Ana Pompeu

Hyndara Freitas

Luiz Orlando Carneiro

O Supremo Tribunal Federal tem quatro votos a favor da prisão em 2ª instância, e três contra. Na sessão desta quinta-feira (24/10), a ministra Rosa Weber e o ministro Ricardo Lewandowski votaram no sentido de que a Constituição só permite o cumprimento da pena após o trânsito em julgado. Já o ministro Luiz Fux adotou a corrente contrária.
Na última quarta-feira (24/10), quando os primeiros votos foram tomados, o relator <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-marco-aurelio-da-primeiro-voto-contra-a-prisao-apos-condenacao-em-2a-instancia-23102019" target="_blank" rel="noopener">Marco Aurélio votou contra a possibilidade da prisão após condenação em 2ª instância</a>, enquanto os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso votaram <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/supremo-tem-3-votos-a-1-a-favor-da-execucao-de-pena-em-2a-instancia-23102019" target="_blank" rel="noopener">a favor</a>.
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Como na próxima semana não há sessões previstas, conforme calendário anunciado no primeiro semestre, o STF só deve retomar o tema no dia 6 ou 7 de novembro – Toffoli deve divulgar a data de retomada na segunda-feira (28/10).
Ao fim do julgamento, Toffoli afirmou que seu voto ainda não está pronto. O ministro disse que o voto "de bancada" tem um peso diferente de seu voto como presidente da Corte. O presidente pode desempatar o julgamento – caso os ministros mantenham suas posições anteriores, a Corte terá 5 votos em cada corrente, e caberá a Toffoli dar a palavra final.
"Eu estou ainda pensando no meu voto.Como o ministro Marco Aurélio sempre costuma dizer, estou aberto, a ouvir todos os debates e como sabem, o voto nosso, na presidência, não é o mesmo voto -- pelo menos eu penso assim, em razão da responsabilidade da cadeira presidencial -- não é um voto de bancada. É um voto que também tem o cargo da representação do tribunal como um todo", falou, mas disse que prefere não dar "nenhuma prospecção".
Da última vez que se manifestou sobre o tema, Toffoli disse que "em sua interpretação literal, a presunção de inocência exige que o réu seja tratado como inocente não apenas até o exaurimento dos recursos ordinários, mas sim até o trânsito em julgado da condenação, o que é bem diverso". Mas entendeu que é "viável que a execução provisória da condenação se inicie com o julgamento do recurso especial ou do agravo em recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça.”
O voto de Rosa, que acompanhou o relator, era tido como um dos definidores do julgamento. Ela, no entanto, rebateu os comentários do tipo, e também justificou a manifestação que proferiu no habeas corpus preventivo do ex-presidente Lula.
 “Mais cuidado deve se ter em relação às maiorias ocasionais. Longe de representar qualquer mudança de posição, reafirmo, estou sendo coerente tanto com a minha compreensão com o tema de fundo quanto com a minha posição em relação ao papel institucional”, disse. Rosa foi considerada ambígua no caso Lula em abril do ano passado. Na ocasião, a ministra ressalvou sua posição pessoal em nome da segurança jurídica. 
Já o ministro Luiz Fux disse não ver razão para a mudança de jurisprudência do Supremo "à míngua da existência de razões suficientemente robustas" e "sem a presença de motivação sólida, consubstanciada em argumentos novos".
O STF analisa as Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43, 44 e 54, do Patriota (antigo Partido Nacional Ecológico – PEN), do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do PCdoB, respectivamente. O pedido nas ADCs é para que o Supremo reconheça a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP) e revogue o pronunciamento do Plenário de fevereiro de 2016, que entendeu ser possível a execução provisória da pena.
O artigo 283 do CPP prevê: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.
<h3>Rosa Weber</h3>
Num extenso voto, especialmente para os padrões da ministra, Rosa Weber falou por cerca de 1h30. Ao longo do tempo que usou, fez uma retrospectiva de votos anteriores que deu nos diferentes tipos de ações que tratavam sobre o tema. Dessa forma, enfatizou, respondendo a críticas, que sempre foi coerente e fiel ao próprio entendimento.
“Respeitando o princípio da segurança jurídica, ressalvei que o tema de fundo haveria de ser revisitado em ações de controle de constitucionalidade. Não se diga portanto que alterei o meu entendimento. Minha leitura sempre foi e continua a ser exatamente a mesma”, disse. 
A ministra afirmou ter proferido 18 acórdãos na 1ª turma negando pedidos de liberdade para casos de prisão em 2° grau, e 66 decisões monocráticas aplicando a jurisprudência prevalecente, sem jamais ter deixado de salientar, segundo apontou, que a jurisdição subjetiva é o lugar apropriado para a discussão, ou seja, em ações de controle concentrado, sem um caso específico sobre o qual os ministros têm que se debruçar. 
“Goste eu pessoalmente ou não, esta é a escolha político-civilizatória manifestada pelo poder constituinte, e não reconhecê-la importa, com a devida vênia, reescrever a Constituição para que ela espelhe o que gostaríamos que dissesse. O STF é o guardião do texto constitucional, não o seu autor”, falou Rosa. 
