Supremo

Por que o STF pode decidir sobre descriminalização do porte de drogas para uso pessoal

O Supremo retomou nesta quinta-feira o julgamento que pode descriminalizar o porte para consumo próprio de maconha

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Crédito: Fellipe Sampaio /SCO/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou na quinta-feira (24/8) o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 635.659, que discute a possibilidade de descriminalizar o porte de drogas no país. Seis ministros já voltaram, mas um pedido de vista do ministro André Mendonça, interrompeu o julgamento, que foi iniciado em 2015. A análise do recurso ficou oito anos suspenso e voltou à pauta do Supremo neste ano, levantando dúvidas sobre a competência da Corte decidir sobre o tema.

O próprio presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse que era um “equívoco grave” a possibilidade da descriminalização do porte de drogas para uso pessoal por decisão do Supremo – para ele, caberia ao Congresso Nacional discutir o tema. No momento, o placar está em 5 a 1 pela descriminalização.

Mas afinal, o STF pode decidir pela descriminalização do porte de drogas para uso pessoal? Segundo o diretor de conteúdo do JOTA, Felipe Recondo, é da competência do Supremo dizer como uma lei deve ser interpretada. Nesse caso, o tema chegou ao Tribunal com um Recurso Extraordinário da Defensoria Pública de São Paulo, que questiona uma decisão que manteve a condenação de um preso à pena de dois meses de prestação de serviços comunitários por ter sido flagrado em um presídio com três gramas de maconha.

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A Defensoria argumenta que o ato não afronta a saúde pública, só a saúde pessoal do usuário, quando muito. No recurso, ela questiona a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas 11.343/2006, que classifica como crime o porte de entorpecentes para consumo próprio. O principal argumento é que o dispositivo contraria o princípio da intimidade e da vida privada, uma vez que a ação não implicaria em danos a bens jurídicos alheios.

Rubens Glezer, professor de Direito Constitucional da FGV e coordenador do grupo de pesquisa Supremo em Pauta, explica que a Constituição define uma lista de direitos fundamentais – o que, na prática, deixa algumas decisões políticas fora do alcance do Congresso Nacional e do Executivo. “Algumas decisões não podem ser tomadas por mais que os representantes políticos queiram ou a maioria da população queira”, afirma o professor.

Como exemplo, Glezer questiona se o Estado teria poder para fazer uma lei que proibisse os brasileiros de comer carne na segunda-feira. Nesse caso, o Supremo teria que decidir se cabe ao governo tomar essa decisão que infringe as liberdades individuais em prol da saúde pública.

É a mesma coisa quanto à criminalização do porte de drogas para uso pessoal. “A Corte não tem que responder se é ou não desejável, se é uma política pública adequada ou se é a decisão que mais representa a sociedade. Os ministros têm que responder se criminalizar essa conduta está dentro do horizonte de possibilidades do nosso rol de direitos fundamentais”, afirma o professor.

Nesta quinta-feira, após as críticas, os ministros do STF aproveitaram o começo da sessão de julgamento para reafirmar sua posição. O ministro Gilmar Mendes, que é relator do caso, se pronunciou dizendo que qualquer avanço em relação a ampla legalização de determinadas drogas se insere no domínio das instâncias legislativas e que o Supremo não fez nenhum tipo de avanço indevido sobre as competências do Congresso Nacional.

O ministro Luís Roberto Barroso disse que todos concordam que é preciso trabalhar para evitar o consumo de drogas. “A posição do Supremo ao tentar encontrar um caminho para lidar com esse problema não é de apoio ao consumo de drogas. Pelo contrário, estamos pensando a melhor forma de enfrentar”.