Adaptação

Sessões virtuais do STF preocupam advogados e geram críticas de partes das ações

Plenário virtual terá novas regras em maio. Para advogados, houve avanço, mas sessões virtuais continuarão problemáticas

doença ocupacional, sessão por videoconferência STF
Sessão plenária do STF realizada por videoconferência. Crédito: Fellipe Sampaio/SCO/STF

Desde 18 de março, o plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) passou a ter competência para julgar qualquer classe processual. Nesse sistema, os casos são pautados em listas, separadas por ministro relator. Desde então, dezenas — às vezes mais de uma centena — de casos entram na previsão de votação para cada semana. O modelo despertou diversas críticas, tanto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), quanto de advogados e até de ex-ministros da Corte. 

O plenário virtual é um ambiente em que, quando um processo é pautado, é aberto um prazo para que cada ministro inclua o seu voto por escrito — ou seja, não funciona como em uma videoconferência e não permite a troca de ideias como no plenário físico.

Além da redução do contato, que passou a ser feito por meio digital, advogados apontam redução da transparência e questionam a opção por votar ações de controle concentrado virtualmente. Outro ponto criticado é a regra de que se o ministro não se manifestar no prazo do julgamento, ele terá acompanhado tacitamente o relator.

Mais de 100 advogados, entre os quais ministros aposentados do STF, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ex-presidentes da OAB, também assinam uma petição contra a ampliação do plenário virtual do STF devido à falta de publicidade, além da impossibilidade de intervenção de advogados. No documento endereçado ao presidente do STF, Dias Toffoli, os advogados pedem a revogação da ampliação de julgamentos por meio desta modalidade. Assinam a petição os ex-ministros da Corte Sepúlveda Pertence, Carlos Mário da Silva Velloso, Francisco Rezek, Nelson Jobim, Ellen Gracie e Cezar Peluso.

Diante das seguidas críticas, o STF já anunciou mudanças para maio. De acordo com as alterações noticiadas, sustentações e votos seriam incluídos no andamento processual. As novidades incluem, ainda, a possibilidade de procuradores, advogados e defensores encaminharem memoriais durante a sessão virtual. Antes de acessar o campo de votação, os ministros primeiramente terão que passar pelas sustentações orais do processo. Hoje, o relator vota e os colegas podem seguir ou divergir. Não há apresentação de fundamentos para a opção escolhida em cada caso. 

Para o ministro aposentado Francisco Rezek, a aproximação com o modelo tradicional, por meio das sessões por videoconferência, se mostra eficiente para os tempos de crise, diferente dos julgamentos pelo plenário virtual. “Tenho dado aulas e conferências online e a eliminação do plenário físico, tradicional, com a presença de pessoas, plateia é uma contingência inevitável. Não se pode agir de outro modo. A opção seria não trabalhar, ficar sem pauta”, diz.

Ele mantém a crítica, no entanto, às sessões de duração estendida, sem vídeo, “em que você não vê o semblante de cada ministro proferindo os votos, em que os ministros vão à máquina proferir os votos e conclui-se o julgamento sem participação do advogado”. O envio de sustentação gravada coloca em dúvida, inclusive, se as defesas são de fato assistidas, afirma. “Por videoconferência, tudo se mantém. Nas sessões encapsuladas os ministros não se enxergam. Contraria vários princípios da Constituição”, avalia Rezek.

A prisão depois de condenação pelo Tribunal do Júri e a possibilidade de doação de sangue por homossexuais são alguns dos casos importantes que estão pautados para o plenário virtual.

Para advogados desses processos, o ideal seria esperar o fim da pandemia para realizar o julgamento. Assim, seria possível frequentar os gabinetes do tribunal para entrega de memoriais e conversas com os ministros para convencimento de teses, acompanhar sustentações orais de colegas e partes opostas, bem como os próprios votos, discussões entre os ministros sobre o tema, trechos em que focam ou discordam.

Marco Aurélio é o maior crítico do modelo na Corte. “Não cabe ter-se julgamento em colegiado, continuo convencido disso, no campo virtual. Porque colegiado pressupõe a troca de ideias, nós nos completamos mutuamente. Colegiado tem a possibilidade de um advogado assomar à tribuna para prestar esclarecimentos de matéria fática à medida em que os votos vão sendo proferidos e sabemos que não há a possibilidade de acompanharem os votos à medida em que são proferidos em ambiente virtual”, disse quando discordou da ampliação das competências do plenário virtual.

