Flávia Maia

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/STF">STF</a>) decidiram nesta quinta-feira (23/2) que o Acordo de Assistência Judiciário-Penal entre o Brasil e os Estados Unidos (Mutual Legal Assistance Treaty – “MLAT”) é constitucional, no entanto, deve ser um instrumento complementar para a Justiça brasileira obter informações sobre comunicações privadas geradas em plataformas digitais em caso de investigação criminal. Assim as autoridades brasileiras podem se valer de outros meios para obtenção de provas como a intimação direta das empresas no Brasil ou carta rogatória. <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/gilmar-mlat-e-constitucional-mas-acordo-nao-e-a-unica-forma-de-obtencao-de-prova-29092022">Prevaleceu o voto do relator, Gilmar Mendes</a>.
O resultado do julgamento tem impactos diretos em investigações conduzidas pelo próprio Supremo, como os inquéritos que apuram os atos antidemocráticos de 8 de janeiro, o inquérito das fake news e o das milícias digitais. Agora a Corte deixou claro que os juízes brasileiros podem solicitar dados necessários para a investigação diretamente às plataformas, seja para a filial brasileira ou mesmo no exterior, sem a necessidade de envolver os ministérios da Justiça do Brasil e dos Estados Unidos, o que aumenta a discricionariedade dos magistrados nos processos e pode trazer mais eficiência às investigações.
O julgamento foi reiniciado após um pedido de vista do ministro <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/alexandre-de-moraes">Alexandre de Moraes</a> em outubro do ano passado. Moraes começou o seu voto dizendo que o pedido de declaração de constitucionalidade do MLAT não poderia ser usado como uma forma de impedir outros métodos de obtenção de prova pela Justiça brasileira. Para o ministro, o julgamento deveria ser pautado pela manutenção da eficiência da Justiça brasileira.
Durante o seu voto, Moraes ressaltou a pouca efetividade do MLAT: apenas 22% dos pedidos feitos pelo Brasil foram atendidos pelos Estados Unidos e mesmo aqueles que foram atendidos demoraram meses, o que inviabilizou a prova, uma vez que muitas informações são apagadas em 90 dias pelas plataformas.
O ministro também ressaltou que o Brasil tem entendimentos diferentes dos Estados Unidos em relação a temas como liberdade de expressão – o país se aproxima mais da Europa – o que gera muitas controvérsias e vem dificultando a operacionalidade do acordo. Inclusive, segundo Moraes, o Brasil tentou um anexo ao MLAT que não foi aceito pelos Estados Unidos. Moraes citou ainda que países como Espanha, Canadá, França e Reino Unido fazem requisição direta às plataformas e, portanto, não seria uma “jabuticaba” brasileira. “Todos os países começaram a perceber a necessidade de acabar com essa terra sem lei, no Brasil não vai ser diferente”, afirmou.
Moraes lembrou ainda que as comunicações geradas em plataformas são produzidas utilizando o sistema de telecomunicações brasileira, por isso, é possível fazer a requisição do conteúdo para as plataformas, que tem – e devem ter, em sua visão – representação no Brasil. <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/alexandre-de-moraes-determina-o-bloqueio-do-telegram-no-brasil-18032022">O ministro citou como exemplo de sucesso a decisão que derrubou o Telegram no Brasil</a>, como a empresa não tinha representantes no Brasil, ela foi bloqueada para o cumprimento de decisão judicial. Depois dessa medida, a empresa passou a ter um responsável no país.
“Com o argumento de que as empresas de tecnologia não produzem conteúdo, mas reproduzem conteúdo alheio, elas não querem se responsabilizar. Não dá para essas empresas serem inimputáveis civil e criminalmente. Se uma pessoa física reproduz injúria, é responsabilizado”, disse Moraes. Durante as discussões, a ministra <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/carmen-lucia">Cármen Lúcia</a> afirmou que não pode haver um “faroeste digital”.
O ministro disse que a responsabilização das empresas de tecnologia no Tribunal Superior Eleitoral (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tse">TSE</a>) foi importante para manter a assertividade da Justiça eleitoral. “Se fôssemos seguir o procedimento de cartas rogatórias, estaríamos esperando até hoje”. Ele citou como exemplo a resolução que há poucos dias antes das eleições estabeleceu que as plataformas deveriam retirar conteúdos apontados pelo TSE no prazo de 48h sob pena de multa de até R$ 100 mil. Moraes afirmou que as plataformas conseguiram cumprir os prazos conforme a determinação da Corte eleitoral.
