O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, nesta terça-feira (25/7), que o Poder Público faça uma série de ações visando garantir os direitos e a proteção da população em situação de rua do Brasil. Ao Executivo Federal, Moraes deu um prazo de 120 dias para a formulação de um plano de ação e monitoramento para a efetiva implementação da Política Nacional para a População em Situação de Rua. A decisão foi tomada na ADPF 976.
Para isso, a União deve elaborar um diagnóstico atual da população em situação de rua, com identificação do perfil, da procedência e das principais necessidades desse grupo para amparar da melhor forma possível a elaboração de políticas públicas. Além disso, o plano federal deverá criar instrumentos de diagnóstico permanente da população em situação de rua, desenvolver mecanismos para mapear essa população no Censo realizado pelo IBGE e elaborar diretrizes para a intervenção do Poder Público, pautadas no tratamento humanizado e não violento da população em situação de rua, englobando, entre outros, a formação e o treinamento de agentes públicos, bem como as formas de abordagens específicas aos “hiper hipossuficientes”.
Moraes também solicita que o plano contemple programas de capacitação e de sensibilização de agentes públicos das áreas da saúde, assistência social, educação, segurança pública e justiça para atuarem junto à população em situação de rua. Assim como a indicação de possíveis incentivos fiscais para a contratação de trabalhadores em situação de rua, elaboração de programas educacionais e de conscientização pública sobre a aporofobia [medo e rejeição à pobreza], entre outras medidas. Moraes também determina a incorporação na Política Nacional de Habitação das demandas da população em situação de rua.
O poder municipal e distrital também têm um prazo de 120 dias para realizar diagnóstico pormenorizado da situação nos respectivos territórios, com a indicação do quantitativo de pessoas em situação de rua por área geográfica, quantidade e local das vagas de abrigo e de capacidade de fornecimento de alimentação.
Aos poderes estaduais e municipais, Moraes determina a vedação da chamada “arquitetura hostil”, ou seja, a construção de barreiras ao acesso da população em situação de rua a determinados espaços. Além disso, exige que os entes efetivem medidas de segurança pessoal e dos bens das pessoas em situação de rua dentro dos abrigos institucionais existentes; proíbe o recolhimento forçado de bens e pertences, assim como a remoção e o transporte compulsório de pessoas em situação de rua. Também solicita a disponibilização do apoio das vigilâncias sanitárias para garantir abrigo aos animais de pessoas em situação de rua.
Às zeladorias urbanas, o ministro determina a realização periódica de mutirões da cidadania para a regularização de documentação, inscrição em cadastros governamentais e inclusão em políticas públicas existentes e a criação de um programa de enfrentamento e prevenção à violência que atinge a população em situação de rua; entre outras medidas.
A decisão de Moraes se dá em caráter liminar e deverá ser apreciada pelo colegiado para referendo.
Segundo Moraes, em 2009, foi instituída a Política Nacional para a População em Situação de Rua (PNPSR), pelo Decreto 7.053/2009, com o objetivo de determinar princípios, diretrizes e objetivos na atenção à população em situação de rua, porém, até 2020, apenas cinco estados (Distrito Federal, Bahia, Paraná, Rio Grande do Sul e Pernambuco) e 15 municípios (São Paulo (SP), Goiânia (GO), Curitiba (PR), Maceió (AL), Porto Alegre (RS), Florianópolis (SC), Rio Branco (AC), Uberaba (MG), Recife (PE), Passos (MG), Novo Hamburgo (RS), Foz do Iguaçu (PR), Serra (ES), Juiz de Fora (MG), Fortaleza (CE) aderiram à política nacional. “Portanto, em 12 anos, a política ainda não conta com a adesão da grande maioria dos entes federativos descentralizados”, escreveu o ministro.
“A despeito desse comando e passados mais de 13 anos desde a edição do Decreto que instituiu a Política Nacional para a População em Situação de Rua, os objetivos ainda não foram alcançados. Esse grupo social permanece ignorado pelo Estado, pelas políticas públicas e pelas ações de assistência social. Em consequência, a existência de milhares de brasileiros está para além da marginalização, beirando a invisibilidade”, segue o ministro.
De acordo com dados trazidos na decisão, houve um aumento de 140% na população em situação de rua em todo o país, um total de 221.869 pessoas
“O IPEA afirma haver crescimento de 211% na população em situação de rua, na última década (2012 a 2022), porcentagem bastante desproporcional ao aumento de 11% da população brasileira em período similar (2011 a 2021), segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)”. No entanto, Moraes pondera que nessa estatística não está incluída a parte mais marginalizada da população em situação de rua, ou seja, aquela que não se beneficia de qualquer prestação assistencial do Estado ou, ainda, aquela que sequer tem documentos de identificação. Uma vez que os dados do Ipea se baseiam nos cadastros de programas sociais.
A ação
A ação foi proposta pelos partidos Rede Sustentabilidade, PSol e pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) em face do “estado de coisas inconstitucional concernente às condições desumanas de vida da população em situação de rua no Brasil”.
Os autores apontam que recorrentes omissões estruturais dos poderes Executivo e do Legislativo, têm gerado violações a preceitos fundamentais como o direito social à saúde, o direito fundamental à vida, o direito fundamental à igualdade, à dignidade da pessoa humana, o direito social à moradia e o objetivo fundamental da República Federativa de construir uma sociedade justa e solidária.
Em novembro de 2022, Moraes realizou uma audiência pública sobre o tema com diversos expositores.