Regime de bens

Pessoas com mais de 70 anos podem escolher o regime de bens do casamento, decide STF

Decisão, unânime, se estende à união estável. Caso não haja manifestação registrada em cartório, aplica-se a separação de bens

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Crédito: Unsplash

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram nesta quinta-feira (1/2) que pessoas com mais de 70 anos podem escolher o regime de bens a ser aplicado no casamento ou na união estável. Antes da decisão, pelo Código Civil, maiores de 70 anos só poderiam se casar pelo regime de separação de bens.

Pela decisão do Supremo, que foi unânime, fica facultado às partes a escolha do regime de bens do casamento, mesmo quando um dos cônjuges tenha mais de 70 anos. No entanto, se não for declarada a manifestação de vontade em cartório, vale o que está previsto no Código Civil e fica obrigatório o regime da separação de bens no casamento.

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Os ministros fixaram a seguinte tese: “Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no art. 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes por escritura pública”.

A decisão vale para os casamentos a partir do julgamento, ou seja, os ministros jogaram a decisão “para frente”. Ao julgar o caso, o ministro Luís Roberto Barroso, relator da matéria, argumentou que o dispositivo do Código Civil contraria a Constituição porque é discriminatório, quando o texto constitucional diz que deve-se “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

“Fato é que idade não é um fundamento legítimo. São pessoas maiores e capazes. Enquanto conservarem suas faculdades mentais, podem fazer suas escolhas”, afirmou.

A ministra Cármen Lúcia concordou com o argumento de Barroso e lembrou que o dispositivo traz “presunção de etarismo”.

A discussão ocorreu no ARE 1.309.642.

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Consequências da decisão

De acordo com a advogada Regina Beatriz Tavares, que atuou na ação pela Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), pela decisão do Supremo, a situação fica da seguinte forma:

1. A pessoa que se casa ou passa a viver em união estável com mais de 70 anos terá o regime da separação previsto na norma do Código Civil, se não fizer um pacto antenupcial ou um pacto de união estável em que escolha outro regime, como o da comunhão parcial, o da comunhão universal, ou outro regime feito sob medida, ou seja, misto.

Neste caso de inexistência de pacto, se houver o divórcio ou a dissolução da união estável, preservará os seus bens, sem ter de dividi-los com o cônjuge ou com o companheiro. Se a pessoa idosa falecer, o cônjuge ou o companheiro não terá direito a herança, salvo em caso de testamento que o beneficie.

2. Quem escolher o regime da comunhão universal em pacto realizado por escritura pública e se divorciar, ou dissolver a união estável, terá de dividir todo o seu patrimônio com o cônjuge ou companheiro. Se falecer, o seu cônjuge ou o seu companheiro terá direito a metade de todos os bens do falecido.

3. Quem escolher o regime da comunhão parcial, terá de dividir, em caso de divórcio ou de dissolução da união estável, o que vier a adquirir depois do casamento e da união estável e também os rendimentos dos bens que já tinha antes do casamento e da união estável. Se falecer, tendo escolhido o regime da comunhão parcial, o cônjuge ou companheiro terá os mesmos direitos a herança dos filhos do falecido, além da meação dos bens adquiridos após o casamento.

O advogado Marco Antônio Sabino, do Mannrich e Vasconcelos Advogados, ressaltou a segurança jurídica que a decisão trouxe. “O julgamento é importante. Os ministros enfatizaram que não atingem situações pretéritas, o que garante estabilidade e segurança jurídica. A exigência de escritura pública confere um pouco mais de segurança nos casos em que a norma visava proteger, como situações de chantagem de cônjuges ou companheiros mais novos querendo a partilha de bens daquela pessoa mais idosa, em prejuízo aos herdeiros”

Caso concreto

O processo em julgamento diz respeito a um inventário em que se discute o regime de bens a ser aplicado a uma união estável iniciada quando um dos cônjuges já tinha mais de 70 anos. Em primeira instância o juiz considerou aplicável o regime geral da comunhão parcial de bens e reconheceu o direito da companheira de participar da sucessão hereditária com os filhos do falecido.

O magistrado declarou, para o caso concreto, a inconstitucionalidade do artigo 1.641, inciso II, do Código Civil, que estabelece que o regime de separação de bens deve ser aplicado aos casamentos e às uniões estáveis de maiores de 70 anos, sob o argumento de que a previsão fere os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. De acordo com a decisão, a pessoa com 70 anos ou mais é plenamente capaz para o exercício de todos os atos da vida civil e para a livre disposição de seus bens.

No entanto, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) reformou a decisão, aplicando à união estável o regime da separação de bens, conforme o artigo 1.641. Para o tribunal paulista, a intenção da lei é proteger a pessoa idosa e seus herdeiros necessários de casamentos realizados por interesses econômico-patrimoniais.

No STF, a companheira pretendia que fosse reconhecida a inconstitucionalidade do dispositivo do Código Civil e aplicada à sua união estável o regime geral da comunhão parcial de bens. No entanto, no caso concreto, os ministros negaram o recurso porque a decisão só vale a partir do julgamento do STF.