Ana Pompeu

Hyndara Freitas

Luiz Orlando Carneiro

O Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf" target="_blank" rel="noopener noreferrer">STF</a>) formou maioria de seis votos, nesta quinta-feira (22/4), para manter a decisão da 2ª Turma que reconheceu a suspeição do ex-juiz Sergio Moro no julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no caso do tríplex do Guarujá.
Até o momento, os ministros Gilmar Mendes, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Cármen Lúcia votaram por não referendar trecho da decisão do ministro Edson Fachin que havia declarado a perda de objeto do habeas corpus em que Lula pedia a suspeição. Já Fachin e Luís Roberto Barroso votaram para anular o julgamento da 2ª Turma que declarou a suspeição de Moro.
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A maioria dos ministros entendeu que, como a 2ª Turma já julgou o caso, a decisão do colegiado se sobrepõe à do relator. O plenário não está julgando o mérito e definindo se Moro foi ou não parcial. Apenas decide se a 2ª Turma poderia ter julgado o processo após o relator determinar que o caso não deveria mais ser analisado.
O plenário julga um agravo da defesa de Lula que questiona trecho da decisão de Fachin que, ao declarar a 13ª Vara Federal de Curitiba incompetente para julgar as ações penais contra Lula, determinou a perda de objeto do HC que pedia a suspeição de Moro.
O ministro Luiz Edson Fachin reiterou seus argumentos no sentido da perda de objeto do HC da suspeição de Moro, mesmo depois de a 2ª Turma já ter julgado o caso. “Entendo que, como efeito da definição da incompetência do juízo, fica esvaziada a aferição da imparcialidade subjetiva do magistrado investido de jurisdição no juízo declarado incompetente”, afirmou.
Fachin ainda explicou que o fato da defesa de Lula ter impetrado primeiro o HC em que pedia a suspeição e só depois o HC em que alegava a incompetência de Curitiba não vincula o Supremo sobre o que decidir primeiro.
Ele destacou: “entendo que o prejuízo, neste plano, é o fator determinante. E, assim, a partir da declaração de incompetência da 13ª Vara Federal ao processo e julgamento das ações penais deflagradas em desfavor do paciente, as demais pretensões deduzidas perante o STF entendo que perderam seu objeto em razão do superveniente prejuízo”.
Na sequência, o ministro Gilmar Mendes pediu para antecipar o voto. Isso porque a discussão já ocorreu na 2ª Turma e para evitar, segundo ele, que submetesse uma questão de ordem ao plenário. “Tivemos sucessivas modificações entre a Turma e o plenário, aquilo que chamei de zigue-zague ou andar trôpego deste HC”, disse.
Para ele, a jurisdição da 2ª Turma não pode ser esvaziada para analisar a matéria sobre a suspeição. “Acho que é honesto e leal lembrar que em 2018, quando se iniciou o julgamento deste caso, eu propus que o HC fosse afetado ao plenário e por 3x2 a Turma deliberou no sentido de manter o julgamento na Turma, com os votos de Fachin, Cármen e Celso. Isto foi deliberado. Não fica bem essa história, uma subversão processual desta ordem. Não é decente.”
Gilmar Mendes defendeu que a arguição de suspeição precede qualquer outra, salvo quando fundada em motivo superveniente. "Ademais, o reconhecimento da suspeição acarreta maior e mais grave impacto aos atos processuais em relação à incompetência", disse.
Segundo ele, quando há o reconhecimento da incompetência, a Corte costuma adotar posição de que os atos instrutórios e até decisórios podem ser ratificados e mantidos no processo. Contudo, em relação à suspeição, o cenário é outro. "Julgada procedente a suspeição ficarão nulos os atos do processo principal, pagando o juiz as custas em caso de erro inescusável. Na doutrina, afirma-se que a suspeição for julgada procedente, todos os atos do processo, e não apenas os decisórios, serão nulos."
A ordem de julgamento usual foi retomada e o ministro Nunes Marques votou, seguindo a divergência aberta antecipadamente por Mendes. Ele manteve voto que já havia dado na 2ª Turma, quando endossou a corrente pela continuidade do julgamento do HC da suspeição de Moro por aquele colegiado. O ministro entendeu que a declaração de incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba não esvaziou o objeto do HC 164.493, "porquanto nos habeas corpus não há identidade de objeto".
"Este que ora examinamos versa sobre incompetência do juízo, que ao máximo terá como consequência além do deslocamento do feito para outros juízos, a nulidade dos atos decisórios, mantendo-se válidas as provas e despachos de mero expediente. Já o HC 164.493, que é mais abrangente, cuida-se de reconhecimento de suspeição do julgador cuja consequência é a nulidade não só dos atos decisórios, mas de algumas provas e atos do processo proferidos pelo juiz contra o qual se alega a suspeição”, falou.
