Zulmar Duarte

Na última quarta-feira (29/04), o Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a discutir o cabimento de reclamação para corrigenda da má aplicação pelos Tribunais de piso da repercussão geral, nas RCLs nos 11427 e 11408 [1].
O pano de fundo é conhecido.
O Supremo atribui ou nega a determinada questão o status de repercussão geral, pelo que os recursos envolvendo idêntica temática são sobrestados ou inadmitidos, respectivamente (artigos 543-A, 543-B e 543-C do CPC/1973).
O potencial problema surge quando o Tribunal, que realiza o juízo de admissibilidade do recurso na origem, enquadra incorretamente o recurso extraordinário apresentado sob o epiteto de determinada repercussão geral.
A parte que teve o recurso sobrestado ou inadmitido, entendendo inadequada a bitola da repercussão geral aplicada, pretende então destacar a situação distinta do seu recurso, para o fim de descolá-lo do tema da repercussão geral que adesivou incorretamente a pretensão recursal.
Nessa hipótese, o recurso estaria contingenciado na origem, represado, eventualmente submetido à julgamento em série, mas com atribuição de rótulo que não expressa verdadeiramente o conteúdo da pretensão recursal.
No ponto, simplificando sobremaneira o tema, a situação exige a retirada do carimbo da repercussão geral da capa do recurso, para o mesmo ser imediatamente processado.
Justamente, frente a tal situação, o Supremo Tribunal Federal, ainda que com algumas decisões vacilantes (v.g. RCL no 7.523-SP, relator Ministro Menezes Direito), a partir da questão de ordem no agravo de instrumento no 760.358-SE, entendeu que o represamento indevido de recurso extraordinário é matéria afeta aos Tribunais anteriores.
Caberia então agravo regimental na origem, a fim de que o próprio Tribunal a quo analisasse o encaixe realizado pelo (Vice)Presidente de sua Corte do recurso em determinada repercussão geral.
O entendimento, sem retoques, está ancorado na sobrecarga de processos do STF, o que serviu de mote à própria estruturação da repercussão geral. Convenhamos, não sem razão, sustenta-se que os propósitos do instituto da repercussão seria esvaziado pela expansão objetiva e exponencial de reclamações aviadas em processos sobrestados.
Porém, o próprio STF, episodicamente, em situações limites, por vezes sob argumento da teratologia da situação, permite o debate da incorreção no represamento de determinado recurso na origem.
À sua vez, o Novo Código de Processo Civil (Novo CPC), visando dar uma solução para questão, hipotetizou o tema como matéria de agravo, na forma do seu artigo 1.042.
Pois bem, como mencionado, ao reiniciar julgamento da reclamação 2220, na semana passada, Ministros do Supremo Tribunal Federal fizeram críticas diretas ao referido dispositivo do Novo CPC.
Isso porque, <a href="https://www.jota.info/os-impactos-novo-cpc-stf">como já se chamou atenção neste espaço</a> [2], o preceptivo tem potencial multiplicador dos agravos na Corte Suprema, sendo que, durante a discussão que se travou no Plenário do STF, cogitou-se abertamente sobre a necessidade de alteração do Novo CPC durante a vacatio legis, a fim de excluir tal possibilidade de interposição do recurso de agravo.
Ao que se depreendeu dos debates, os Ministros tencionam inserir a alteração do Novo CPC, paradoxalmente, em pacto dito republicano a ser enviado pelo Executivo e Judiciário ao Congresso Nacional. Aventou-se, inclusive, em relegaria tais situações de enquadramento indevido para a ação rescisória.
A solução de mera revogação do dispositivo não atende, tampouco melhor o uso da rescisória para o velho problema.
Obviamente, o precedente não pertence a esse ou aquele Tribunal.
O mesmo é construído durante o debate da demanda perante todos os órgãos jurisdicionais, pelo que não existe, por assim dizer, interprete definitivo do mesmo.
Todavia, isso não implica em dizer que a percepção da Corte Suprema sobre o sentido e alcance de seus julgados é desimportante, eis que a situação pressupõe diálogo institucional, não monólogo. A solução não pode ficar confinada no Tribunal local. 
Não bastasse isso, o uso da rescisória poderá piorar consideravelmente a questão. Cogite-se, julgada a rescisória sobre o (in)correto enquadramento da questão em específica repercussão geral, nada impede que a parte ingresse com recurso extraordinário sustentando ser o tema diverso e o problema pode ser repetir para frente.
Sempre pensamos ser a reclamação a via correta ao debate da aplicação (in)devida da repercussão geral a determinado caso, pois o instrumento, além de predestinado a preservação da competência constitucional do STF, pode exercer importante função nomofilática (uniformização jurisprudencial).
Garantir a autoridade da decisão, como propugna o artigo 102 da Constituição da República, consiste não só em determinar sua observância aos casos idênticos, mas igualmente em não permitir sua extensão à situações não abrangidas no espectro e horizonte decisório.
No particular, a reclamação assume a condição de pendor da função nomofilática do Supremo Tribunal Federal, possibilitando o controle, por parte deste, da observância da decisão que reconheceu a repercussão geral em determinada hipótese, a fim de evitar sua indevida ampliação para situações não iguais.
Aliás, durante o julgamento da semana passada, antes do pedido de vista do Ministro Luiz Fux que interrompeu a discussão, tal entendimento vinha sendo também propugnado pelo Ministro Barroso, acolhendo sugestões anteriormente formuladas pelo Ministro Teori.
Nada obstante, independentemente da via, o importante é que exista mecanismo eficaz que permita o reexame do enquadramento (in)correto de recurso extraordinário em determinada repercussão geral, sob pena de esmaecimento da função de uniformização tão própria ao instituto da repercussão geral.
Simplesmente revogar a disposição do Novo Código de Processo Civil e fechar as portas da reclamação, permitirá que questões constitucionais de inegável importância fiquem eclipsadas na origem, ofuscadas pela luz de questão diversa.
Como registro histórico, informo que escrevo o presente post durante a viagem de retorno do V Encontro Permanente de Processualistas Civis, realizado em Vitória, onde o tema, como sempre, não passou despercebido. Certamente o texto absorve o impacto das observações e preocupações de muitos, embora só expresse obviamente nossa opinião sobre a situação.
Assim, da nossa parte, embora se entenda as razões metajurídicas, é com preocupação que vemos a iniciativa do STF em excluir a possibilidade de agravo em tal hipótese, sem que se franqueia a parte meio processual apto a desfazer o erro de enquadramento realizado pelo Tribunal de origem perante ou passando pelo próprio STF.
Mesmo porque, o Novo CPC reforça os precedentes, mormente em casos repetitivos, pelo que a má aplicação daqueles, colocando sob suas franjas questões diversas, corroi um dos pilares ao perfeito funcionamento do sistema processual projetado.
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* Zulmar Duarte é é advogado. Professor. Pós-Graduado em Direito Civil e Processual Civil. Membro do IAB (Instituto dos Advogados Brasileiros) e do CEAPRO (Centro de Estudos Avançados de Processo).
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[1] - Disponível: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=290511. Acesso em: 3-maio-2015. 
[2] - Disponível em: https://www.jota.info/os-impactos-novo-cpc-stf. Acesso em: 3-maio-2015.

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JOTA

Situação pressupõe diálogo institucional, não monólogo.

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