Hyndara Freitas

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<p>Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro a assumir a vaga no Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">STF</a>) após a aposentadoria de Celso de Mello, o desembargador Kassio Nunes Marques integra o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) desde 2011. Na corte, passou por diversas turmas e seções, e julgou desde processos criminais a previdenciários, passando por ações tributárias, sobre Direito do Consumidor, Direito Administrativo, ambiental e relacionadas ao direito à saúde.</p>
<p>Ao rever os trabalhos de Nunes no tribunal, nota-se que o magistrado prefere a colegialidade a decisões monocráticas e que o ministro tende a dar votos curtos e sempre alinhados aos precedentes do STF e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – sua argumentação, em boa parte dos votos, se resume a elencar as decisões, vinculantes ou não, das duas cortes. E seus votos, ao longo de quase dez anos, dizem algumas coisas sobre o perfil do magistrado.</p>
<p><a href="https://conteudo.jota.info/risco-politico"><img class="aligncenter wp-image-244336 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/04/cta-risco-politico.png" alt="" width="1080" height="1080" /></a></p>
<p>Na área da saúde, ele costuma, quase sempre, condenar o Estado a custear tratamentos e medicamentos a quem não pode custeá-los, destacando o dever de todos os entes em garantir o acesso à saúde da população. Mas em relação aos medicamentos sem registro na Anvisa, se houver tratamento semelhante com registro, na visão de Nunes, eles podem ser substituídos.</p>
<p>Já no âmbito tributário e econômico, Nunes tende a ser pró-Fisco e contra contribuintes, levando em consideração prejuízos ao poder público na hora de decidir. No âmbito social, ele já se mostrou favorável às cotas para negros em universidades. Em questões indígenas, determinou mais de uma vez que o Estado deveria proteger essas populações. Mas em comum a todos estes temas está a ressalva à independência entre os Poderes e a impossibilidade de Judiciário interferir excessivamente, principalmente em decisões administrativas. Esta visão do magistrado foi fundamental para que Bolsonaro o indicasse para ser ministro do STF.</p>
<p>Confira como votou Kassio Nunes sobre dez temas:</p>
<h3>1. Medicamentos</h3>
<p>O desembargador já determinou que União, municípios ou estados arcassem com medicamentos e tratamentos de alto custo em diversas ocasiões. Ele fundamentou as decisões com base na obrigação do Estado de concretizar o acesso à saúde a todos. Em um dos casos, em 2017, negou recurso da União e manteve sentença que a condenou, junto com o município de Uberlândia e o estado de Minas Gerais, a arcar com todas as despesas do tratamento, na parte que não for coberto pelo SUS, de um homem diagnosticado com úlcera sacral necrótica, incluindo a realização de uma cirurgia de urgência.</p>
<p>Após a sentença de primeira instância, houve descumprimento por não haver acordo sobre quem deveria fornecer o tratamento. Em sua decisão, Kassio Nunes disse ser “inadmissível condicionar a fruição de direito fundamental e inadiável à discussão acerca da parcela de responsabilidade de cada ente da Federação em arcar com os custos de medicamento ou de tratamento médico cujo fornecimento foi determinado por meio de decisão judicial, não podendo a divisão de atribuições ser arguida em desfavor do cidadão, questão que deve ser resolvida em âmbito administrativo ou por meio de ação judicial própria”.</p>
<p>Em outra decisão, de 2019, tratou novamente da responsabilidade para fornecimento de remédios. “A saúde, como garantia fundamental assegurada em nossa Carta Magna, é direito de todos e dever do Estado, como na hipótese dos autos, onde o fornecimento gratuito de medicamentos para o adequado tratamento é medida que se impõe, possibilitando aos doentes necessitados o exercício do seu direito à vida, à saúde e à assistência médica, sobrepondo-se a qualquer outro interesse de cunho político e/ou material”, disse.</p>
<h3>2. Agrotóxicos</h3>
<p>Em setembro de 2018, o desembargador Kassio Nunes Marques derrubou uma liminar que havia suspendido o registro de produtos à base das substâncias Glifosato, Tiram e Abamectina no país, até que a Anvisa reavaliasse a segurança do componente.</p>
