Luciano de Souza Godoy

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Nas últimas duas semanas, temas não faltam – terrorismo na Europa, corrupção no país, acidente ambiental em Minas Gerais, mas o meu olhar se concentra no tema dos jogos de sorte, cassinos e o mito da (total!) legalização no país. Escrevo este texto às vésperas do sorteio de um dos maiores prêmios de loteria no país, o que mereceu nesse sábado a análise em editorial do jornal Folha de São Paulo - FSP.
Enfim, o jogo no Brasil já é legalizado para o Governo, tanto para a União, como para alguns poucos Estados. Menciona o jornal FSP que os jogos de loterias federais repassaram à União em 2014 em torno de 6 bilhões reais, bem mais do que foi arrecadado em todos os Estados do país com o ITCMD – conhecido como imposto sobre heranças e doações.
Além das loterias federais, temos as loterias estaduais e as apostas nos jóqueis clubes legalizadas, além de inúmeros bingos com intuito beneficente, sorteios e apostas. E, ao lado, com um cortina de fumaça, inúmeros meios de jogos considerados ilegais mas que frequentam o dia a dia dos brasileiros – bingos, jogo do bicho, carteados, etc.
O tema é confuso. A ponto da doutrina jurídica apontar que os jogos e apostas podem ser catalogados em três espécies – legalizados, tolerados e proibidos (GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Código civil comentado: doutrina e jurisprudência. Coordenador Cezar Peluso. 20 ed. Barueri, SP : Manole, 2008, p. 840), sendo os tolerados aqueles que significam diversão ao praticante.
Os cassinos foram proibidos no país em 1946 pelo Presidente Dutra e, desde então, por diversas vezes, iniciativas foram retomadas para seu retorno regulamentado.
Agora, em 2015, volta a Câmara dos Deputados a analisar o tema com a <a href="(http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/ECONOMIA/499117-COMISSAO-VAI-ANALISAR-PROJETOS-DE-LEGALIZACAO-DE-BINGOS-E-CASSINOS-NO-BRASIL.html">Comissão Especial do Marco Regulatório dos Jogos no Brasil</a>, basicamente consolidada na tramitação dos Projetos de Lei n. 442 de 1991 <a href="http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1381315&amp;filename=PL+2903/2015">e n. 2903 de 2015</a>.
Vivemos uma farsa com a mencionada proibição do jogo no Brasil. Jogo já é permitido, só que limitado a alguns. Inúmeros brasileiros viajam ao exterior para jogar, deixando dividas fora, gerando empregos e tributos no exterior – Uruguai, Argentina, Estados Unidos, Portugal, França, são alguns dos países com mais recorrência de brasileiros.
No Direito Civil brasileiro, o pacto de jogo já estava previsto no Código Civil de 1916 e permanece presente no atual Código Civil (artigos 814 a 817). É uma obrigação natural, não pode ser cobrada, mas se paga não gera direito à restituição.
Com coerência, o Superior Tribunal de Justiça possui precedentes relevantes que tratam de jogos e apostas:
- Recurso Especial n. 1.406.487/SP, no qual considerou indevido a responsabilidade pelo pagamento de cheque a apostador patológico que empreendeu apostas em bingo, que funcionava por meio de liminar – diferencia jogo legal, tolerado e proibido; a casa de Bingo funcionava com base em decisão liminar, posteriormente cassada, tornando o negócio ilegal; também o Recurso Especial n. 3.565/CE, considera inexigível o cheque dado como garantia de aposta por ser prática intolerável pelo sistema jurídico.
- Recurso Especial n. 1.070.316/SP e Recurso Especial n. 819.482/PR, reconhecem a exigibilidade da cobrança de dívidas oriundas em apostas em cavalos, ratificando o jogo em turfe como aposta legal. Neste segundo caso, a ementa prevê que a “... hipótese em que as corridas de cavalos foram realizadas em estrita conformidade com a legislação pertinente (Lei n. 7.291/84).”
- Recurso Especial n. 822.922/SP, considerou devido a cobrança de cheque sem fundos que serviu de meio de pagamento de aposta; considerou que houve o pagamento da aposta em cheque e, constatado a falta de fundos, não seria agora cobrança de dívida de jogo e sim de cheque.
- Agravo Regimental na Carta Rogatória n. 3.198/US, autorizando o exequatur para a citação no Brasil de uma pessoa cobrada nos Estados Unidos por dívida de jogo; diferenciou-se a autorização para a citação da proibição de cobranças de dívida de jogo no país, sendo que, naquele país, o jogo é permitido e as dívidas podem ser cobradas. Em resumo, da ementa, “Não ofende a soberania do Brasil ou a ordem pública conceder exequatur para citar alguém a se defender contra cobrança de dívida de jogo contraída e exigida em Estado estrangeiro, onde tais pretensões são lícitas.”
Os argumentos contrários à total legalização e fixação dos jogos de sorte no Brasil passam por razões de ideologia e religião, que não possuem este espeço como adequado para sua análise, já que diz respeito à crença individual de cada pessoa. Relevante se mostra o argumento do incentivo à corrupção, à lavagem de dinheiro e à criminalidade organizada, o que, pode ser afastado, por uma eficiente fiscalização a ser gerida no nível federal, custeada pela arrecadação de tributos oriundo da atividade. Sem sombra de dúvida, o resultado para a sociedade é positivo.
A legalização e regulação dos jogos não pode ser afastada pelo argumento excepcional do desvio de conduta, que deve ser combativo e punido.
Está na hora de evoluirmos para o que se tem em boa parte dos países do mundo – a legalização oficial do jogo, regulamentado, como instrumento de desenvolvimento de regiões com potencial turístico, cobrando-se os tributos devidos e gerando empregos, aliás, dois pontos que tanto merecem a atenção dos brasileiros em 2015.
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Luciano de Souza Godoy, 45 anos, Advogado em São Paulo, sócio do PVG Advogados, Professor da FGV Direito SP, ex-Juiz Federal. É mestre e doutor em Direito pela USP e foi Visiting Scholar na Columbia Law School. Email – Luciano.godoy@fgv.br
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JOTA

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