Luis Viviani

A dois dias do julgamento do HC do ex-presidente Lula pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), que pode mudar a orientação sobre execução provisória da pena após condenação em segunda instância, o ministro Luís Roberto Barroso explicou, na noite de segunda-feira (2/4), o que considera ser os papéis das cortes constitucionais na atualidade: contramajoritário, representativo da sociedade e iluminista.
Ao participar do lançamento do livro “A razão sem voto: diálogos constitucionais com Luís Roberto Barroso”, organizado pelos professores da FGV Oscar Vilhena Vieira e Rubens Glezer, em São Paulo, o ministro afirmou também que o Poder Judiciário teve uma ascensão que tornou o juiz coparticipante da construção do Direito, em decorrência da  incapacidade do legislador em prever problemas complexos de uma sociedade pluralista. 
Mudanças de paradigma
De acordo com o ministro, houve uma mudança de paradigma no século XX que transformou o modo que se pratica o Direito Constitucional no mundo. Luís Roberto Barroso afirma que vivemos uma supremacia da Constituição interpretada por uma corte, o que ocasionou uma ascensão do Judiciário.
“As duas primeiras constituições, dos EUA e da França, deram origem a dois modelos de constitucionalismo: o americano, em que vigorava ideia de supremacia da constituição tal como interpretada pelo Poder Judiciário e o europeu, com a ideia de supremacia da lei, interpretada pelo Parlamento”, disse. 
Segundo Luís Roberto Barroso, após a Segunda Guerra Mundial prevaleceu o modelo americano, com o Estado Constitucional de Direito substituindo o Estado Legislativo de Direito. Dessa forma, a Constituição passa para o centro do sistema, e o Código Civil é deslocado e são criados tribunais constitucionais. O Brasil só entra nesse novo paradigma a partir de 1988. 
“Simultaneamente acontece no mundo ascensão institucional do Poder Judiciário, ele deixa de ser um departamento técnico especializado e passa a ser poder efetivo e que disputa espaço com outros dois poderes”, afirmou. 
Luís Roberto Barroso explicou que na segunda metade do século XX o mundo se deu conta que o Judiciário forte era importante para proteger direitos fundamentais, associado com a desilusão da sociedade com a política.
“A Judicialização da vida foi potencializada por uma Constituição abrangente e um modelo de controle que faz com que todo juiz de Direito possa ser intérprete da Constituição”, disse. “Assim, tornou-se menos nítida a fronteira que separa a política do Direito”.
Papéis das cortes constitucionais
Para o ministro, são três os papéis desempenhados pelas Supremas Cortes na democracia contemporânea.
O primeiro seria o papel contramajoritário, no qual o tribunal constitucional declara a insubsistência de um ato do Legislativo, e juízes ou ministros que não foram eleitos pelo povo podem invalidar ato que foi aprovado pelos parlamentares e sancionado pelo Executivo.  
Como exemplo, Luís Roberto Barroso citou a <a href="https://www.jota.info/justica/impedir-publicacao-de-biografia-e-inconstitucional-decide-stf-10062015">declaração de inconstitucionalidade do dispositivo do Código Civil que previa a autorização prévia do biografado ou da família do biografado</a>, já que violava a liberdade de expressão prevista na Constituição.
O segundo papel seria o representativo, no qual as Supremas Cortes, embora tenham papel contramajoritário, entram em sintonia com o sentimento social.
“A Constituição permite mais de uma interpretação razoável. As Supremas Cortes devem estar alinhadas com o sentimento social, e o próprio STF tem papel representativo”, afirmou. O ministro deu exemplo da proibição do nepotismo, em que havia uma imensa demanda contra o empreguismo na Administração Pública, ao mesmo tempo em que “não vinha lei que proibisse isso”.
Por fim, o ministro comentou o que considera ser o papel iluminista das cortes, relacionado ao avanço civilizatório de empurrar a história para frente. Para ele, é um papel a ser exercido com parcimônia, porque há riscos autoritários.
“É preciso dar um passo, nos EUA foi a Suprema Corte que acabou com a discriminação racial nas escolas. Não tinha lei, não era demanda pública, mas era um avanço importante”, constatou. 
No Brasil, um exemplo é o das uniões homoafetivas, que não veio nem do Congresso nem do apoio majoritário da sociedade, mas, em sua visão, o Estado não tem direito de negar isso a essas pessoas, em nome da dignidade da pessoa humana. Na ocasião desta decisão, Barroso, que ainda não era ministro, fez<a href="https://www.youtube.com/watch?v=5_CHQPes_ls"> uma sustentação oral em defesa das uniões homoafetivas</a>. 
“Considero também iluminista a <a href="https://www.jota.info/justica/1a-turma-stf-vota-para-descriminalizar-aborto-ate-3o-mes-29112016">decisão da 1ª Turma do STF sobre o aborto</a>. Dizem que a Turma legislou no caso. Mas o habeas corpus envolvia a questão de prender ou não a mulher e os médicos, e prender é uma função judicial, portanto se eu considero que é direito fundamental interromper a gravidez antes da viabilidade fetal, o Estado não tem direito de enviar polícia para obrigar uma mulher a permanecer grávida”, apontou.
Ao ser questionado sobre o risco de se empurrar a história para trás, o ministro respondeu que isso não acontece, já que a história da humanidade é a do avanço civilizatório -- por mais que não seja totalmente linear.

Barroso

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JOTA

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