<p>Ao acolher recurso da União e da Anvisa, o desembargador verificou “grave lesão à ordem pública, sob o viés da ordem administrativa, na medida em que ainda que caracterizada eventual demora pelo órgão competente no processo de reavaliação toxicológica – processo certamente extremamente complexo e que contempla inúmeras etapas, sendo naturalmente longo –, nada justifica a suspensão dos registros dos produtos que contenham como ingredientes ativos abamectina, glifosato e tiram de maneira tão abrupta, sem a análise dos graves impactos que tal medida trará à economia do país e à população em geral”. A decisão foi elogiada pela senadora Kátia Abreu (PP-TO).</p>
<h3>3. Zona Franca de Manaus</h3>
<p>Em agosto deste ano, o desembargador rejeitou recurso da União e manteve a sentença que declarou a inexistência de relação jurídico-tributária quanto à incidência do PIS e da COFINS sobre as receitas oriundas das vendas de produtos nacionais realizadas na Zona Franca de Manaus, por serem equiparadas a vendas ao exterior. A União alegava que não estava demonstrada que a origem das receitas auferidas pela requerente se enquadram estritamente nos limites da tese jurídica reconhecida e que deve incidir PIS/COFINS sobre vendas realizadas para pessoas físicas.</p>
<p>Kássio Nunes apontou em seu voto, que foi vencedor, que permanece a discussão relacionada à incidência de PIS/COFINS sobre receitas decorrentes de vendas efetuadas entre empresas situadas dentro da Zona Franca de Manaus. Mas, afirmou, já há diversos julgamentos do STJ entendendo que operações com mercadorias destinadas à Zona Franca de Manaus são equiparadas à exportação para efeitos fiscais, incluindo empresas sediadas na própria Zona Franca de Manaus que vendem seus produtos para outras da mesma localidade, de modo que sobre elas não incidem as contribuições ao PIS e à COFINS.</p>
<p>“O raciocínio constante dos supracitados julgados, com o qual concordo, é de que, se as empresas situadas em outras unidades da federação passaram a gozar da mencionada isenção com o objetivo de desenvolver a região Amazônica através do Projeto Zona Franca, seria um grande contrassenso permitir que as empresas situadas na própria área de livre comércio recebessem tratamento diferenciado. Portanto, está incluída na isenção em questão as receitas de vendas efetuadas entre empresas situadas na área delimitada pela ZFM, sob pena de se ferir os princípios da uniformidade e da isonomia tributária, frustrando o objetivo maior da redução das desigualdades regionais, que informa todo o sistema constitucional”, disse o desembargador, que também destacou que a não incidência dos tributos sobre receitas de vendas de mercadorias de origem nacional independe se destinadas a pessoas físicas ou jurídicas estabelecidas dentro dos limites geográficos da Zona Franca de Manaus.</p>
<h3>4. Cotas em universidades</h3>
<p>Em 2016, Kassio votou por negar uma apelação interposta por uma mulher, que visava suspender uma resolução da UFBA de 2004, que estabelece reserva de vagas no vestibular para negros e indígenas que tenham estudado em escolas públicas. A mulher alegava que a norma feria o princípio da isonomia, mas o desembargador discordou.</p>
<p>Para o magistrado, a premissa adotada pela UFBA “tem como objetivo promover a igualdade, através da discriminação positiva de pessoas em situação desfavorável e, portanto, vítimas de discriminação e estigma social e a reserva de vagas aos alunos oriundos de escolas públicas tem como fundamento o fato de que a rede pública de ensino fundamental e médio proporciona nível de ensino com qualidade inferior quando comparado à rede privada”.</p>
<p>Já em 2018, declarou irregular ato da Universidade Federal de Mato Grosso que havia cancelado a matrícula de uma jovem no curso de enfermagem pelo sistema de cotas, porque ela não havia se formado em uma escola pública, e sim na Fundação Bradesco, uma instituição filantrópica. Para Kassio Nunes, “tal instituição de ensino, por prestar serviços educacionais gratuitamente, equipara-se a escola pública, ainda que mantida por fundação privada”.</p>
<h3>5. Indígenas</h3>
<p>O desembargador pôde decidir sobre questões indígenas em diversas ocasiões. Em 2015, Nunes votou contra a União e a Fundação Nacional de Saúde ao negar recurso em ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público Federal, na qual o poder público foi condenado a prestar atendimento de saúde e fornecimento de medicamentos às comunidades indígenas da Região do Alto Solimões, no Vale do Javari, com a adoção de diversas providências ordem logística – infraestrutura humana, física e de transporte, bem como a condenação em danos morais coletivos em virtude de grandes índices epidemiológicos e ausência de condições básicas de atenção à saúde indígena.</p>