Rosa Weber também refutou o argumento da corrente contrária segundo o qual o princípio da presunção de inocência deve ser ponderado com outros. Luís Roberto Barroso, por exemplo, defendeu que as normas jurídicas se dividem em duas grandes categorias: regras e princípios, sendo as primeiras as que estabelecem condutas a serem observadas, como comandos definitivos; e os últimos, ao contrário das regras, apontam para estados ideais a serem alcançados, como justiça, dignidade humana, eficiência. 
“Princípios, portanto, devem ser aplicados, em muitas situações, em harmonia, em concordância prática ou em ponderação com outros princípios e mandamentos constitucionais. Ponderar significa atribuir pesos, fazer concessões recíprocas e, no limite, realizar escolhas sobre qual princípio vai prevalecer numa situação concreta”, disse Barroso.
Ao tratar do inciso LVII do artigo 5º da Constituição -- “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” --, ela afirmou que o dispositivo “enfeixa ele, um princípio sim, o da presunção de inocência, mas também enfeixa uma regra específica, o que não se pode ignorar. Trata-se, na minha visão, de amarra insuscetível de ser desconsiderada pelo intérprete diante da regra expressa pelo constituinte ao fixar objetivamente até o trânsito em julgado, como termo final da presunção de inocência", disse.
"Não é dado ao intérprete ler o preceito constitucional pela metade, como se tivesse apenas o princípio genérico da presunção da inocência, ignorando a regra que nele se contém – até o trânsito em julgado.”
<h3>Luiz Fux</h3>
Ao contrário de Rosa, o voto de Luiz Fux não apresentava qualquer dúvida. Ele sempre votou a favor da possibilidade de prisão em segunda instância e, na segunda parte da sessão desta quinta, manteve e enfatizou o entendimento. Fux abriu o voto citando casos de violência conhecidos no país, como o assassinato de Isabella Nardoni, em 2008, jogada pela janela pelo pai e a madrasta. Citou ainda o caso de Elisa Samúdio e Pimenta Neves.
"O que a Constituição quer dizer é: até o trânsito em julgado, o réu tem condições de provar sua inocência. À medida que o processo vai tramitando, essa presunção de inocência vai sendo mitigada. Há uma gradação. É uma coisa simples de verificar. Um homem é investigado, depois é denunciado, depois é condenado. Posteriormente, o tribunal de apelação confirma a condenação dele. Os tribunais superiores não admitem reexame de fatos e provas. Esse homem vai ingressar no Supremo Tribunal Federal inocente, com presunção de inocência?”, questionou o ministro.
Para Fux, a jurisprudência atual do STF, no sentido da constitucionalidade da execução da pena após condenação no 2º grau, deve ser mantida. "Por que nós vamos mudar agora a jurisprudência? Qual vai ser o benefício? O direito vive para o homem, e não o homem para o direito. Se tiver em jogo uma razão pública ou valor moral, temos que ouvir a sociedade", falou. 
"Em fevereiro de 2009 havia essa jurisprudência que só se iniciava a execução quando transitado em julgado e não cabia mais recurso. Em 2016, veio a Corte e mudou o entendimento sob o fundamento de que ocorrera um overruling, uma modificação prospectiva em razão de novo sentimento constitucional dos destinatários do direito. E quem são os destinatários do direito? A sociedade, claro”, falou. 
E continuou: "O STF não está legitimado, no meu modo de ver, a promover essa modificação da jurisprudência a míngua da existência de razões suficientemente robustas. sem a presença de motivação sólida, consubstanciada em argumentos novos, qualquer Corte estará violando o magno papel de órgão de sobreposição na estrutura do poder judiciário de manter a jurisprudência estável, integra e coerente a respeito da Constituição Federal". 
O ministro ainda ressaltou, em seu voto, que há "recursos e HCs" "para que se possa remediar o índice diminuto de erros do Judiciário" do 2º grau. "Daí a legitimidade de iniciar-se a execução após a condenação em 2ª instância, porque o STF vai analisar a constitucionalidade, e o STJ vai analisar questões infraconstitucionais. Depois de duas condenações, culpado, já é”, falou.
Para Fux, afirmar-se que só se pode iniciar a execução depois do trânsito em julgado seria incoerente com súmulas do STF que permitem a progressão de regime antes do trânsito em julgado. "Como é que se pode progredir se só se pode prender depois do trânsito em julgado? É preciso esclarecer tecnicamente essa contradição”, falou.
<h3>Ricardo Lewandowski</h3>
O voto de Lewandowski também não surpreendeu, já que o ministro se manifesta contra a prisão após condenação em 2ª instância desde que chegou no tribunal. O ministro iniciou seu voto dizendo que não se submete à pressões externas. “Ao ser empossado no cargo de ministro do STF, em 2006, assumi o solene compromisso de cumprir as leis e a Constituição, sem concessões à opinião pública e publicada. E desse compromisso jamais me desviei, pois tenho o inequívoco dever de dar estrito cumprimento à vontade do constituinte originário”, falou.
Disse, ainda, que "a jurisprudência desse Tribunal consolidou-se, salvo um lapso de tempo, que ofende o princípio da presunção da inocência a execução da pena de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória".
