Ao autorizar a operação da Polícia Federal que atinge o ex-presidente Jair Bolsonaro, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal (STF) avaliou que “há vasto relato de complexa e coordenada atuação de organização criminosa”, na qual membros do governo anterior “estipulavam estratégias de subversão da ordem jurídico-constitucional e adoção de medidas extremas que culminaram na decretação de um Golpe de Estado, tudo a fim de assegurar a permanência no poder do então presidente” Bolsonaro.
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De acordo com a Polícia Federal, o então assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Filipe Garcia Martins Pereira, levou a Bolsonaro em novembro de 2022 uma minuta de golpe que decretava a prisão de diversas autoridades, entre as quais os ministros do STF Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, além do presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco.
Bolsonaro, então, teria solicitado que a minuta fosse alterada e que só Moraes fosse preso. Após a apresentação da nova minuta modificada, Bolsonaro teria concordado com os termos do golpe e convocado uma reunião com os Comandantes das Forças Militares para apresentar a minuta e pressioná-los a aderirem ao Golpe de Estado. Leia a íntegra da decisão de Moraes, a íntegra da decisão sobre o aditamento da PF e a manifestação da PGR sobre as investigações.
A colaboração de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, foi importante para o andamento da investigação. Cid, por exemplo, confirmou que o então comandante da Marinha, o almirante Almir Garnier, em reunião com o então presidente Jair Bolsonaro, concordou com o golpe de Estado e colocou suas tropas à disposição.
Diálogos mantidos entre Mauro Cid e Bernardo Romão Correa Neto apontavam que o general Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira também teria concordado em executar as medidas que culminariam na consumação do golpe de Estado, desde que Jair Bolsonaro assinasse o decreto de golpe, embora o ato golpista não tivesse apoio do general Freire Gomes, então comandante do Exército.
Em um troca de mensagens entre Braga Netto e o capitão reformado do Exército Ailton Barros em um grupo de WhatsApp chamado “FE” (Forças Especiais), o general Freire Gomes é chamado de “cagão” por não apoiar a tentativa de golpe. Assim diz a mensagem de Braga Netto: “Meu amigo, infelizmente tenho que dizer que a culpa pelo que está acontecendo e acontecerá é do Gen Freire Gomes. Omissão e indecisão não cabem a um combatente”.
Em resposta, Ailton Barros sugeriu continuar a pressionar o general Freire Gomes e caso ele insistisse em não aderir ao golpe de Estado afirmou “vamos oferecer a cabeça dele aos leões”. Braga Netto concorda e dá a ordem: “Oferece a cabeça dele. Cagão”. O candidato à vice-Presidência envia outra mensagem a Ailton Barros orientando-o a atacar o tenente-Brigadeiro Baptista Júnior, ex-comandante da Força Aérea Brasileira (FAB) a quem adjetivou de “Traidor da pátria”, e elogiar o Almirante-de-Esquadra Almir Garnier Santos, então comandante da Marinha.
Alvo da operação, Bolsonaro entregou o passaporte para a Polícia Federal. Marcelo Câmara, ex-assessor de Bolsonaro, e Filipe Martins, ex-assessor para Assuntos Internacionais foram presos.
A organização do golpe, de acordo com a PF
De acordo com a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República (PGR) havia uma divisão das tarefas executadas para se chegar ao golpe de Estado.
Ainda segundo as investigações, embora a atuação da organização tenha se acentuado ao longo do ano de 2022, é certo que, desde 2019, já haviam condutas de integrantes do grupo direcionadas a propagar a ideia de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação.
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A divisão de tarefas se dava em seis núcleos:
1 – Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral: visava a produção, divulgação e amplificação de notícias falsas quanto a lisura das eleições presidenciais de 2022. A finalidade era estimular seguidores a permanecerem na frente de quartéis e instalações das Forças Armadas, no intuito de criar o ambiente propício para o golpe de Estado.
Compõem esse núcleo: Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; os militares Ângelo Martins Denicoli, Hélio Ferreira Lima, Guilherme Marques Almeida e Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros; o empresário argentino Fernando Cerimedo; Eder Lindsay Magalhães Balbino, CEO de uma empresa de tecnologia que teria ajudado a montar falso dossiê apontando fraude nas urnas eletrônicas; e Tércio Arnaud Tomaz, assessor de Bolsonaro.
2- Núcleo Responsável por Incitar Militares à aderirem ao Golpe de Estado: esse grupo escolhia pessoas para potencializar e difundir ataques pessoais contra militares em posição de comando que resistiam às investidas golpistas. Os ataques eram realizados a partir da difusão em múltiplos canais e através de influenciadores em posição de autoridade perante a “audiência” militar.