<p>Neste voto, vencedor, o magistrado diz ser dever do Estado, enquanto poder público, garantir aos cidadãos o fornecimento de medicamentos e/ou tratamentos de saúde necessários à garantia da saúde. Nunes diz que houve ineficiência das ações do poder público, que causaram riscos e prejuízos às comunidades indígenas, e teceu comentários sobre a suposta alegação da União de ingerência do Judiciário no Executivo. Em sua visão, não há ingerência do Judiciário na esfera dos outros Poderes, “visto que lhe cabe a prerrogativa jurídico-constitucional do monopólio da jurisdição e, nessa qualidade, ostenta a atribuição de exercer o controle judicial da legalidade dos atos emanados dos entes públicos”, e por isso “é certo que cabe ao Judiciário assegurar, ao que lhe busca socorro, os direitos previstos em Lei, mormente na Constituição da República, tanto mais aqueles tão caros ao cidadão, como o direito à saúde e à vida”.</p>
<p>Em 2012, a 1ª Turma do TRF1 manteve condenação do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) para conceder salário-maternidade a índias maxakalis e, assim, reconhecer a qualidade de seguradas especiais. Kassio Nunes foi o relator e afirmou, em seu voto, que a proteção à maternidade é um direito social previsto na Constituição e também um dos focos de atendimento da Previdência Social, que busca “assegurar a dignidade da pessoa, tanto da mãe quanto do filho, em período especialmente delicado, diante dos inúmeros cuidados exigidos para a proteção da saúde do novo indivíduo”. Em sua visão, “tal importância se sobreleva quando os afetados pertencem a minorias indígenas, às quais, por serem consideradas mais vulneráveis, a lei atribuiu especial atenção por parte do Estado.”</p>
<h3>6. Covid-19 e interferência do Judiciário</h3>
<p>Nos últimos meses, o desembargador decidiu em alguns pedidos de empresas que visavam o levantamento de depósitos judiciais, em razão da pandemia da Covid-19. O desembargador, porém, negou o acesso a estes recursos em todas as ocasiões. Em maio, ao julgar um pedido da O Boticário, o desembargador negou o pedido e citou Medidas Provisórias editadas em razão da pandemia para exemplificar que “o Governo Federal vem envidando esforços para reduzir os prejuízos causados pela suspensão parcial do comércio”.</p>
<p>O magistrado dedica boa parte de sua argumentação ainda para dizer que a intervenção do Poder Judiciário durante a pandemia “somente se dará em caráter excepcional e quando comprovado que o órgão estatal deixou de cumprir seu papel constitucional de atendimento às necessidades da população ou que as medidas adotadas se mostraram ineficazes ou ineficientes”, e que o “juiz não pode atuar como legislador positivo”. A defesa pela menor interferência possível do Judiciário nas ações relacionadas à pandemia é repetida diversas vezes em decisões nas quais nega acesso aos depósitos e suspensão de cobrança de tributos.</p>
<h3>7. Isenção fiscal ao Sistema S</h3>
<p>Em relação às isenções do Sistema S, o desembargador costuma seguir precedentes do STJ e do STF. Em agosto deste ano, decidiu que o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) tem direito a isenção da Cofins, assim como as outras entidades do Sistema S, pois “são entidades de educação e assistência social, sem fins lucrativos, não integrantes da Administração direta ou indireta, que não podem ser equiparadas, para fins fiscais às entidades empresariais”. Em sua visão, “a isenção fiscal ampla concedida às entidades do denominado sistema ‘S’, pelos arts. 12 e 13 da Lei 2.613/55, também é estendida Senar, dada a natureza do serviço social por ele realizado. Logo, não pode ser compelido ao pagamento da contribuição previdenciária patronal”.</p>
<h3>8. Césio 137</h3>
<p>Em 2018, o desembargador Kassio Nunes Marques acolheu recurso de um casal vítima do césio-137 em Goiânia, contra decisão de primeira instância que havia negado indenização por danos morais e pensão ao homem e a mulher. Na época do acidente, em 1987, a mulher prestava serviços como técnica de enfermagem e atendeu às vítimas que tiveram contato direto com o elemento radioativo sem utilização de qualquer equipamento de proteção. Depois, desenvolveu câncer de endométrio. Já o marido desenvolveu câncer de pele. Na primeira instância, o pedido dos dois foi negado, pois o juiz reconheceu a prescrição da pretensão.</p>