Para o ministro, não cabe o argumento de que autorizar a prisão somente após o trânsito em julgado vá diminuir a sensação de justiça, principalmente no que se refere à corrupção.
"Afigura-se até compreensível que alguns magistrados queiram flexibilizar essa importante garantia dos cidadãos por ingenuamente acreditarem que assim melhor contribuirão para combater a corrupção endêmica e a criminalidade violenta que assola o país", falou.
"Nem sempre, contudo, emprestam a mesma ênfase a outros problemas igualmente graves, como o inadmissível crescimento da desigualdade social, o lamentável avanço do desemprego, o inaceitável sucateamento da saúde pública e o deplorável esfacelamento da educação estatal, para citar apenas alguns exemplos, cuja solução contribuiria sobremaneira para a erradicação das condutas ilícitas, especialmente aquelas praticadas pelas classes economicamente menos favorecidas".
Lewandowski, da mesma forma que Marco Aurélio, seguiu concedendo HCs em favor de presos em segunda instância nos últimos meses. Um dos principais argumentos dele para tal é justamente a ausência de uma fundamentação. Ele afetou ao plenário 80 processos em que ele permitiu que réus recorressem em liberdade, ainda que condenados em segunda instância. A Procuradoria-Geral da República agravou as decisões monocráticas e ele levou os casos ao colegiado no momento em que ia votar no caso das alegações finais, em 27 de setembro.
“Lamentavelmente, a partir deste entendimento precário e efêmero do tribunal um grande número de prisões passou a ser decretado após a prolação de condenação em segunda instância, de forma automática, sem fundamento idôneo, com a simples remissão a súmulas ou a julgados, em franca violação ao que dispõe o artigo 5°, inciso 61, segundo o qual “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente", falou.
<h3>Histórico</h3>
Até 2009, o Supremo entendia que o princípio constitucional de presunção de inocência era compatível com a prisão após condenação em 2ª instância. Mas naquele ano, ao julgar o HC 84.078, o plenário, por sete votos a quatro, mudou este entendimento e decidiu que era necessário o trânsito em julgado para a execução da pena. Gilmar Mendes, nesta ocasião, votou com a corrente vencedora. De lá para cá, a composição da Corte mudou bastante.
O entendimento até 2016, quando a jurisprudência virou novamente. Em 2016, foram três as oportunidades que ministros tiveram de se pronunciar sobre o tema em plenário.
Em fevereiro, ao julgarem no HC 126.292, os ministros Teori Zavascki, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes deram os sete votos a favor da prisão após condenação em 2ª instância.
Essa foi a primeira mudança de voto de Gilmar no tema, já que em 2009 ele havia votado contra a execução em segunda instância. Do outro lado, vencidos, ficaram Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello.
De fevereiro para outubro, foi Toffoli quem resolveu mudar. O plenário analisou se concedia ou não liminares nas ADCs 43 e 44, e Toffoli votou contra a execução provisória da pena.
Em sua visão, o réu condenado só deve cumprir a pena após o esgotamento de recursos no STJ. O ministro não vê a necessidade de aguardar os recursos no STF. Toffoli ficou vencido, junto a Marco Aurélio, Rosa Weber, Celso de Mello e Lewandowski – foram seis votos pela não concessão da liminar.
Um mês depois, em novembro de 2016, os ministros se manifestaram mais uma vez sobre o tema no plenário virtual. Ao analisarem o ARE 964246, com repercussão geral reconhecida, os mesmos seis ministros se colocaram a favor da prisão após condenação em 2ª instância, enquanto Toffoli, Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello se colocaram contra. Já a ministra Rosa Weber não se manifestou.
O ministro Alexandre de Moraes só chegou ao STF em 2017, por isso, não votou sobre o caso muitas vezes. Mas em votos proferidos na 1ª Turma, por diversas vezes o ministro já demonstrou ter o mesmo entendimento de seu antecessor, Teori, a favor da execução provisória da pena.
Foi somente em abril de 2018 que o tema voltou ao plenário, desta vez por causa do ex-presidente Lula. O petista impetrou um habeas corpus preventivo para impedir a execução provisória da pena diante da confirmação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) de sua condenação pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A jurisprudência foi reafirmada, novamente por seis votos a cinco – na ocasião, Gilmar Mendes e Rosa Weber trocaram de posição.
Mendes votou pela concessão do HC, dizendo que a possibilidade de prisão virou obrigação, e que Lula deveria aguardar em liberdade até que o STJ julgasse seus recursos. Rosa, por outro lado, ressalvou sua posição pessoal em detrimento da manutenção de jurisprudência e da segurança jurídica.

Rosa Weber

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JOTA

Rosa Weber, um dos votos mais importantes, acompanhou relator. Julgamento continua na primeira semana de novembro

STF: 4 a 3 pela prisão após condenação em 2ª instância

Rosa Weber, um dos votos mais importantes, acompanhou relator. Julgamento continua na primeira semana de novembro