliberação do Congresso Nacional equivale a rejeição. Prorrogar isso acabaria tornando  o presidente da república o único legislador no país”, disse Moraes.

Moraes foi acompanhado integralmente pelos ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Todos os outros ministros também acompanharam o relator no sentido de negar os pedidos de suspensão dos prazos, mas divergiram em relação à supressão da comissão mista.

O ministro Edson Fachin abriu a divergência, e apontou questões formais para não conhecimento da ADPF. O ministro argumentou que os autores impugnam os atos do Senado e da Câmara que instituíram o Sistema de Deliberação Remota (SDR), e que nada têm a ver com o sistema de votação de medidas provisórias.

Ainda assim, se superada a fase de conhecimento, em sua visão as ações não podem prosperar – nem pelo pedido da AGU e do PP, nem pelas contrapropostas do Congresso, e a liminar de Moraes deveria ser derrubada. Para Fachin, “nada autoriza a suspensão pleiteada”, e não deve ser permitindo “relativizar as demais exigências procedimentais a depender de circunstâncias concretas. É justamente nesses momentos que a supremacia da Constituição deve preponderar”. 

Em sua visão, não é possível que uma decisão judicial afaste ou flexibilize uma imposição constitucional. “A atividade legislativa do Poder Executivo é, num Estado Democrático de Direito, uma função atípica e, portanto, excepcional. A excepcionalidade está a indicar que as regras instituídas pelo constituinte (originário e reformador) para o seu exercício devem ser compreendidas como imprescindíveis. Não há lugar para decisão judicial que venha a remendar o texto ou o sentido da Constituição”, disse. 

Assim, Fachin concordou com o relator apenas no ponto de negar os pedidos da AGU e do PP, mas discordou sobre a supressão da Comissão Mista no processo de votação das MPs.

Fachin foi acompanhado pelo ministro Marco Aurélio Mello, que disse que “a ADPF não pode servir para, simplesmente, sinalizar-se às Casas do Congresso como elas devem proceder em termos de normas instrumentais”.

Um ato normativo editado pelo Congresso com o mesmo conteúdo da liminar de Moraes gerou divergência entre os ministros. Isso porque, na liminar, Moraes negou os pedidos dos autores das ações para suspender o prazo das Medidas Provisórias. Por outro lado, acolheu uma contraproposta do Senado e da Câmara dos Deputados de suprimir a análise pela Comissão Mista.

Essa contraproposta foi feita após o ministro pedir informações às casas legislativas sobre as ADPFs. Essa contraproposta era a minuta da norma que o Congresso iria editar dias depois.

Após a decisão de Moraes, o Congresso formalizou essa flexibilização do processo de votação de MPs por meio do Ato Conjunto 1/2020. Neste ato, determina-se que enquanto durar o estado de calamidade pública decorrente da Covid-19, “as medidas provisórias serão instruídas perante o Plenário da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, ficando excepcionalmente autorizada a emissão de parecer em substituição à Comissão Mista por parlamentar de cada uma das Casas designado na forma regimental”.

A edição deste ato posterior pelo Congresso foi citada por Moraes, mas ele destacou que não estava analisando a sua constitucionalidade, porque ele não era objeto da ação. Ainda assim, na visão de alguns ministros, quando Moraes acolheu a proposta do Legislativo em sua liminar, acabou por fazer um controle prévio de constitucionalidade do Ato Conjunto.

O ministro Luís Roberto Barroso abriu uma terceira via neste sentido. Barroso disse concordar com a solução adotada pelo ministro-relator, de que é possível suprimir a necessidade do debate das MPs na Comissão Mista durante a pandemia do coronavírus. Entretanto, disse que não referenda na íntegra a liminar do relator porque há um ato do Congresso vigente no mesmo sentido, que nunca foi impugnado, e que o STF não precisa se pronunciar sobre isso neste momento.

“O Supremo não deve funcionar como um órgão de consulta, como manifestação prévia de um ato que ainda esteja em gestação. Eu penso que nós estaríamos declarando a constitucionalidade de um ato que não foi impugnado, e um tema que não foi objeto de contraditório”, disse. “Eu afirmo, em obter dictum, que o ato conjunto editado pelo Congresso tem presunção de validade e produz regularmente os seus efeitos, até que eventualmente o Supremo se pronuncie em sentido diverso. Eu produzo o mesmo resultado, sem no entanto estar concedendo a cautelar”. 

Assim, Barroso acompanhou o relator apenas no ponto de negar os pedidos da AGU e do PP, mas votou pelo não conhecimento da contraproposta do Congresso. Barroso foi acompanhado pela ministra Cármen Lúcia.

A ministra Rosa Weber, por sua vez, acompanhou Fachin no não conhecimento das ADPFs. Superado o aspecto formal, a ministra acompanhou Barroso – nega os pedidos do autores, e não conhece a proposta das casas legislativas. Em sua visão, o Congresso tentou dar eficácia a uma minuta de ato normativo que ainda nem estavam em vigor. “O pedido contraposto fundamenta-se com pretensão de validade de minuta de ato normativo, de projeto de ato conjunto, situação jurídica que afasta a possibilidade de controle jurisdicional por parte desta suprema corte. estaria a ensejar o exercício de função de controle preventivo, consubstanciado em consultoria”, disse.

Em relação ao pedido da União, disse que trata-se de estado de crise sanitária, “que por óbvio exige do governo a tomada de decisões de maneira rápida e séria”, mas que isso não significa subverter o que diz a Constituição.

“Os poderes públicos devem atuar dentro dos limites da ordem normativa constitucional, os poderes públicos devem observar os desenhos institucionais e procedimentos decisórios delineados na leitura constitucional, em sistemas conformados como democracias constitucionais, que têm como premissa a sujeição de todos os poderes ao Direito, tanto na perspectiva procedimental, quanto material em seus atos”, disse Rosa. Destacou que, não sendo a hipótese de recesso parlamentar, não há como afastar os prazos de MPs previstos no artigo 62, parágrafo 4º da CF.

Depois das três linhas de votos diferentes, o ministro Dias Toffoli pediu vista do processo. Enquanto isso, a liminar de Moraes continua a produzir efeitos em todos os pontos.