Luiz Orlando Carneiro

Márcio Falcão

O julgamento que discute se há omissão do Congresso em legislar sobre a criminalização da homofobia pode levar o Supremo Tribunal Federal a rediscutir se cabe à Corte fixar prazo para que o Parlamento aprove uma lei.
O tema envolve o parágrafo 2º do artigo 103 da Constituição e já provocou divergências no Supremo em outros casos, como na análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 25, quando a Corte fixou em 2016 prazo de 12 meses para que o Congresso Nacional editasse lei complementar regulamentando os repasses de recursos da União para os estados e o Distrito Federal em decorrência da desoneração das exportações do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Até hoje, o Congresso ainda não aprovou norma sobre o tema.
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O artigo 103 estabelece que: “Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo para fazê-lo em trinta dias”). O caso da criminalização da homofobia, porém, não envolve questão administrativa.
No julgamento sobre a Lei Kandir (Lei Complementar 97/1996), o ministro Marco Aurélio afirmou que, em se tratando de mora de um dos poderes da República, a Constituição (artigo 103) não autoriza STF a fixar prazos para que se corrija a inércia de um Poder da República.
“O § 2º do artigo 103 do Diploma Maior apenas prevê a imposição de prazo quando a mora é de autoridade administrativa. Aí, sim, o Judiciário pode, não se substituindo à própria autoridade administrativa, impor o prazo de 30 dias para que seja adotada a providência. Sua Excelência fixa prazo para que o Congresso Nacional legisle, e essa fixação, de início, é perigosa, porque ele acaba não legislando e a decisão se torna, portanto, inócua”, afirmou o ministro.
Cármen Lúcia entendeu que a fixação de prazo para que o Congresso suprisse a omissão seria “um passo adiante na natureza recomendatória” em se tratando de julgamento de ADO. Ricardo Lewandowski acompanhou o relator no caso específico da Lei Kandir porque, embora não fosse possível “impor sanções aos demais poderes” em face de inconstitucionalidade por omissão, a jurisprudência permitiria transferir o ônus de estabelecer regras de transição para órgão técnicos (naquele caso, o TCU).
O ministro Teori Zavascki (sucedido por Alexandre de Moraes), embora reconhecendo a mora do Legislativo, entendeu que não era possível delegar ao TCU a fixação de normas caso a lei não fosse aprovada no prazo estabelecido. O ministro Luís Roberto Barroso defendeu, porém, que se a “mora decorrer claramente da violação a direito subjetivo, aí eu acho que o Tribunal pode ir além. Como nesse caso não é uma questão orgânica, mas é uma questão que envolve vulneração a direito, eu acho que se legitima [a fixação de prazo]”.
Relator do caso, o ministro Gilmar Mendes mostrou preocupação com o fato de ter uma decisão sem efeito vinculativo. “Um tribunal apenas terá efetivo poder caso possa, além de conceder a tutela requerida pelo jurisdicionado, garantir também que suas decisões sejam executadas. Com uma Corte Constitucional isso não é diferente. Seus acórdãos não devem servir apenas para declarar ou solucionar determinada situação jurídica, mas para serem efetivamente cumpridos. Na realidade constitucional brasileira, atormenta-nos o risco de julgados do Supremo Tribunal Federal estarem se transformando em meros discursos lítero-poéticos. Isso porque, a despeito da força normativa de que dispõem, o efetivo cumprimento de importantes acórdãos tem se mostrado sonho cada vez mais distante”.
Gilmar citou que na Alemanha a Lei Fundamental prevê, no artigo 94, II, que legislação regulará a organização e o processo do Tribunal Constitucional Federal, determinando os casos em que as suas decisões terão força de lei (Gesetzeskraft) e ressaltou que o efeito vinculante (Bindungswirkung) das decisões da Corte Constitucional acabaram por ser regulados no § 31 da Lei do Bundesverfassungsgericht .
“O Bundesverfassungsgericht pode estabelecer, em suas decisões, quem deve executá-las; também pode, no caso específico, definir o modo como será a execução. A corte é dotada de liberdade para definir o meio mais apropriado, eficaz, rápido e fácil de execução de suas decisões”, afirmou. “O Tribunal Constitucional Federal alemão pode, então, determinar a forma como outro órgão deve executar sua decisão, ou prescrever comando genérico, para que seja executada da forma que o destinatário melhor entender, respeitando os limites do julgado”. Apesar da resistência, o plenário seguiu o voto de Gilmar nesse ponto.
<h3>Homofobia</h3>
A inércia do Parlamento na criminalização da homofobia e transfobia é discutida na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, do PPS, que está em julgamento conjunto com o Mandado de Injunção (MI) 4733, da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), que busca que o Supremo reconheça a inércia do Parlamento em criminalizar a homofobia.
O plenário retoma o caso na quarta. Relator da ADO, o ministro Celso de Mello deve concluir seu voto que já apontou a inércia do Parlamento para garantir proteção da comunidade LGBT contra crimes em razão da orientação sexual ou identificação de gênero da vítima.
A expectativa é de que o decano vote para reconhecer a omissão, mas não pela criminalização. Isso porque o ministro já afirmou que não cabe ao Supremo criar nova tipificação penal, sendo que esta é competência do Congresso. Após Celso, o ministro Edson Fachin, outro relator, deve apresentar seu voto.
Nos bastidores, ministros avaliam que, se prosseguir com o julgamento, o plenário pode ficar na parte da omissão, mas sem fixar o prazo. Um integrante da Corte ouvido reservadamente, no entanto, avalia que sem a fixação de um período para reverter a mora legislativa, o julgamento não teria efeito prático. 
Em meio ao início do julgamento, o ministro Marco Aurélio já indicou que votará contra o reconhecimento da omissão e também a criminalização.
É esperado pedido de vista no caso, o que evitaria desgastes com o novo Congresso e o Planalto diante das movimentações de aliados do presidente Jair Bolsonaro de articular uma pauta que pressione o Judiciário.

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JOTA

Em julgamentos anteriores, Corte já estabeleceu prazo para sanar inércia do Parlamento, mas há divergências no tribunal

STF pode fixar prazo para Congresso criminalizar homofobia?

Em julgamentos anteriores, Corte já estabeleceu prazo para sanar inércia do Parlamento, mas há divergências no tribunal