Felipe Recondo

O que surpreende na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de anular a condenação do ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil Aldemir Bendine não é propriamente o voto da ministra Cármen Lúcia, mas essencialmente dois fatores: a) a demora para esta questão controversa bater às portas do Supremo, com a Lava Jato já tendo produzido inúmeras condenações; b) o fato de este tema ter passado sem controvérsias pelas instâncias inferiores, incluindo o Superior Tribunal de Justiça, onde a tese agora vencedora foi rejeitada por unanimidade.
O STF decidiu ontem, por três votos a favor e um contra – do ministro Edson Fachin – que a apresentação das alegações finais de réus que não firmaram acordo de delação premiada deve ocorrer após a apresentação dos argumentos de corréus colaboradores. Obrigar o corréu delatado a apresentar seus argumentos antes ou ao mesmo tempo que o corréu que o delatou configuraria cerceamento no direito de defesa. Com isso, os ministros anularam a condenação de Bendine pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
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A defesa de Bendine questionou a ordem das alegações finais em todas as instâncias. No STJ, o argumento foi rejeitado por unanimidade a partir do voto do relator, ministro Felix Fischer (Jorge Mussi, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik).
Fischer dizia que acolher esta tese seria o “equivalente a estabelecer uma hierarquia entre os acusados, distinguindo-os entre colaboradores e não colaboradores, com a não concessão de privilégios aos últimos por não terem colaborado”.
“A lei estabelece prazo comum para a apresentação de alegações finais, ainda que as defesas não sejam convergentes, não cabendo à Justiça estabelecer hierarquia entre acusados, todos com igual proteção da lei”, acrescentou Fischer.
A questão não é simples, nem a legislação é taxativa. O instituto das delações premiadas, como mencionou o ministro Gilmar Mendes no julgamento desta terça-feira, é novo e vem sendo aperfeiçoado por decisões judiciais: “Reconheço que é tema difícil porque a questão se coloca a partir dessa via crucis nova, por conta do uso do instituto da colaboração premiada e desse aprendizado institucional que estamos a desenvolver. Uma instituição feita de afogadilho, cheia de defeitos, genérica, permitiu preenchimento de lacunas com muita ousadia”.
Como o assunto demorou a ser enfrentado colegiadamente pelo Supremo, fatos se consumaram, condenações se sucederam e agora podem ser anuladas, voltando processos a fases pré-sentença.
Tivesse este tema desaguado no STF antes – e se a decisão fosse igual, e nunca se sabe se seria, pois procedimentos adotados pela Lava Jato enfrentam hoje fortes questionamentos em razão da Vaza Jato –, os efeitos seriam reduzidos. Uma mera inversão da ordem das alegações finais teria evitado prejuízos.
Há questionamentos – que deverão ser levados ao Supremo – que poderiam minorar os efeitos desta decisão, preservando ações penais já julgadas. Como o procedimento adotado pelo Judiciário até o momento não era uma inovação, algo que afrontasse a lei, nem era algo praticado por má-fé, decisões já proferidas seriam resguardadas. Por esta construção, o Supremo corrigiria o procedimento para o futuro. É aguardar uma manifestação do STF.
Portanto, o voto de Cármen Lúcia não é necessariamente surpresa. Surpreender-se com seu voto numa questão inédita e controversa no STF seria tratá-la apenas como parte de um time que referenda acriticamente decisões da Lava Jato. A ministra já mostrou, em outros casos, que esta tese de alinhamento automático não é verdadeira. O caso de Aécio Neves é exemplar – a ministra desempatou o julgamento, beneficiando o então senador ao julgar que o Senado poderia anular medidas cautelares que interferissem no mandato parlamentar.
O voto da ministra, ao contrário de provocar surpresa, afiança o resultado do julgamento. Não se pode dizer que Cármen Lúcia faz campanha contra a Lava Jato. Ao contrário. Seus votos deram, em inúmeras ocasiões, densidade para decisões da operação.
No geral, a passagem dos anos já não cristaliza o passado nas posições dos ministros do Supremo. Exemplo notório é o vai e vem da jurisprudência sobre execução provisória da pena. No caso da Lava Jato, especialmente, o transcorrer do tempo serviu para evidenciar as controvérsias e fragilidades de uma operação que lidou com institutos ainda novos. Era esperado, portanto, que ministros do Supremo elegessem problemas e decidissem intervir sobre eles, ainda que tardiamente.

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JOTA

Voto de Cármen Lúcia, ao contrário de surpreender, afiança o resultado do julgamento

O que surpreende no julgamento do STF que anulou decisão da Lava Jato?

Voto de Cármen Lúcia, ao contrário de surpreender, afiança o resultado do julgamento