Importantes temas para o direito eleitoral estão em discussão na primeira semana de sessões no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Entre os assuntos relevantes da pauta está a validade das federações e o momento de início da contagem da inelegibilidade eleitoral, de acordo com a Lei da Ficha Limpa. Os ministros também deverão sinalizar se as decisões valerão para as eleições de 2022. Os julgamentos estão previstos para os dias 2 e 3 de fevereiro.
A decisão dos ministros na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.021 sobre as federações tem forte impacto para as eleições de 2022, afinal, ela pode introduzir – ou não – uma nova modalidade de associação partidária. Além disso, a federação poderá mexer com estruturas existentes como, por exemplo, a cláusula de desempenho – unidos em federação, pequenos partidos não serão mais afetados pelos limites legais e, assim, manterão o fundo partidário e acesso de propaganda por rádio e televisão.
A federação foi inserida pela Lei 14.208/2021 que alterou a Lei dos Partidos Políticos (Lei 9096/1995) no fim de setembro. De acordo com a mudança legislativa, as legendas podem se unir em federação para apresentação de candidatos a cargos majoritários, como presidente, prefeito, governador ou senador, ou proporcionais, como deputado estadual e federal ou vereador.
Fontes consultadas pelo JOTA indicam que o STF não deve se opor às federações e portanto, deve referendar a liminar do relator, Luís Roberto Barroso. Entretanto, a decisão não se limitará à existência ou não da associação partidária. Haverá uma discussão sobre a data do registro e o tempo hábil para as eleições de 2022.
Por enquanto, as federações estão válidas por causa da liminar do relator. Entretanto, Barroso suspendeu o trecho que permitia às federações se constituírem até a data final do período de convenções partidárias, cerca de dois meses antes das eleições.
Para o ministro, para participar das eleições, as federações precisam estar constituídas como pessoa jurídica e obter o registro de seu estatuto perante o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no mesmo prazo aplicável aos partidos políticos, ou seja, seis meses antes das eleições, até abril. O TSE, inclusive, já regulamentou as federações com o prazo indicado no voto de Barroso, no fim do ano passado, mas, até o momento, nenhuma federação foi registrada.
No último dia 27 de janeiro, o Partido dos Trabalhadores (PT) ingressou com um pedido para que o STF permita o registro das federações até o dia 5 de agosto, ou seja, de acordo com o conteúdo original da lei, sem a alteração feita por Barroso. Caso o STF negue o pedido, o partido pede uma segunda data: 31 de maio. PT, PSB, PC do B e PV pediram ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mais prazo para consolidar as negociações políticas. O prazo de abril ficaria apertado e poderia inviabilizar as articulações para a formação de uma federação.
Para Silvana Batini, professora da FGV-Rio, definir o prazo de validade das federações antes das convenções é essencial. “O grande problema [das federações] é se esse prazo não for fixado com antecedência. Alguns partidos estão querendo que esse prazo seja até o final das convenções. Mas veja bem, não dá certo. A federação tem que ser nacional e as convenções são estaduais. Então, como a convenção estadual vai deliberar algo no estado e no plano nacional vai fazer federação? Tem que definir a federação com antecedência para poder garantir a viabilidade das convenções estaduais”, explica.
Interrupção do julgamento
O julgamento da ADI 7.021 começou em ambiente virtual e o ministro Gilmar Mendes pediu destaque do caso, levando-o para apreciação em plenário físico. A ação foi ajuizada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). De acordo com o partido, a federação é uma tentativa de reintroduzir as coligações proporcionais nas eleições brasileiras, o que é vedado desde 2017.
Para o partido, a lei que criou as federações infringe o processo legislativo bicameral, uma vez que o projeto de lei que deu origem às federações não foi apreciado novamente no Senado, casa iniciadora, sob a vigência da Emenda Constitucional 97/2017, ou seja, à luz da norma constitucional que veda as coligações nas eleições proporcionais. Além disso, o partido sustenta que as federações não poderiam ser instituídas por lei ordinária. Para o PTB, a lei também viola o sistema partidário e eleitoral proporcional, os princípios federativos democráticos e a autonomia partidária.
A advogada responsável pela ação, Ezikelly Barros, defende que o STF deve vedar as federações porque elas dissimulam a volta das coligações e porque a validade delas trará uma série de outras consequências que precisam ser analisadas. Em sua opinião, as federações enfraquecem a cláusula de desempenho e funcionam como um mecanismo para a continuação de um sistema partidário com excessivo número de partidos políticos.
“A criação da federação por lei ordinária foi uma engenhosa manobra legislativa com o nítido propósito de burlar as reformas introduzidas pela emenda constitucional 97/2017, que visava reduzir o número de partidos com acesso ao direito de antena (horário gratuito no rádio e na tv) e recursos do fundo partidário, bem como melhorar a governabilidade no nosso presidencialismo de coalizão”, defende a advogada.
Para Ezikelly, as federações são uma tentativa de dar sobrevida aos partidos nanicos que, apesar do baixo desempenho eleitoral, se recusam a fazer uso das duas únicas opções constitucionais de união de partidos para além do período da eleição: fusão ou incorporação. A advogada lembra ainda que, caso o Supremo vede as federações, o prazo para fusão ou incorporação para as eleições de 2022 fica praticamente inviável.
Ficha-limpa
Outro julgamento importante para as eleições e que pode ser iniciado nesta primeira semana de sessão plenária no STF é o que discute a partir de qual momento começa a correr o prazo de inelegibilidade pela Lei da Ficha Limpa para candidatos condenados em duas instâncias.
A discussão ocorre na ADI 6.630 e o debate é sobre a expressão “após o cumprimento da pena” constante da parte final da redação da alínea ‘e’, inciso I, artigo 1º, da Lei Complementar (LC) 64/1990, com a redação dada pela Lei da Ficha Limpa.
