Thiago Gomes Anastácio

O direito não serve para porcaria nenhuma se não servir para todos. A comoção e os urros dos “analistas” de plantão se devem ao infeliz projeto eleitoral que cada cidadão carrega, embora as pernas desse caminhar revelem mais preconceito do que razão, mais ligação com pessoas políticas do que com projetos políticos. Discutimos nome e simpatias, não razões de Estado em nossas conversas de bar.
O jornalista Reinaldo Azevedo, odiado pelos ortodoxos “desse filme ruim e fora de época”[1] (a luta entre esquerda e direita), sofreu com aquilo que ele mesmo repudiava – pois um legalista e um dos poucos jornalistas que entenderam o que é um Estado de Direito.
Foi vítima de um ato vil, ilegal, nada mais do que a culminância das situações de ilegalidade que vivemos em nosso país. Na conversa com uma fonte, foi flagrado em papo particular e teve essa sua conversação exposta sem nenhuma razão de direito que a justificasse. Um achincalhamento das leis.
Os imbecis de plantão, que pensam que os fins justificam os meios, regozijaram-se quando um juiz de primeiro grau ouviu a conversa entre uma Presidente da República e seu antecessor e que, mesmo não parecendo lícita, estava abarcada pelo foro privilegiado (da Presidente) e pela lei de interceptações, que impede, expressamente, a revelação do conteúdo das conversas interceptadas. Mas, parece que o interesse público supera as cautelas dos indivíduos, justamente o princípio do fim de todas as democracias.
Os cânceres nascem do ataque às células e não dos ataques aos organismos. Assim também é com o direito. O Estado chamado de Direito começa a tombar quando as proteções aos indivíduos ruem em nome “do interesse público e do bem comum”, justamente o que pérfidas figuras como Stalin, Hitler, Pinochet e nossos ditadores argumentavam para justificar suas ilegalidades.
Em nome e sob o argumento de buscar o bem comum, até Cristo foi morto por escolha do povo, que invariavelmente cai de quatro diante do argumento que promete o melhor e historicamente só trás o pior.
Irrelevante dizer que os jornalistas, e aqui não falo de Reinaldo Azevedo especificamente, pois um merecedor de direitos porque respeitador deles (embora muitas de suas opiniões não sejam compatíveis com a desse colunista), merecem essa porrada, a mesma com a qual se regozijavam quando era dada na cara dos outros, principalmente se tomarmos como outros o “direito de defesa”, o “devido processo legal” e “o princípio da legalidade”. Nem se diga dos pré-julgamentos e dos ataques à advocacia. Isso é coisa dos “focas”, mas que hoje tem direitos aos blogs.
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Quando vários advogados escreveram uma carta contrária aos métodos da Lava Jato, jornalistas e blogueiros experimentais caçoaram dos advogados, que “teriam interesses em defender os seus clientes”.
Quando advogados começaram a investigar conluios políticos nas entranhas das instituições públicas, foram atacados e até investigados por isso, tendo tido seus nomes jogados à margem do aplauso social e postos como inimigos da Lava Jato. Uma bobagem sem fim.
Mas quem conhece um pouco de história sabia que chegaria a vez dos jornalistas. Este mesmo colunista, em 2010, já escrevia sobre o assunto em outra revista. Isso é de sete anos atrás[2].
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Aconteceu. Enfim aconteceu.
A sombra dos tempos vergonhosos escurece novamente o céu da pátria, projetada num sonho em 88, e enche de vergonha todos os fundadores da nova República; ou pelo menos, os verdadeiros fundadores, e não aqueles capachos da vergonha e violência que diante do inevitável se disseram democratas, e até hoje, envergonham a nação com escândalos e sofismas.
Sobral Pinto, “O monstro”, segundo Rubem Braga, afirmou em carta enviada ao então anistiado Luis Carlos Prestes, em 1945: “Nada valho e nada sou. Modesto obreiro do Direito, minha vida se vem processando em lutas quotidianas ásperas e bravias, em prol do reinado da Justiça. A nada aspiro senão lutar pela liberdade efetiva e real, no seio de nossa Pátria”. A lembrança de Sobral se dá por motivo bastante simples: foi ele o maior símbolo da resistência nos tempos que querem trazer de volta. A lembrança de seu sofrimento e luta é necessária quando falamos em liberdades e garantias democráticas.