Alexandre de Moraes, por outro lado, dividiu a questão em duas. A primeira delas seria definir se o plenário pode rever uma decisão já finalizada, de mérito, da Turma. "Quanto a isso, entendo que não. Não estamos a falar inicialmente se houve suspeição ou não", disse, acrescentando entender, assim, prejudicado o agravo regimental. Caso ficasse vencido, retomaria a palavra. O presidente Luiz Fux, no entanto, para computar o voto, quis confirmar o voto do ministro, no que ele adiantou acompanhar, na íntegra, Gilmar Mendes.
"Ao permitimos que o plenário reanalisasse uma sessão já realizada pela Turma, fora dos casos regimentais, estaríamos subvertendo a própria ordem regimental. O plenário é soberano. Não há hipótese de revisão prevista por monocrática", disse Moraes. Ele retomou a ordem cronológica dos casos no STF, lembrando que a decisão da incompetência, monocrática, se estendeu para o HC da suspeição, que já estava em julgamento pelo colegiado da 2ª Turma e foi concluído em seguida.
O ministro Luís Roberto Barroso acompanhou o relator, Fachin. Em um voto longo, com uma abertura em que discursou sobre o que chama de problema da corrupção sistêmica no Brasil. Antes, ainda, ele ressaltou que não leu os processos de Lula, nem as peças da acusação nem as da defesa, já que tramitam na 2ª Turma. "Processo penal para mim orbita em torno de provas. Tem prova ou não tem prova, como tem que ser", disse.
O ministro comentou, pela primeira vez, as mensagens trocadas pelos integrantes da Lava Jato, hackeadas e apreendidas pela Operação Spoofing. “A partir da invasão criminosa de privacidade, passou-se a vazar a conta-gotas cada fragmento do produto do crime do hackeamento para que os corruptos se apresentassem como vítimas", disse.
Barroso continua, chamando o conteúdo das mensagens de pecadilhos: "E claro, nas conversas privadas, ilicitamente divulgadas, encontraram pecadilhos, fragilidades humanas, maledicências e, num show de hipocrisia, muitos se mostraram horrorizados com aquilo a que indevidamente tiveram acesso, gente cuja a reputação não resistiria a meia hora de vazamento de suas conversas privadas."
O ministro entende que "não vazou a existência de prova fabricada, falsificada, ou do propósito de se condenar alguém mesmo sem prova alguma". Outro ponto relevante, para ele, é que o vazamento mostrou que juiz e membros do MP conversavam. O que, de acordo com ele, acontece diariamente em todas as comarcas do Brasil.
Sobre o caso posto, ele afirmou que a questão é de conflito de competência. Ele lembrou que o HC da suspeição "reapareceu" dois anos e três meses depois, no dia seguinte da decisão de Fachin, em referência a retomada do caso depois do pedido de vista de Gilmar Mendes.
"O relator achava que ele era o competente para extinguir, e a turma achava que não, que devia continuar. Quando surge um conflito positivo de competência, a solução correta não é um dos órgãos julgadores ignorar o outro, mas sim submeter-se o conflito ao órgão competente para dirimi-lo. É assim que nós fazemos sempre. No caso, o conflito entre dois órgãos internos do Supremo, só pode ser dirimido pelo plenário. Por esta primeira razão, considero que o julgamento da suspeição pela 2ª Turma, ignorando a decisão do relator, entendo que é completamente nulo, após o relator, que conduz o processo, extinguir o processo. Um órgão que não é hierarquicamente superior não pode ignorar o relator."
O presidente Luiz Fux tentou encerrar a sessão, mas o ministro Ricardo Lewandowski pediu para adiantar o voto e outos colegas preferiram fazê-lo também. Logo depois, Dias Toffoli e Cármen Lúcia acompanharam a divergência aberta por Gilmar Mendes.
Lewandowski também defendeu o decidido pela 2a Turma. “A legislação é extremamente clara. A prejudicialidade tem precedência sobre qualquer outro vício porque é mais abrangente”, afirmou.
Em um debate direto com o ministro Barroso, afirmou que as mensagens da Spoofing não são meros pecadilhos. Além disso, enfatizou que ir contra o modus operandi da Lava Jato, como disse, não é ser favorável à corrupção.
“A corrupção é um mal a ser erradicado entre nós e de forma definitiva, porque tanto mal causa ao progresso da nação. Isso é evidente. E não quero deixar a impressão de que os que votaram a favor da suspeição do ex-juiz Sergio Moro são coniventes com a corrupção.”
No momento, Barroso questionou: “Vossa Excelência acha que o problema então foi o enfrentamento à corrupção, e não a corrupção?”. Lewandowski rebateu: “Vossa Excelência sempre quer trazer à colação, à baila a questão da corrupção, como aqueles que estivessem contra o modus operandi da Lava Jato fossem favoráveis à corrupção. Mas o modus operandi da Lava-Jato levou a conduções coercitivas, a prisões preventivas alongadas, ameaças a familiares, prisão em segunda instância, além de outras atitudes a meu ver incompatíveis com o Estado democrático de Direito”, enumerou.
Toffoli afirmou que, assim como cada um dos ministros decidem monocraticamente e, ainda assim, estão representando o STF, da mesma forma a Turma também fala pela Corte.