Por enquanto, está valendo a liminar do ministro Nunes Marques. Para o ministro, os oito anos de inelegibilidade começam a ser contados após a condenação em segunda instância, o que, na prática, diminui o prazo para que um candidato não possa participar de uma eleição devido a uma condenação. No texto da lei, com o uso da expressão “posteriores ao cumprimento da pena”, a inelegibilidade tem início na condenação e acaba oito anos depois do cumprimento da pena, isto é, um prazo maior.
Na visão de Marques, da forma como o dispositivo está escrito na Lei da Ficha Limpa há uma espécie de inelegibilidade indeterminada, o que contraria o princípio da proporcionalidade e compromete o devido processo legal.
Porém, em dezembro de 2020, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, determinou o sobrestamento de todos os pedidos sobre Ficha Limpa baseados na liminar até uma decisão do colegiado do STF. No TSE, estão sobrestados processos envolvendo os prefeitos de Bom Jesus da Lapa (GO), Angélica (MS), Pesqueira (PE), Pinhalzinho (SP) e um vereador em Belo Horizonte (MG).
O trecho questionado torna inelegível quem for condenado, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena. Vale lembrar que o Supremo julgou a Lei da Ficha Limpa constitucional, mas foi em bloco, e não à amiúde. Por isso, o tema voltou à discussão na Corte.
A partir do dispositivo da Ficha Limpa, a Justiça Eleitoral interpreta a norma com os seguintes marcos temporais: da condenação colegiada ao trânsito em julgado, ou seja, o candidato fica inelegível pelo tempo que recorrer. Depois, soma-se o cumprimento da pena, em que o candidato fica com os direitos políticos suspensos, isto é, não pode votar nem ser votado. Por fim, após o cumprimento da pena, o candidato fica 8 anos inelegível.
O Partido Democrático Trabalhista (PDT) questiona essa contagem por entender que, por esse entendimento, a inelegibilidade fica muito maior do que os oito anos previstos em lei. Para o partido, devem ser descontados da inelegibilidade o prazo que o candidato recorre após a decisão colegiada e o cumprimento da pena. Por exemplo, se o candidato recorre por 10 anos e é condenado a 5 anos, ele fica inelegível por 23 anos, quando se somam os 8 da lei eleitoral.
Até o momento, dois ministros já votaram na ação: o relator, ministro Nunes Marques, e o ministro Luís Roberto Barroso e os dois trouxeram diferentes soluções para o caso.
No voto, Nunes Marques modula a decisão para que ela seja aplicável apenas aos pedidos de registro de candidatura posteriores à liminar concedida em dezembro e aos processos de registro de candidatura das eleições de 2020 ainda pendentes de apreciação, na data do deferimento da liminar, em qualquer grau de jurisdição, inclusive no âmbito do TSE e do STF.
Já o ministro Luís Roberto Barroso também entende que a inelegibilidade não pode ser tão longa. Porém, ele tem uma interpretação mais restritiva do que o relator. Para ele, o prazo que o candidato recorre após a decisão colegiada pode ser descontada, mas o prazo de cumprimento da pena, não. Além disso, Barroso propõe que a decisão tenha efeitos para depois das eleições de 2020. Se ele mantiver esse entendimento, a decisão já vale para as eleições de 2022.
Para a advogada Ezikelly Barros, responsável pela ADI 6.630, “até na ditadura teve-se a cautela — quando da edição do famigerado AI-5 — de estabelecer uma inelegibilidade com prazo certo e determinado, isto é, de ‘apenas’ 10 anos”, afirma. “Logo, não é possível admitir que em um estado democrático de direito, sob a égide da Constituição Cidadã de 1988, tenhamos uma lei que possa estabelecer inelegibilidade que, na aplicação do caso concreto, tem o condão de ultrapassar o prazo de 30 anos”, complementa.
Na análise de Silvana Batini, professora da FGV-Rio, as eleições de 2022 deverão ser muito judicializadas, portanto, é importante que o Supremo decida sobre temas já pendentes antes de novas demandas surgirem. “Não é possível que em uma eleição como essa o STF vai deixar pontas soltas, com tanta coisa grave que a Justiça eleitoral vai ter que enfrentar”, afirma. “O julgamento da federação com certeza precisa ser definido e o da inelegibilidade também porque se eles não definirem logo vai chover processo, vai dar muito mais confusão”.
Para o professor do IDP Daniel Falcão, o STF fica em um “morde e assopra” com os partidos políticos, ora fortalecendo-os ora enfraquecendo-os. “O STF parece biruta de aeroporto, vai para cada vez para um lado quando se trata de sistema partidário e não tem qualquer tipo de coerência”.
Falcão cita, por exemplo, a inconstitucionalidade da cláusula de barreira instituída em 2006, em que houve votação unânime pela inconstitucionalidade da cláusula de barreira como estava na lei dos partidos. “Se a cláusula de barreira tivesse sido efetivada em 2006, ela reduziria drasticamente e rapidamente o número de partidos no Brasil”, afirma. Falcão cita ainda a questão em que o STF manteve a verticalização e depois uma emenda constitucional derrubou o mecanismo.
“Agora com a Emenda Constitucional 97, o Congresso acabou com as coligações proporcionais e trouxe a cláusula de barreira gradativa. A tendência, com isso, seria a morte dos partidos pequenos. Um exemplo é a Rede que não ultrapassou a cláusula de barreira e vive a pão e água. Mas agora tem a federação, que foi criada por lei ordinária e veio tentar salvar os partidos pequenos e novamente caberá ao STF a decisão”, conclui.