Pandemia

STF tem 5 votos para afastar exigência de aval federal para medidas de transporte

‘Um espirro aqui repercute no país inteiro’, disse o presidente da Corte, Dias Toffoli, ao pedir vista do caso

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Ministro Dias Toffoli preside sessão plenária por videoconferência / Crédito: Rosinei Coutinho/SCO/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) deu início, nesta quinta-feira (30/4), à análise sobre a exigência do governo federal de que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorize medidas sobre transporte intermunicipal tomadas por estados e municípios. O presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, pediu vista e suspendeu o julgamento. De acordo com ele, a Presidência do tribunal tem recebido muitos pedidos relacionados ao tema e como não foi formada maioria, ele deve devolver o caso ao plenário na próxima quarta-feira (6/5).

Para cinco ministros da Corte, até o momento, o princípio federativo do Brasil faz com que a União não possa se sobrepor às demais esferas do poder. Dessa forma, tanto a União, quanto estados e municípios poderiam tomar medidas que considerarem importantes no combate à pandemia da Covid-19 a depender das competências de cada ente e do nível dos interesses em questão. Há competência concorrente para a maioria até agora formada. Ou seja, não fica restrita à União a proibição da locomoção.

A discussão se deu na análise da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 6343, proposta pela Rede Sustentabilidade contra dispositivos da Lei 13.979/2020 (que prevê medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus) e das Medidas Provisórias (MPs) 926/2020 e 927/2020, que tratam do transporte intermunicipal durante a pandemia.

O relator, ministro Marco Aurélio, indeferia o pedido de cautelar na íntegra. Para ele, as alterações promovidas na lei devem ser mantida em vigor até o crivo do Congresso Nacional, “sob pena de potencializar-se visões político partidárias em detrimento do interesse público”. Ele, no entanto, ficou isolado no entendimento. 

O ministro Alexandre de Moraes abriu a divergência que, até o momento, prevalece. Ele foi seguido por quatro colegas: Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Eles defenderam a suspensão parcial sem redução de texto, excluindo estados e municípios da necessidade de autorização federal, mas nos limites de suas competências. Um município não poderia, por exemplo, fechar os limites territoriais. 

“O Brasil já chega a quase 6 mil mortos. Seis mil mortos. Enquanto entes federativos continuarem brigando, judicialmente ou pela imprensa, é a população que sofre. A população não está muito preocupada com a divisão de competências administrativas ou legislativas. A população quer um norte seguro para que ela tenha saúde, e durante esse período de pandemia, de calamidade, segurança, trabalho”, disse Moraes. 

Moraes também afirmou que o exercício de cargo público exige liderança. “Que nós que exercemos cargos públicos possamos olhar para a população e afirmar que estamos fazendo o melhor com base em regras técnicas, regras de saúde pública, regras internacionalmente conhecidas. E não com base em achismos, com base em pseudo-monopólios de poder por autoridade.” Ele retomou, então, fala que já deu em outros julgamentos. O ministro entende que a exclusividade é “extremamente danosa à pandemia”. 

Para ele, a União pode interditar rodovias intermunicipais caso a medida excepcional seja de interesse maior, nacional, como para garantir abastecimento, chegada mais rápida de medicamentos. Mas também não é, para ele, possível que a União não permita que os estados possam regulamentar o transporte intermunicipal, realizar barreiras sanitárias se for do interesse do município. “Nenhuma autoridade tem o monopólio do combate à pandemia.”

A ministra Cármen Lúcia ressaltou que todos os entes são autônomos, no espaço que cabe a cada um. “Mas há consequências também que na ausência de uma ponderação específica ultrapassam as possibilidades de um município ou estado levarem a efeito seus deveres constitucionais federativos. Como na federação não há relação de subordinação de um ente federado sobre outro, não há, portanto, uma hierarquia entre os entes, mas uma coordenação, e apenas uma coordenação, acompanho o voto do ministro Alexandre”, disse. 

O ministro Ricardo Lewandowski lembrou que o Brasil tem uma história como federação, não tendo sido apenas na Constituição de Getúlio Vargas. Essas cartas estabeleceram as competências privativas concorrentes e comuns nos três níveis. E essas competências são exercidas por mandatários eleitos pelo povo. 

“Portanto, não tem o menor cabimento que o exercício dessas competências por constitucionalmente gizadas, exercidas por representantes eleitos sejam condicionadas por agentes públicas, digamos, de investidura precária e efêmera, como ministro da Saúde, integrante da Anvisa, ministro da Justiça, da Infraestrutura. E temos visto nos últimos tempo uma grande substituição dos ministros de Estado. Os representantes eleitos exercerão as suas competências sem qualquer tipo de constrangimento”, pontuou o ministro.

Não há dúvida, segundo apontou o ministro Gilmar Mendes, que a Corte está diante de um questão federativa de ampla envergadura. Para ele, submeter autoridades locais a órgão federal também viola o modelo tripartite, tão defendido na Corte. “Um dos ativos inegáveis do Brasil é o SUS. E quando apontam um déficit, é sobre a falta de aporte de recursos, especialmente por parte da União. Em termos de prestação de serviço, mais de 90% se dá no âmbito do SUS pelos estados e pelos municípios. Logo, se fôssemos adotar um critério de preponderância na atuação direta teria a ver com a presença de estados e municípios nesta lida de prestação de serviços”, disse o ministro.

Já o ministro Luiz Edson Fachin abriu o que chamou de solução intermediária. Ele sugeriu conferir “interpretação conforme ao inciso II do § 7º do art. 3º da Lei 13.979, de 2020, a fim de explicitar que, nos termos do inciso I do art. 198 da Constituição e desde que amparadas em evidências científicas e nas recomendações da Organização Mundial da Saúde, Estados, Municípios e Distrito Federal podem determinar as medidas sanitárias de isolamento; quarentena; exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver”. Ele foi seguido pela ministra Rosa Weber. 

Desta forma, caberia a Toffoli dar um voto que formasse a maioria necessária para o julgamento ou acompanhar outra linha. Ele afirmou que tinha a intenção inicial de acompanhar Marco Aurélio. “Essa matéria tem chegado à Presidência em vários pedidos de suspensões de liminares. Fiz anotações de acompanhar o eminente relator. Mas, na função da cadeira que ocupo, chega até mim a necessidade de abrir mão de posição pessoal afim da Corte chegar aos votos necessários. Mas um espirro aqui repercute no país inteiro. Peço vista para analisar alguns detalhes com mais cuidado”, explicou.