Hyndara Freitas

O Supremo Tribunal Federal  formou maioria, nesta quinta-feira (22/8), para proibir a redução de salários de servidores para atingir os limites de gastos com pessoal, prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Caso o resultado prevaleça, o julgamento significa uma derrota para a União e Estados, que esperam aval da Corte para aplicar a medida e equilibrar as contas públicas.
Seis ministros votaram pela inconstitucionalidade do artigo 23 parágrafos 1º e 2º da LRF, a Lei Complementar 101/2000. O dispositivo diz que, caso União, Estados e municípios ultrapassem o limite de 60% dos gastos com folha de pagamento, é permitido reduzir jornada e proporcional salário dos servidores.
Os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux e Marco Aurélio votaram no sentido de barrar a possibilidade. Já Cármen Lúcia deu um voto intermediário, no sentido de permitir a redução de jornada, sem diminuir salário. Já Alexandre de Moraes (relator), Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Dias Toffoli votaram por autorizar a redução da jornada e salário.
O julgamento foi suspenso para aguardar o voto do ministro Celso de Mello, que está de licença médica. Não há data para ser retomado.
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A discussão se deu no julgamento de oito ações que questionam mais de 20 pontos da LRF. O dispositivo que permite a redução de jornada e proporcional salário de servidores está suspenso por liminar do Supremo desde 2002, portanto nunca chegou a ser aplicado.
O entendimento da maioria, até o momento, foi inaugurado pelo ministro Edson Fachin. O ministro relator das ações, Alexandre de Moraes, votou no sentido de derrubar a liminar e permitir a aplicação do dispositivo.
A Advocacia Geral da União (AGU) apresentou ao STF um cálculo do Tesouro afirmando que a medida da LRF teria potencial de redução de despesa de R$ 80 bilhões, somando todos os Estados, mas isso se o mecanismo fosse implementado a todos os servidores passíveis de redução de jornada, excluindo aqueles que ficariam limitados pelo salário mínimo e considerando os impactos sobre a arrecadação com imposto de renda retido na fonte e contribuições previdenciárias.
Esse cenário, porém, não seria uma situação real, sendo que nem todos os Estados ultrapassam a LRF. Se considerar os governos estaduais que ultrapassam limite de gasto com pessoal, esse arrocho chegaria a R$ 38 bilhões. Dados do Tesouro Nacional apontam que, em 2018, 12 estados descumpriram o limite máximo de 60% de comprometimento da receita corrente líquida com despesa com pessoal, previsto na LRF: AC, GO, MA, MG, MS, MT, PB, PI, RJ, RN, RS e TO.
<h3>Afronta a Constituição</h3>
Para Fachin, o legislador inovou ao inserir uma nova medida para que os Estados, municípios e União se adequassem aos limites de gastos. Por isso, o artigo 23, parágrafo 1º e 2º, seria inconstitucional.
O ministro disse que as ações para atingir o equilíbrio fiscal devem ser realizadas "conforme a Constituição, e não apesar da Constituição, que não merece ser flexibilizada por mais pesadas que sejam as neves dos tempos”.
“Não aceito a alegação que, diante da possibilidade concreta de demissão, a redução de jornada de trabalho e salários seria dos males o menor. Não cabe flexibilizar mandamento constitucional para gerar alternativas menos onerosas”, disse Fachin.
Fachin destacou que o artigo 169 já elenca as ações a serem tomadas pelo Poder Público para se adequarem às regras fiscais, e são elas que devem ser aplicadas. "Cumpra-se, portanto, a Constituição", falou Fachin.
A ministra Rosa Weber, ao acompanhar Fachin, manifestou entendimento semelhante. Disse que a Constituição afirma que os salários são irredutíveis, e que a própria Carta traz algumas ressalvas – mas dentre elas, não se encontra a hipótese criada pela LRF.
"Posteriormente a Constituição Federal, no artigo 169 parágrafo 1, passou a contemplar medidas, etapas a serem observadas quando do excesso dos gastos para efeitos de contenção das despesas e observação dos limites. Veio a Lei Complementar, a LRF, e criou uma nova alternativa, que ao meu juízo não atende o texto constitucional, que foi uma opção do constituinte. Não vou expressar meu entendimento pessoal, qual seria o meu posicionamento, a verdade está comigo? Não. Talvez esteja na Constituição”, disse a ministra.
Os ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio também adotaram o mesmo posicionamento.  "No rol exaustivo do 169 quanto aos meios de reduzir-se o inchaço da máquina no campo funcional, não posso introduzir mais um critério, como também não podia o legislador ordinário na lei complementar. Acabou introduzindo, acabou por aditar a Constituição Federal", disse Marco Aurélio.
Já a ministra Cármen Lúcia divergiu em parte de Fachin, opinando pela inconstitucionalidade apenas da redução de salários, permitindo a diminuição da jornada.
<h3>Menos gravosa</h3>
