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STF

Marco Aurélio vê estado de coisas inconstitucional na condução da pandemia

Julgamento de ação que questiona atuação do governo para conter a Covid-19 foi interrompido por vista de Gilmar Mendes

Hyndara Freitas
25/06/2021|09:38|Brasília
Atualizado em 25/06/2021 às 11:18
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Ministro Marco Aurélio durante sessão plenária por videoconferência / Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF

O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou para declarar o estado de coisas inconstitucional na condução das políticas públicas destinadas à realização dos direitos à vida e à saúde, considerada a pandemia Covid-19.

O ministro vota ainda para determinar que os estados e municípios, sob a coordenação do Executivo federal, implementem medidas como a análise diária dos impactos na redução de casos, taxas de ocupação de leitos hospitalares e óbitos; façam campanha educativa e distribuição de máscaras; comuniquem a população para que permaneça o maior tempo possível em casa e apoiem grupos em situação de vulnerabilidade.

O voto do ministro foi proferido na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 822, ação ajuizada por entidades trabalhistas, que pedem o reconhecimento da inconstitucionalidade da atuação do poder público na pandemia e pedem a decretação de lockdown imediato e a continuidade da vigência de lei de 2020 que instituiu o auxílio-emergencial. Estes últimos dois pedido foram negados por Marco Aurélio.

O caso começou a ser apreciado no plenário virtual nesta sexta-feira (25/6), mas o julgamento foi interrompido por um pedido de vista de Gilmar Mendes.

Em seu voto, Marco Aurélio cita diversos casos relacionados à pandemia da Covid-19 julgados pelo Supremo e afirma que a Constituição prevê que deve ser garantida a dignidade da pessoa humana e a proteção à saúde e a vida dos cidadãos. Por isso, para o ministro, "não basta abster-se em prol da autodeterminação do cidadão", pois "prevalece o sistema intervencionista quanto à satisfação das necessidades básicas".

Nesse campo, entende o ministro, o Judiciário, em diferentes instâncias, vem proferindo decisões a envolverem políticas públicas. "Nada obstante os preceitos fundamentais e incontáveis normas legais, a realidade mostra as mazelas brasileiras. Chega-se com pesar à conclusão de a ineficiência na prestação de serviços básicos, decorrente de ações e omissões do Poder Público, resultar na violação de direitos fundamentais, com perpetuação e agravamento da situação", aponta.

"O colapso do sistema de saúde provém da redução dos investimentos, do mau gerenciamento de recursos e bens, da falta de manutenção de hospitais e equipamentos, da não valorização dos profissionais. É hora de perceber que a Constituição Federal precisa ser observada tal como se contém. Respeitar os direitos implica proteger o cidadão de forma integral", diz Marco Aurélio.

O ministro argumenta que a atuação do STF não pode ser "mecânica e repetitiva" nas interpretações constitucionais, porque esta interpretação precisa se relacionar com a realidade. Para o relator, é preciso adotar postura de autocontenção, mas ante a deficiência da prestação de serviços públicos de saúde durante a pandemia da Covid-19, deve o Judiciário pronunciar-se, "minimizando os riscos das incertezas, prestigiando valores caros aos cidadãos, sob pena de negar o acesso à Justiça e a efetividade da prestação jurisdicional".

Marco Aurélio afirma que "a quadra atual de ofensa aos direitos à vida e à saúde é agravada em razão de ações e omissões do Governo Federal, sobressaindo a inércia, o atraso na aquisição de vacinas, a reiterada e persistente omissão de autoridades públicas na observância de medidas envolvendo o uso de máscara e o distanciamento social e a disseminação de inverdades relacionadas ao tratamento da doença".

O decano entende que houve violação do mínimo existencial, "exemplificado no atraso da aquisição de vacinas e no colapso dos sistemas sanitário e funerário no Estado do Amazonas".

Ainda que tenha havia empenho, pelo Governo Federal, de forças e verbas públicas direcionadas no âmbito da saúde pública e da economia, "a responsabilidade é sistêmica", diz o ministro. "Executivo e Legislativo, titulares do condomínio legislativo sobre as matérias relacionadas, não se comunicam. As políticas públicas em vigor mostram-se incapazes de reverter o quadro de inconstitucionalidades".

Apesar de reconhecer as falhas do governo na condução da pandemia, o ministro nega o pedido para decretação de lockdown, por entender que é atribuição exclusiva do Executivo e Legislativo. Marco Aurélio destaca que "há consenso das comunidades científicas nacional e internacional" quanto à necessidade de medidas como a redução de circulação de pessoas, o distanciamento social e o uso de máscara. "Todavia, a despeito das cifras, os fundamentos jurídicos, econômicos e científicos apresentados não permitem que o Supremo se substitua ao Legislativo e ao Executivo na execução de tarefas próprias", pondera.

Ao fim, dá parcial procedência à ADPF para declarar o estado de coisas inconstitucional na condução das políticas públicas destinadas à realização dos direitos à vida e à saúde, considerada a pandemia Covid-19.

E determina aos entes federados, sob a coordenação do Executivo federal, que implementem:

  • análise diária dos impactos na redução de casos, taxas de ocupação de leitos hospitalares e óbitos;
  • campanha educativa e distribuição, em áreas de concentração populacional e baixo percentual de adesão à utilização, de máscaras de pano multicamadas;
  • orientação para a adoção de providências de bloqueio:
  • comunicação à população para que permaneça o maior tempo possível em casa, sem se deslocar, fazendo-o apenas ante necessidade extrema; e
  • apoio aos grupos em situação de vulnerabilidade, havendo participação da comunidade.
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