<p>Mas Kassio Nunes Marques, ao relatar o caso, votou (e foi seguido pelos pares na 6ª Turma do TRF1) no sentido de que a pretensão não prescreveu, porque “o dano ambiental decorrente do acidente radiológico com a bomba de césio-137 atingiu centenas de pessoas com a contaminação radiológica do ar, e seus efeitos, anos depois, continuam provocando lesões nas vítimas e fazendo outras novas, restando incabível considerar prescrito, o direito das vítimas a um tratamento médico especializado, se a lesão persiste no presente, e poderá produzir maléficos no futuro”. Além disso, no caso, o câncer só havia se manifestado na mulher em 2004. Por isso, determinou o pagamento de danos morais no valor de R$ 40 mil para cada um, e o pagamento de pensão para a mulher.</p>
<h3>9. Tributário</h3>
<p>No campo tributário, Kassio Nunes costuma seguir os precedentes das Cortes Superiores e dar votos pró-Fisco. A tendência de respeitar os entendimentos de ministros fez, inclusive, o desembargador votar contra a União num caso importante. Em agosto deste ano, ele negou recurso da União relativo ao ISS na base de cálculo da PIS e da Cofins.</p>
<p>A empresa W Pereira Navegação, uma prestadora de serviços e portanto tributada pelo ISS, buscou na Justiça excluir o ISS da base da PIS/Cofins, e logrou êxito na primeira instância. Quando o recurso da União chegou ao TRF1, Kassio Nunes votou por desprovê-lo, aplicando um entendimento do STF análogo ao caso. O TRF1 tem aplicado esse entendimento em diversos casos. Em sua visão, o entendimento do STF sobre a exclusão do ICMS da base da PIS/Cofins se aplica também ao ISS, já que os dois tributos têm a função de transferir o ônus tributário ao consumidor e promover o repasse dos valores aos cofres públicos pelo contribuinte.</p>
<p>Quanto ao direito à compensação dos valores indevidamente recolhidos, Kassio Nunes citou jurisprudência do STJ no sentido de que a lei que rege a compensação tributária é a vigente na data de propositura da ação, ressalvando-se, no entanto, o direito de o contribuinte proceder à compensação dos créditos pela via administrativa em conformidade com as normas posteriores. Nesse sentido, como a ação foi ajuizada na vigência da Lei 10.637/2002, que alterou a redação do art. 74 da Lei 9.430/96, ele entendeu ser possível a compensação</p>
<h3>10. Planos de saúde e empresas públicas</h3>
<p>Em 2017, Kassio Nunes foi relator de uma apelação da SMV Serviços Médicos Ltda, que alegava que não poderia ressarcir o SUS porque a cobrança já estaria prescrita. Para a empresa, como os créditos não são de natureza tributária, portanto o prazo prescricional seria de três anos, e não cinco. Ao votar por negar provimento ao pedido da empresa, Kassio Nunes disse que o STJ tem entendimento no sentido de entender cabível o prazo prescricional de 5 anos previsto no Decreto 20.910/32, e não os prazos do Código Civil, em caso de demanda envolvendo pedido de ressarcimento ao Sistema Único de Saúde. Mais uma vez, Kassio Nunes demonstrou seguir os precedentes do STJ. Seu<br />
entendimento foi vencedor.</p>
<p>Em 2016, o desembargador votou contra uma apelação da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), que buscava reformar sentença de primeira instância que acolheu o pedido de um funcionário para condenar a empresa a custear, em substituição ao plano de saúde vinculado àquela empresa pública, uma cirurgia no ombro, utilizando os materiais requeridos pelo médico que acompanhava o homem. A cirurgia, com os materiais e o médico desejados pelo homem, não era coberta pelo plano. Para a ECT, a Justiça Federal não poderia julgar o caso, que seria de competência da Justiça do Trabalho, e que o médico que testemunhou sobre a necessidade da cirurgia era o cirurgião escolhido pelo funcionário, portanto sua opinião não seria isenta.</p>
<p>Kassio Nunes não acolheu os argumentos da empresa, que negou “o direito de realização do procedimento cirúrgico com o material indicado pelo médico especialista, mesmo com todas as informações pertinentes e relatórios médicos que atestam a segurança e qualidade da cirurgia”. Para Nunes, tratou-se de “negativa do direito à saúde, o bem mais precioso do ser humano, indisponível, à qual a Constituição Federal de 1988 dispensou o status de direito social fundamental”. Por isso, manteve a sentença contra a empresa e a obrigou a custear a cirurgia. Neste caso, mais uma vez, Nunes entendeu que o direito à saúde do cidadão deve prevalecer.</p>


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JOTA

Desembargador costuma respeitar precedentes e defender a mínima interferência do Judiciário nos outros Poderes


O pensamento de Kassio Nunes em 10 temas julgados por ele no TRF1

Kassio Nunes costuma respeitar precedentes do STJ e STF e defender a mínima interferência possível do Judiciário nos outros Poderes