“Vejam, a turma decidiu, por 4x1, dar continuidade ao HC, e, depois, por 3x2, deu provimento no mérito. O que entendo eu? Entendo que as questões estão colocadas em habeas corpus diferentes e por isso nem seria necessário um agravo da defesa, que eu entendo prejudicado, tal como fez o ministro Alexandre de Moraes”, disse.
Para o ministro, a discussão era, inclusive, desnecessária. “O julgamento é da defesa, a defesa já tem um provimento favorável no âmbito da 2ª Turma, entendo absolutamente prejudicado o presente agravo regimental, porque ele é desnecessário, porque já houve uma decisão em nome da Corte pela 2ª Turma.”
Rosa Weber acompanhou a maioria já formada: “O objeto da pretensão deduzida no HC 164.493 e a solução que lhe foi emprestada pela egrégia 2a turma, evidencia, na minha visão, a utilidade de que se reveste ao paciente, a afastar o fundamento da perda do objeto.”
A ministra entendeu que o princípio do juiz natural defende os jurisdicionados de eventuais parcialidades, mas gera efeitos mais amplos. “Nesta medida, estando a pretensão contida no HC apta a produzir efeitos jurídicos mais alargados e, portanto, mais benéficos ao paciente, reputo que não há a falar em completo esvaziamento do objeto daquele writ”, explicou.
Segundo a ministra, ao juiz que forem distribuídos os quatro processos contra Lula caberá decidir sobre o recebimento da denúncia e, ainda, acerca da possibilidade de convalidação dos atos instrutórios. “Ora, eventual convalidação dos atos instrutórios perpassa a questão da suspeição, também informada no princípio do juiz natural.”
A decisão de Fachin no HC 193.726 foi alvo de três agravos: dois da defesa de Lula, um da Procuradoria-Geral da República (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/pgr" target="_blank" rel="noopener noreferrer">PGR</a>). Na semana passada, os recursos começaram a ser apreciados, em um julgamento dividido em três partes. No dia 14 de abril, foi decidido que o plenário iria apreciar o caso, e não a 2ª Turma. A defesa de Lula havia questionado a opção de Fachin de afetar o caso ao plenário, argumentando que a Turma era quem tinha competência para a análise.
Já em 15 de abril, os ministros julgaram agravo da PGR contra a decisão de Fachin sobre a incompetência de Curitiba. <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-mantem-decisao-que-anulou-condenacoes-de-lula-15042021" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Por oito votos a três, foi confirmada a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba</a>.
<h3>Suspeição de Moro na 2ª Turma</h3>
Em 8 de março, o ministro Edson Fachin<a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/lula-08032021" target="_blank" rel="noopener noreferrer"> decidiu que a 13ª Vara Federal de Curitiba é incompetente para julgar as ações de Lula</a>. Por isso, determinou a nulidade de todas as decisões praticadas nas ações penais do triplex do Guarujá, do Sítio de Atibaia e dois casos envolvendo o Instituto Lula.
Na mesma decisão, declarou a perda de objeto de dezenas de HCs de Lula que tramitam no Supremo, entre eles o que discutia a suspeição de Moro. Em reação, o ministro Gilmar Mendes – que estava com vista do HC da suspeição – pautou o caso para julgamento. A 2ª Turma deliberou, por quatro votos a um, que como o julgamento deste habeas corpus já havia sido iniciado, o relator não poderia declarar sua perda de objeto sem anuência do colegiado.
O julgamento foi concluído em 23 de março com o veredito: <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/2a-turma-do-stf-declara-suspeicao-de-moro-em-processo-de-lula-23032021" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Moro foi parcial em relação a Lula </a>e todos os seus atos no caso do triplex, inclusive os pré-processuais, deveriam ser anulados. Votaram pela suspeição os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia – em 2018, a ministra havia votado por negar o HC, mas mudou o voto. Do outro lado, os ministros Edson Fachin e Nunes Marques votaram por não admitir o habeas corpus.
A decisão sobre a suspeição anulou os atos de Moro apenas no caso do triplex, mas a defesa de Lula já pediu a extensão para outros casos em que Moro atuou, o do sítio de Atibaia e do terreno do Instituto Lula. Nestes dois últimos, Moro não sentenciou, mas instruiu os processos. O ex-presidente ficou preso por 580 dias, entre 7 de abril de 2018 e 8 de novembro de 2019, e ficou inelegível para as eleições de 2018.

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JOTA

Ministros entenderam que decisão sobre incompetência de Moro para julgar Lula não impede julgamento de suspeição

Maioria do STF mantém decisão que declarou Moro suspeito para julgar caso de Lula

Plenário já tem seis votos para manter decisão da 2ª Turma que declarou a suspeição de Moro no caso do triplex do Guarujá