Compõem esse núcleo: Braga Netto, ex-candidato a vice-presidência da República na chapa de Jair Bolsonaro; os militares Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, Ailton Gonçalves Moraes Barros, Bernardo Romão Corrêa Netto e o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid.
3- Núcleo Jurídico: esse grupo assessorava e elaborava as minutas de decretos com fundamentação jurídica e doutrinária que atendessem aos interesses golpistas do grupo investigado.
Compõem esse núcleo: Mauro Cid, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; ex-assessor de Bolsonaro, Filipe Garcia Martins Pereira; o advogado Amauri Feres Saad e o padre José Eduardo de Oliveira e Silva.
4- Núcleo Operacional de Apoio às Ações Golpistas: sob a coordenação de Mauro Cid e Bolsonaro, esse grupo realizava reuniões de planejamento e execução de medidas no sentido para manter as manifestações em frente aos quartéis militares, incluindo a mobilização, logística e financiamento de militares das forças especiais em Brasília.
Compõem o núcleo: Os militares Bernardo Romão Corrêa Netto, Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros, Hélio Ferreira Lima, Rafael Martins de Oliveira, Cleverson Ney Magalhães e Alex de Araújo Rodrigues.
5 – Núcleo de Inteligência Paralela; a função deste grupo foi a de coletar dados e informações para auxiliar a tomada de decisões do então presidente da República Jair Bolsonaro na consumação do Golpe de Estado. Cabia a esse grupo o monitoramento do itinerário, deslocamento e localização do ministro do STF Alexandre de Moraes e de outras autoridades da República com objetivo de captura e detenção quando da assinatura do decreto de golpe de Estado.
Compõem esse núcleo: O ex-ministro de Estado Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, Augusto Heleno; o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid e Marcelo Costa Câmara, coronel da reserva citado em investigações como a dos presentes oficiais comercializados durante a gestão de Bolsonaro e a das fraudes nos cartões de vacina da família do ex-presidente.
6- Núcleo de Oficiais de Alta Patente com Influência e Apoio a Outros Núcleos: os integrantes deste núcleo usavam da alta patente militar para influenciar e incitar apoio aos demais núcleos de atuação por meio do endosso de ações e medidas a serem adotadas para consumação do golpe de Estado.
Compõem esse núcleo: Braga Netto, ex-candidato a vice-presidência da República na chapa de Jair Bolsonaro; Almir Garnier Santos, Mário Fernandes, Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira, Laércio Vergílio e o ex-ministro da defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
Partido Liberal foi usado para instrumentalizar ações
Com o avanço das investigações, a Polícia Federal identificou a instrumentalização do Partido Liberal para endossar a narrativa do ex-presidente de fraude nas urnas, de modo a legitimar as manifestações que ocorriam em frente aos QGs do Exército.
O partido foi usado para contratar o Instituto Voto Legal (IVL) para fazer a auditoria acerca do funcionamento das urnas eletrônicas do pleito eleitoral de 2022. Tal estudo falsamente comprovaria fraude nas eleições e foi usado para fundamentar a ação judicial que pediu para que fossem anulados os votos computados pelas urnas fabricadas antes de 2020.
De acordo com as investigações, o presidente do Partido Liberal, Valdemar Costa Neto, teve papel central nesse processo. “Dentro da divisão de tarefas estabelecidas pelo Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral, coube ao então presidente do Partido Liberal, Valdemar Costa Neto, financiar, divulgar perante a imprensa e endossar a ação judicial que corroborava a atuação da rede de ‘especialistas’ que subsidiaram ‘estudos técnicos’ que comprovariam supostas fraudes nas eleições presidenciais de 2022”.
Costa Neto acabou sendo preso em flagrante pela Polícia Federal (PF) nesta quinta-feira (8/2), durante a operação de busca e apreensão, porque foi encontrada uma arma de fogo em situação irregular e em nome de terceiros na casa do presidente do PL.
Quanto à investigação, de acordo com a PF, “os investigados atuaram de forma coordenada, em unidade de desígnios, para desacreditar o sistema eletrônico de votação que regia as eleições presidenciais de 2022, utilizando-se de diversos meios, proclamados como ‘técnicos’ para gerar a formação de uma primeira impressão”.
Um dos exemplos mencionados pela PF para demonstrar a integração do grupo é um áudio de, gravado em 8 de novembro de 2022 endereçado ao comandante do Exército general Freire Gomes, em que Mauro Cid fala a respeito de uma conversa que manteve com o ex-presidente e que ele (Jair Bolsonaro) ‘não quis pressionar o Valdemar’, sobre ‘(…) aquele outro relatório do IVL que deve estar saindo também’. A PF também pontua que “os ‘especialistas’ contratados pelo Partido Liberal, supostamente independentes, possuíam, na verdade, vinculações com o argentino Fernando Cerimedo e o major da reserva Angelo Martins Denicoli”.