O relator lança no sistema ementa, relatório e voto — sendo que apenas a parte dispositiva do voto é pública — e, iniciado o julgamento, os demais ministros têm até cinco dias úteis para se manifestar. São quatro opções de voto, possibilitando que acompanhem o relator, acompanhem com ressalva de entendimento, divirjam do relator ou acompanhem a divergência. Caso o ministro não se manifeste, considera-se que acompanhou o relator.

Até então, caso um advogado considerasse importante sustentar no processo, deveria apresentar um pedido de destaque para que a discussão fosse levada ao plenário físico. Pedidos de vista também transferiam o processo automaticamente ao tribunal presencial. Agora, apenas o pedido de destaque de um dos ministros pode fazer com que o caso seja julgado pelo plenário físico — ou, durante a pandemia, por videoconferência. 

O Conselho Federal da OAB enviou um ofício a Toffoli pedindo mudanças, como a liberação dos votos pelos ministros assim que proferidos, e não apenas a posição em relação ao voto do relator. A proposta foi acatada e, portanto, comemorada pela OAB. As dificuldades não foram, no entanto, completamente dirimidas. O próprio presidente da Ordem, Felipe Santa Cruz, teve um processo pautado e não conseguiu marcar todas as audiências para despachar.

“Passei a semana lutando para despachar. Às vezes a internet está ruim, não ajuda. E, em uma matéria que não é repetitiva, que está parada há 10 anos, com anos de litígio”, conta. Para ele, a sustentação oral gravada não se compara a uma feita ao vivo. “Hoje a sustentação está sendo mandada gravada. Não tem o mesmo impacto que pedir pela ordem, sentir a ambiência do tribunal. Essas são questões que não podem substituir o contato físico.”

De acordo com Santa Cruz, o advogado deveria poder destacar o caso para o plenário físico ou, neste momento de pandemia, para a sessão por videoconferência. Assim, avaliaria se o processo é ou não repetitivo, se precisa fazer uso da palavra. A decisão deveria ser, na visão de Santa Cruz, da parte. Até porque, diz, são matérias mais complexas as submetidas ao Supremo. O volume de casos do STF é elevado, mas ele defende que seja colocado um filtro sobre que ações poderiam ser julgadas virtualmente.

Santa Cruz concorda com o presidente da Corte quando ele diz que o STF não pode parar e celebra o que considera as sessão por videoconferência como um sucesso, mas ainda vê problemas com as sessões do plenário virtual. “Há um momento de excepcionalidade. Mas podemos aprimorar dessa forma. Não vejo problema algum que o advogado faça uma sustentação por videoconferência. Há, inclusive, aqueles advogados sem condições financeiras de viajar a Brasília. Não podem é diminuir a ampla defesa”, enfatiza. 

Confusão 

Há onze dias, a ministra Cármen Lúcia deu início a um julgamento que trata do modelo de tributação de softwares no Brasil. O caso havia sido pautado para análise em bloco com outros dois que lidam com a mesma questão, mas acabou retirado de pauta no início das alterações impostas pela pandemia. Os advogados das empresas pediram o adiamento do julgamento, mas a Cármen afirmou que a matéria estava pronta para ser votada. Por fim, Toffoli pediu vista na última quinta-feira (23/4). Não sem antes o processo ter passado por dois episódios que mostram os percalços do processo de adaptação ao formato. 

Assim que aberta a sessão virtual, no dia 17 de abril, a ministra subiu um voto referente a outro caso, sobre amianto. Mais uma vez, os advogados peticionaram, desta vez apontando vício no julgamento. Dois dias depois, a ministra corrigiu o voto, mas manteve a sessão. 

Já a entidade que representa os municípios, a Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais Brasileiras (ABRASF), admitida como amicus curiae, enviou uma petição reclamando que enviou a sustentação oral sobre o caso por vídeo, mas que a secretaria do tribunal não recebeu o material e pedindo o reinício do julgamento — o que também não ocorreu. 

Próximos julgamentos

Nesta semana, há julgamentos especialmente sensíveis no plenário virtual. Outro caso que teve pedidos — também negados — de adiamento foi o que trata da execução de pena imediata após condenação pelo tribunal do júri. O criminalista Marcelo Turbay considera “uma tragédia” que o RE 1.235.340, sob relatoria do ministro Barroso, seja apreciado dessa forma. Isso por ser um tema complexo, com grande impacto. E que, na avaliação dele, não há risco ou problema em se aguardar o fim da pandemia. 

“O exemplo maior disso foi a densidade dos julgamentos das ADCs 43, 44 e 54 em que o Supremo discutiu longamente a matéria, o duplo grau de jurisdição, a presunção de inocência, que volta agora nesse caso e com apelo maior, com complexidade maior, e crimes da competência do júri”, disse, se referindo ao julgamento que derrubou a execução antecipada de pena, em novembro de 2019. 