Durante o voto, o ministro comparou a circulação de informações falsas na nuvem com a produção de cocaína - a produção não é não no Brasil, mas o consumo é no Brasil. “O Brasil não produz cocaína. A cocaína vem de fora. A utilização e a venda no Brasil é crime. A diferença é que os dados vêm de fora, mas são utilizados no Brasil. A circulação é no Brasil, só que não é algo palpável, é etéreo, mas o raciocínio é o mesmo”, diz Moraes.
Na sequência,o ministro <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/luiz-fux">Luiz  Fux</a> complementou: “O Código Penal é claríssimo: considera-se praticado crime no lugar em que ocorreu a ação e a omissão, todo e em parte, bem como onde produziu ou deveria produzir resultado". E <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/dias-toffoli">Dias Toffoli</a> emendou: “Não deixa de ser uma droga que traz alterações mentais nas pessoas”.
Moraes concluiu: “Eu diria que não só no futuro, mas em breve nós vamos perceber que talvez seja uma das mais perigosas drogas porque traz alterações na coletividade, basta ver o que vimos no dia 8 de janeiro. As pessoas possuídas por desinformações, por mentiras sórdidas, crimes.. Como diz o ministro Toffoli é uma substância que entorpece a mente das pessoas”.
Durante os votos, os ministros também deixaram clara a necessidade de regulação do tema da responsabilidade das plataformas no Brasil. Em seu voto, o relator, ministro Gilmar Mendes ponderou que o STF deve informar sobre a decisão tomada aos Poderes Legislativo e Executivo, para que adotem as “providências necessárias ao aperfeiçoamento do quadro legislativo, com a discussão e a aprovação do projeto da Lei Geral de Proteção de Dados para Fins Penais (LGPD Penal) e de novos acordos bilaterais ou multilaterais para a obtenção de dados e comunicações eletrônicas, como, por exemplo, a celebração do Acordo Executivo definido a partir do Cloud Act”.
Além de Moraes, acompanharam <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/gilmar-mendes">Gilmar Mendes</a> os ministros <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/edson-fachin">Edson Fachin</a>, <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/carmen-lucia">Cármen Lúcia</a>, <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/rosa-weber">Rosa Weber</a>, Dias Toffoli, Luiz Fux e <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ricardo-lewandowski">Ricardo Lewandowski</a>. <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/nunes-marques">Nunes Marques</a> e <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/andre-mendonca">André Mendonça</a> votaram pelo não conhecimento da ação, pois eles entendem que a associação autora não tem legitimidade para ingressar com uma ação de controle concentrado; defendem ainda a falta de controvérsia jurídica relevante que justifique a análise da matéria pelo Supremo. Como foram vencidos em relação ao conhecimento, os dois ministros acompanharam o relator no mérito. O ministro <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/luis-roberto-barroso">Luís Roberto Barroso</a> se declarou suspeito.
<h3>Entenda o a ação sobre o MLAT</h3>
A ADC 51 foi ajuizada pela Federação das Associações das Empresas de Tecnologia da Informação (Assespro Nacional), que pede ao Supremo que confirme a constitucionalidade do Decreto Executivo Federal 3.810/2001, que promulgou o Acordo de Assistência Judiciário-Penal entre o Brasil e os Estados Unidos (Mutual Legal Assistance Treaty – “MLAT”) e, assim, que ele seja o caminho utilizado pelas autoridades brasileiras para se conseguir informações sobre comunicações privadas de usuários.
De um lado, o Ministério Público defende que restringir o acesso dos dados de usuários hospedados no exterior via acordo bilateral pode impactar na velocidade das investigações e na própria soberania nacional, ao ter que submeter a outro país a decisão de repassar ou não informações importantes para as investigações brasileiras. Por outro lado, as empresas de tecnologia defendem que há risco à segurança dos dados dos clientes e pode haver descumprimentos da legislação do país sede da empresa, principalmente os Estados Unidos.
O pedido da Assespro veio após distintas decisões que tribunais e magistrados brasileiros têm dado para obter acesso a provas importantes para investigações criminais, muitas delas buscando caminhos alternativos ao MLAT, ou seja, intimando diretamente as empresas no Brasil, ou por carta rogatória, sem recorrer ao acordo. De acordo com o MLAT, as requisições de dados devem ser feitas entre o Ministério da Justiça do Brasil e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

Supremo

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JOTA

MLAT deve ser um instrumento complementar para a Justiça obter informações sobre comunicações em plataformas digitais

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