Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) entenderam, nesta quinta-feira (22/9), que o acesso à creche e à pré-escola é um direito fundamental de crianças brasileiras de 0 a 5 anos. Portanto, é obrigação da administração pública assegurar o acesso ao serviço.
Conforme a decisão, o direito pode ser exigido individualmente tanto administrativamente quanto via judicial. Ou seja, os municípios devem assegurar a creche e, se uma criança não conseguir uma vaga, os responsáveis podem acionar a Justiça para a garantia.
A discussão foi feita no recurso extraordinário 1008166 e tem repercussão geral, isto é, deve ser seguida por todo o Judiciário. Segundo dados do Supremo, 20.735 processos estavam sobrestados no aguardo da decisão sobre o assunto.
Por unanimidade, prevaleceu a tese trazida pelo ministro Luís Roberto Barroso, que assim determina:
“1. A educação básica em todas as suas fases – educação infantil, ensino fundamental e ensino médio – constitui direito fundamental de todas as crianças e jovens, assegurado por normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade direta e imediata.
2. A educação infantil compreende creche (de zero a 3 anos) e a pré-escola (de 4 a 5 anos). Sua oferta pelo Poder Público pode ser exigida individualmente, como no caso examinado neste processo.
3. O Poder Público tem o dever jurídico de dar efetividade integral às normas constitucionais sobre acesso à educação básica”
Dessa forma, a tese firmada pelo Supremo em sede de repercussão geral não traz nenhuma condicionante para o acesso à creche e à pré-escola e reforça a obrigatoriedade da prestação pelo Poder Público.
Os defensores da obrigatoriedade da administração pública de oferecer creches sustentam que o direito da criança está expresso na Constituição e deve ser cumprido. Por outro lado, os municípios preocupam-se com o custo da obrigação, que alegam impacto fiscal anual de R$ 120 bilhões. Ainda segundo os municípios, o custo médio de manutenção das crianças na creche atualmente se aproxima de R$ 50 bilhões/ano, dos quais R$ 35 bilhões estão sob responsabilidade dos municípios.
Votos
Em um primeiro momento, o relator, Luiz Fux, votou a favor da obrigação do poder público de fornecer a creche às crianças por força de decisão judicial. No entanto, ele condicionou o atendimento à comprovação de pedido administrativo prévio não atendimento em prazo razoável. Ou seja, o pai ou mãe que entrarem com decisão judicial precisam anexar nos autos a comprovação que tentaram a matrícula com a prefeitura ou outro ente público responsável pela gestão da creche na localidade desejada. Além disso, Fux também vinculou o acesso à creche pública à incapacidade financeira da família de arcar com o custo.
De acordo com Fux, os parâmetros foram estabelecidos para evitar um impacto fiscal aos municípios. Fux disse que entende que a administração pública não tem conseguido se adequar aos pisos salariais – como o da enfermagem, em discussão no Supremo -, mas deve suportar custos com educação.
Para reforçar o seu ponto de vista, Fux ainda reiterou que as condicionantes estão “longe de frustrar a universalidade”, e que elas conferem “efetividade à exigência de solidariedade social e permite a redução do impacto da judicialização na organização da política pública de educação infantil”.
“O acesso universal e igualitário à educação infantil, consectariamente, traz implícito um juízo de que, naquelas ações ainda não universalizadas pelo formulador da política pública, deve-se priorizar o acesso dos mais pobres”, justificou o ministro. “Caso contrário, estará o Poder Judiciário a propagar privilégios, drenando recursos públicos escassos em favor de indivíduos que poderiam arcar com os custos de matrícula em creches ou pré-escolas independentemente de apoio estatal”, complementou.
Durante a discussão, os ministros Cármen Lúcia, Edson Fachin e Ricardo Lewandowski entenderam que as condicionantes trazidas pelo relator geram um direito parcial, em desconformidade com o texto constitucional. Fachin reforçou que a tese poderia ter a “singela afirmação que é direito público subjetivo e dever do estado o atendimento em creche e pré-escola às 0 a 5 anos”.
Já Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso se mostraram mais preocupados com a situação fiscal que a decisão da obrigatoriedade das creches pode causar. Moraes trouxe alguns dados da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) para comprovar que os municípios não conseguirão cumprir as metas das creches para as crianças de 0 a 5 anos, por exemplo, um terço das prefeituras não arrecada o suficiente para manter estruturas públicas como a Câmara Municipal e a Prefeitura.
Barroso recordou-se que existe um Plano Nacional de Educação com meta de inserir, até 2024, 50% das crianças de até 3 anos na pré-escola e creche. Além disso, ponderou que é preciso saber a viabilidade da decisão do Supremo. “A execução imediata seria formidável, mas temos preocupações e compromissos sobre a viabilidade”. Porém, Barroso reforçou que o dever constitucional existe há 34 anos e as metas ainda não foram cumpridas.
“Vale dizer: nem sempre podem ser realizados imediata e integralmente. Mas neste caso, o tempo razoável se esgotou. E ele tem que ser exigível. Vamos criar um problema, sobretudo para os municípios? Possivelmente. Vamos torcer para as demandas individuais não se darem em velocidade maior do que a capacidade dos municípios de cumprirem o PNE. [Plano Nacional de Educação].”
Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes comentou que há mais verbas para colégios militares do que para creches no país e que a alocação de recursos tem de levar em conta as prioridades, sobretudo as de ordem constitucional.
O ministro André Mendonça votou divergente em relação ao caso concreto, e optou por devolver os autos para análise do tribunal de origem. No entanto, no fim, acompanhou a tese.
No recurso extraordinário em questão, o município de Criciúma (SC) contestou decisão colegiada do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) que manteve a obrigação de ser assegurada reserva de vaga em creche para uma criança. O município argumentava que não cabia ao Judiciário “intrometer-se em questões orçamentárias da municipalidade”. Mas o acórdão do TJSC deixou claro que “direitos dessa magnitude não podem se sujeitar à discricionariedade dos agentes políticos, nem sequer a razões de disponibilidade dos governantes”.