Em casos como este, ele defende que o STF promova o julgamento em plenário presencial, com comparecimento de todas as entidades que passaram a figurar nos autos e com mobilização da sociedade. “O STF poderia até mesmo ter feito audiências públicas, ouvido a Defensoria Pública que tem inúmeros estudos sobre o tema. O problema é o julgamento não se dar com a devida publicidade. Bem ou mal, o julgamento por meio virtual não tem o mesmo envolvimento de todos os atores, todas as pessoas interessadas”, diz. O julgamento foi interrompido por um pedido de Ricardo Lewandowski.

A ministra Cármen Lúcia pautou, também, a ADI 5581, que discute a interrupção da gravidez para mulheres infectadas pelo zika e questiona as políticas públicas do governo federal na assistência a crianças com microcefalia e outras lesões neurológicas causadas pelo vírus. Em maio de 2019, o caso estava previsto para julgamento. Entretanto, duas semanas antes da data marcada, sem maiores explicações, o caso foi removido da pauta sem que nenhuma nova data fosse anunciada. A ação já foi adiada outras duas vezes. 

A Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), que propôs a ação, considera que o Supremo tarda em dar uma solução ao caso. Mas chegou a pedir o adiamento por entender que o plenário virtual não seria adequado à discussão. Isso porque, argumentou, não há previsão normativa de que o julgamento de mérito das ações concentradas de constitucionalidade ocorra preferencialmente no plenário virtual e porque tais ações dão solução “de forma definitiva a análise sobre a inconstitucionalidade dos atos normativos estaduais, federais e municipais, além de permitir o controle de ato do poder público que afronta preceitos fundamentais da Constituição Federal”, e, portanto, deveriam ser julgadas presencialmente ou por videoconferência. 

“A inclusão da ADI 5581 em pauta no plenário virtual é ambígua. Por um lado, essa é uma ação urgente há muito tempo, e o retorno à pauta agora pode indicar o reconhecimento de que uma nova emergência de saúde pública agrava ainda mais a crise do zika — que não terminou. Esperamos que o julgamento virtual não provoque o efeito contrário de eximir os ministros de sua responsabilidade para com os pedidos e as evidências de violações de direitos”, analisa Gabriela Rondon, advogada da Anis.

Para ela, ainda que não seja o procedimento ideal para o debate público, o julgamento pode dar uma resposta, “atrasada”, para as primeiras vítimas do zika, “mas a tempo de proteger contra os agravos que a Covid-19 pode trazer”. O entendimento é que as famílias precisam de uma decisão da Corte para ter acesso ao benefício de prestação continuada (BPC), como pedido na ação, há milhares de crianças que dependem do atendimento especializado para não ficarem mais vulneráveis ainda às complicações respiratórias do coronavírus, há milhões de mulheres que precisam de acesso a contraceptivos de longa duração para evitar gravidez em isolamento social. Neste caso, já há maioria para negar rejeitar a ação por uma questão processual.

Um julgamento no âmbito do STF necessariamente recebe fundamentos, argumentos, endereçamentos de informações jurídicas, sociais, econômicas da sociedade como um todo, de todos os estados. Essas informações chegam por escrito, mas a comunicação presencial ocorre com muita frequência, inclusive para reportar aos ministros os contextos da discussão. “Muitas vezes essas conversas acontecem de forma presencial, o que, no nosso entender, é extremamente rico para a construção de entendimento da Corte”, ressalta a tributarista Ariane Guimarães, sócia do Mattos Filho. 

No dia 17 de abril, a Corte decidiu pela constitucionalidade do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP), que estabelece a presunção da ocorrência do acidente de trabalho a partir do cruzamento dos dados do código da Classificação Internacional de Doenças (CID) com os do código da Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE), em julgamento virtual da ADI 3931.

O tema, para Ariane Guimarães, deveria ter sido mais discutido. “É uma questão extremamente relevante, não só para o processo em si, mas para outras discussões também. E não foi oportunizado um diálogo mais aprofundado” argumenta. 

“Essa discussão estabelece o critério para definição de acidente de trabalho. É uma metodologia do INSS para apurar e relação entre as doenças e as atividades econômicas. É extremamente relevante que o STF examinasse as metodologias e a sua validade considerando os argumentos além dos jurídicos e isto exigiria uma discussão mais densa do que a tomada no ambiente virtual. Com base nesse nexo, inclusive, se tem enquadramentos do fator acidentário de Previdência, tema ainda pendente de julgamento. Foi ruim.”