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Marco temporal: Quem ocupou terra de boa-fé tem direito a indenização, decide STF

Ministros fixaram tese de repercussão geral, enquanto Senado aprovou PL para que marco temporal seja observado

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Indígenas acompanham o julgamento do marco temporal, a questão é objeto do Recurso Extraordinário (RE) 1017365, com repercussão geral (Tema 1.031) / Crédito: Carlos Moura/SCO/STF.

Nesta quarta-feira (27/9), na última sessão de julgamentos da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, a Corte fixou tese segundo a qual o direito de povos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal. Os ministros também decidiram que cabe indenização prévia pelas benfeitorias e pela terra a quem ocupou de boa-fé esses territórios.

A decisão foi proferida no RE 1.017.365 (Tema 1.031 da repercussão geral). O processo de fixação da tese tomou quase toda a sessão plenária desta quarta, enquanto o Senado corria para aprovar o projeto de lei (PL 2903/23) que vai na contramão do entendimento da Corte.

Ao final, a tese fixada no RE 1.017.365 incorporou sugestões de vários ministros e foi aprovada à unanimidade. O texto aprovado é o seguinte:

“1. A demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena;

2. A posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos indígenas, das utilizadas para suas atividades produtivas, das imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e das necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, nos termos do §1º do artigo 231 do texto constitucional;

3. A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição;

4. Existindo ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho contemporâneo à promulgação da Constituição Federal, aplica-se o regime indenizatório relativo às benfeitorias úteis e necessárias previsto no § 6º do art. 231 da CF/88;

5. Ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da Constituição Federal ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis, pela União, e, quando inviável o reassentamento dos particulares, caberá a eles indenização, pela União, com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área correspondente ao valor da terra nua paga em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário, e processado em autos apartados do procedimento de demarcação, com o pagamento imediato da parte incontroversa, garantido o direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso, permitidos a autocomposição e o regime do art. 37, § 6º, da CF/88;

6. Descabe indenização em casos já pacificados, decorrentes de terras indígenas já reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, ressalvados os casos judicializados e em andamento;

7. É dever da União efetivar o procedimento demarcatório das terras indígenas, sendo admitida a formação de áreas reservadas somente diante da absoluta impossibilidade de concretização da ordem constitucional de marcação, devendo ser ouvida, em todo caso, a comunidade indígena, buscando se necessário a autocomposição entre os respectivos entes federativos para a identificação das terras necessárias à formação das áreas reservadas, tendo sempre em vista a busca do interesse público e a paz social, bem como a proporcional compensação às comunidades indígenas (artigo 16.4 da Convenção 169 da OIT);

8. A instauração de procedimento de redimensionamento de terra indígena não é vedada em caso de descumprimento dos elementos contidos no artigo 231 da Constituição da República, por meio de procedimento demarcatório até o prazo de 5 (cinco) anos da demarcação anterior, sendo necessário comprovar grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da terra indígena, ressalvadas as ações judiciais em curso e os pedidos de revisão já instaurados até a data de conclusão deste julgamento;

9. O laudo antropológico realizado nos termos do Decreto nº1.775/1996 é um dos elementos fundamentais para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade indígena determinada, de acordo com seus usos, costumes e tradições e observado o devido processo administrativo;

10. As terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes;

11. As terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis;

12. A ocupação tradicional das terras indígenas é compatível com a tutela constitucional do meio ambiente, sendo assegurados o exercício das atividades tradicionais dos povos indígenas;

13. Os povos indígenas possuem capacidade civil e postulatória, sendo partes legítimas nos processos em que discutidos seus interesses, sem prejuízo, nos termos da lei, da legitimidade concorrente da FUNAI e da intervenção do Ministério Público como fiscal da lei.”