O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (28/2), por 7 votos a 4, que é inconstitucional o dispositivo que criou a “sobra das sobras” na divisão das cadeiras remanescentes em casas legislativas. No entanto, os ministros jogaram os efeitos da decisão para frente, mantendo a composição atual da Câmara dos Deputados. A mudança já é válida para as eleições municipais de 2024, informou em nota o presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso.
Assim, continuam nos cargos os sete parlamentares eleitos com a ajuda da regra, agora inválida. São eles: Sonize Barbosa (PL-AP), Professora Goreth (PDT-AP), Augusto Puppio (MDB-AP), Silvia Waiãpi (PL-AP), Lebrão (União Brasil-RO), Lázaro Botelho (PP-TO) e Gilvan Máximo (Republicanos-DF). O levantamento foi realizado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Segundo informações do TSE, trazidas pelo ministro Alexandre de Moraes, não houve impacto nas casas legislativas municipais e estaduais.
Prevaleceu o voto do relator, ministro aposentado Ricardo Lewandowski, no sentido de que todas as legendas e candidatos podem participar da distribuição das cadeiras remanescentes, independentemente de terem alcançado a exigência dos 80% e 20% do quociente eleitoral. Lewandowski também votou para que os efeitos da decisão valessem a partir de 2024.
“A maioria do STF decidiu acompanhar o voto do ministro Lewandowski, dizendo que é inconstitucional a regra aprovada no Congresso sobre as sobras eleitorais e que esse entendimento se aplica a partir de 2024. Pela decisão de hoje, não há nenhuma alteração na composição de 2022”, afirmou Barroso em nota.
Votaram nessa corrente o relator, ministro aposentado Ricardo Lewandowski, e os ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Nunes Marques, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Dias Toffoli. Votaram pela constitucionalidade da norma os ministros Edson Fachin, André Mendonça, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso.
Efeitos da decisão
A discussão sobre o momento em que a inconstitucionalidade da norma deveria começar a valer foi o principal ponto de debate entre os ministros. Uma parte entendeu que se valesse desde as eleições de 2022, criaria-se uma insegurança jurídica por conta das mudanças da Câmara dos Deputados – segundo dados do TSE, a regra não afetou as casas legislativas estaduais e municipais. Essa corrente foi defendida, sobretudo, pelo ministro Luís Roberto Barroso. Para ele, quando os parlamentares foram eleitos a regra era constitucional. “Muda a regra do jogo quando já se sabe quem será beneficiado”, justificou Barroso.
Essa corrente também alegou ofensa ao artigo 16, que prevê a anualidade eleitoral. O artigo 16 diz que “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.
Já outra corrente, encabeçada pelos ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Gilmar Mendes, argumentou que não faz sentido manter parlamentares eleitos em uma regra que o próprio Supremo julgou inconstitucional. “O STF acabou de dizer que eles não foram eleitos”, falou Dino. Ele lembrou que, durante a sua atuação parlamentar, viu casos em que os parlamentares foram afastados por decisões judiciais e outros assumiram, de modo que a atividade legislativa não foi afetada. “Vimos parlamentares ‘abduzidos’ por decisões judiciais e isso abalou a segurança jurídica do país em algum momento? Não”, concluiu Dino.
O ministro Alexandre de Moraes, que é o atual presidente do TSE, argumentou na mesma linha. “STF diz que houve desrespeito [à Constituição] e vamos manter sete deputados federais que não foram eleitos?”, questionou Alexandre de Moraes, que é o atual presidente do TSE.
A advogada do PSB, partido autor de uma das ações, Gabriela Rollemberg, informou que a agremiação deve opor embargos de declaração. A advogada defende que, ao jogar os efeitos da decisão para frente, os ministros fizeram uma modulação e, para a modulação faz-se necessário o quórum de 8 ministros.
“Nós conseguimos a maioria pela inconstitucionalidade e a discussão ficou então em relação à necessidade ou não de quórum qualificado e para que fosse aplicado ou não a modulação dos efeitos. Na verdade alguns ministros aplicaram um artigo 16 [da Constituição] pelo princípio da anualidade e alguns ministros entenderam pela aplicação do artigo 27 [da Constituição] que fala de modulação de efeitos. Aplicado o artigo 27 a gente tem que ir para uma discussão de maioria qualificada de dois terços para que aí sim. Tivesse uma modulação para não aplicar para as últimas eleições”, afirmou.
“Não faz sentido que a gente não tenha justamente o reconhecimento dessa aplicação para trás considerando esse grande montante de votos que acabaram sendo descartados porque não faz o menor sentido dentro do nosso sistema proporcional”, complementou.
Entenda
Os partidos questionam dispositivos do artigo 109 do Código Eleitoral (Lei 4.737/1965), alterado pela Lei 14.211/2021, e a Resolução 23.677/2021, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Segundo eles, a mudança exige que o partido, para ter direito a participar da distribuição das sobras das cadeiras destinadas ao cargo de deputado federal, alcance pelo menos 80% do quociente eleitoral, com um candidato que tenha, no mínimo, 20% da votação nominal. Não sendo cumpridas as duas exigências cumulativamente, as cadeiras restantes serão distribuídas aos partidos que apresentarem as maiores médias, sem nenhuma restrição.
Os partidos alegam erro nessa forma de cálculo adotada pela Justiça Eleitoral e sustentam que isso pode levar a distorções do sistema proporcional, como, por exemplo, um partido ficar com todas as vagas da Câmara, caso seja o único a alcançar o quociente eleitoral. Ao apresentarem números totais sobre a votação para deputado federal nas eleições deste ano, apontam que apenas 28 dos 513 deputados se elegeram com seus próprios votos ou atingiram o quociente eleitoral. Os 485 restantes se beneficiaram dos votos dos puxadores de seus partidos ou de suas federações.