O voto do ministro Alexandre de Moraes, relator, foi no sentido de que as previsões da Constituição nos casos em que o poder público ultrapasse o limite de gastos com pessoal são  até mais graves do que a LRF. Isso porque, no artigo 169, a Constituição autoriza a demissão de servidores estáveis caso não sejam respeitados os limites.
Assim, a seu ver, a LRF trouxe uma alternativa intermediária. “A Constituição previu o mais radical. A lei não poderia estabelecer algo menos radical e temporário? Porque, se chegar à necessidade da demissão de servidores públicos estáveis, os cargos serão extintos e somente poderão ser recriados quatro anos depois, e pra que esses cargos sejam providos, serão necessários novos concursos públicos. A hipótese mais radical vai transformar os servidor público em desempregado”, falou Moraes.
Moraes destacou que a previsão da LRF é temporária e se trata de medida "menos drástica" que a prevista constitucionalmente. "A discussão não se dá entre ter essa flexibilização e continuar como está, é ter a flexibilização temporária, ou ser demitido, demitido, extinção de cargo por quatro anos e se criar de novo, não é ele que volta. Será que o servidor prefere isso?”, questionou o relator.
"Não se trata do confronto entre manter ou não de maneira absoluta a irredutibilidade dos vencimentos, mas sim de uma medida legislativa que pretende manter o cargo, mesmo que haja a diminuição temporária de sua carga horária e vencimentos. Às vezes é importante ceder para vencer, e é isso o que a LRF prevê", falou.
O entendimento de Moraes foi partilhado por Barroso, que disse que os Estados estão "vivendo para pagar salários". "Estamos vivendo tempos sombrios que muitas vezes nos impõe soluções que não são soluções dos nossos sonhos. É melhor uma redução da jornada e salário, do que perder o cargo. A Constituição e a legislação, combinadas, preveem um escalonamento, uma graduação de providências a serem tomadas quando excederem os limites. Em vez de darmos a opção de redução, nós obrigaremos o poder público diretamente para a demissão. Trata-se de uma consequência menos gravosa para o servidor", falou.
Gilmar Mendes também fez argumentação semelhante, dizendo que o Brasil vive hoje a crise que foi desenhada no artigo 169 da Constituição, em que muitos estados já ultrapassaram os limites de gastos com pessoal. “Essa crise desenhada no artigo 169 já se verifica e o que o legislador complementar quis fazer foi, exatamente mitigar a consequência radical que viria da aplicação do 169. É preciso que nós saibamos que a alternativa que vamos deixar se entendermos insubsistente a cláusula do artigo 23, é a alternativa da exoneração, tal como prevista no textos constitucional”, disse.
Ao todo, os ministros julgam as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 2238, 2324, 2256, 2241, 2261, 2365, 2250 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 24 que tratam da LRF e foram apresentadas pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
Até agora, foram mantidos 22 itens questionados, entre eles, as obrigações de governos de apontar fonte de custeio em caso de aumento de despesa com serviços ou seguridade social e de condicionar incentivos fiscais à compensação no orçamento.
Um ponto em aberto envolve a possibilidade do Executivo limitar repasses de recursos do Judiciário, Legislativo e do MP. O tema envolve o art. 9º parágrafo 3º da LRF, que está suspenso desde 2001 ´por decisão cautelar do Supremo.
Esse artigo fixa que: “Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subseqüentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias”.
O questionamento é sobre esse trecho: “no caso de os Poderes Legislativo e Judiciário e o Ministério Público não promoverem a limitação no prazo estabelecido no caput, é o Poder Executivo autorizado a limitar os valores financeiros segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias”.
Relator, Moraes votou pela inconstitucionalidade. O presidente do STF, Dias Toffoli, propôs interpretação conforme a Constituição. “Julgo parcialmente procedente, para fixar a interpretação conforme no sentido de que a limitação dos valores financeiros pelo Executivo, prevista no parágrafo 3º do artigo 9, se dará no limite do orçamento realizado no ente federativo respectivo, e observada a exigência de desconto linear e uniforme da Receita Corrente Líquida prevista na Lei Orçamentária, com a possibilidade de arresto nas contas do ente federativo respectivo no caso de desrespeito da regra do artigo 168 da Constituição Federal (repasse até o dia 20 de cada mês)”.
A sugestão de Toffoli foi seguida por Fachin, Barroso, Gilmar Mendes e Marco Aurélio. Moraes foi acompanhado pelos ministros Rosa Weber, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski.

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JOTA

Plenário aguarda voto de Celso de Mello; dispositivo está suspenso desde 2002, por liminar do Supremo

STF tem maioria para barrar redução de salário de servidores prevista na LRF

Plenário aguarda voto de Celso de Mello; dispositivo está suspenso desde 2002, por liminar do Supremo