Com afirmado acima, aconteceu. O Ministério da Justiça, uma pasta já ocupada por José de Alencar, Rui Barbosa, Oswaldo Aranha, Vicente Ráo, Miguel Seabra Fagundes, João Mangabeira, Tancredo Neves, Márcio Thomaz Bastos, José Gregori, José Carlos Dias, Miguel Reale Júnior, autorizou - dentro de suas instalações penitenciárias e certamente nas demais, face o inevitável efeito cascata - o aparelhamento para gravações de áudio e vídeo das conversas entre advogados e clientes presos, quando suspeitas do cometimento de crimes pairarem sobre o advogado. Aparentemente uma benesse.
Concretamente uma vergonha, digna dos generais.
É quase impossível afirmar o desacerto da decisão se enfrentados tais fatos com o anseio por Justiça; sem dúvida é grande a vergonha de todo o Brasil face esses ditos advogados que ultrapassam a linha ética e envolvem-se com seus clientes além dos limites da cordialidade e do profissionalismo.
De outro modo, todos sabem ser inviolável a comunicação entre cliente e advogado, assim como ocorre com médicos e pacientes, jornalistas e fontes. Desnecessário apontar a lei federal que rege a matéria, por se tratar de umas das poucas garantias constitucionais conhecidas por quase todos os cidadãos. A conversa entre todos esses profissionais é um segredo, se ensinaria às crianças.
As trevas surgem, porém, face à distensão dos princípios, que quando ocorre, é sinalizador do padecimento do direito e da nação; no caso presente, mais precisamente, da distensão caolha dos princípios.
Fato e princípio, exceção e regra. Lembro-me de ter causado espanto em alguns colegas quando afirmei que defenderia com prazer um torturador: desde que o ato de tortura visasse descobrir o cativeiro de criança comprovadamente já mutilada. Na oportunidade afirmei a diferença entre a exceção (a incidência fática de uma excludente de ilicitude) e a regra (a proibição expressa da tortura, como princípio do Estado de Direito).
Se analisarmos exclusivamente o fato de advogados estarem cometendo crimes junto com seus clientes presos, é indefensável qualquer tese oposta a tais gravações. Mas com modesta análise de como serão realizadas, no controle de quem ficarão os aparelhos e com mais uma ou duas comparações, talvez nossos parceiros de luta, os jornalistas, não saúdem tão canhestra iniciativa – e parece ser o momento de novamente nos unirmos.
Foram (ou serão) instalados aparelhos de gravação nas penitenciárias e presídios do Brasil e afirma-se que apenas com autorizações judiciais se permitirão tais oitivas. Mas se quase impossível estancar os abusos judiciais na autorização de grampos telefônicos e o uso destes, ilegalmente, como método de investigação (lembram-se dos grampos nos Ministros do Supremo e na aberta afirmação destes, sobre não terem tranqüilidade para falar em seus celulares?) como acreditar na não ocorrência de abusos quando a presa vai ao lugar certo e a armadilha já está armada?
Qual será a fé pública a resguardar tais aparelhos e coibir seus usos sem autorização, seja por policiais pegando atalhos para a investigação, e até para satisfazer a curiosidade de funcionários tresloucados ou engraçadinhos?
A dos diretores desses estabelecimentos, que não a tem? Dos carcereiros, já tão poucos, mal pagos e atarefados?
De oficiais de justiça, tão escassos nos quadros do judiciário?
Evidente não existir segurança contra os inevitáveis abusos. O quão grave e quão alta serão as penas dos funcionários do estado que violarem esse sagrado direito de todos?
Eis a alma deste debate: pairará sobre os advogados a certeza do “grampo” e a fé, exclusivamente a fé, de que os aparelhos estão desligados?
Ficava evidente a ocorrência, cedo ou tarde, da violação legal de algum princípio democrático atinente a advocacia. Meses atrás a imprensa foi cerceada e não haveria demora até nos atingirem no âmago de nossos direitos.
Assim vão as coisas. Querem a comodidade de investigar por “grampos” e já os deixarem instalados, aguardando autorização judicial!
Ótimo, violem esse princípio e façam dessa exceção, a regra do dia a dia - parece já não haver abusos suficientes praticados pelo Estado nesse país!
Mas também deixem instalados - desligados obviamente, mas instalados - aparelhos de escuta nas salas de reuniões das redações, onde ocorrem reuniões entre os jornalistas e suas fontes, tanto na maior emissora de televisão do país, assim como no maior jornal e na maior revista semanal. É incontroverso: jornalistas também cometem crimes.
Vocês, meus amigos jornalistas, permitiriam isso?
Então cuidado, os direitos dos advogados são siameses aos direitos de vocês.
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Pois é, cedo ou tarde haveria problema. E houve.
Mas para situar melhor a questão, vale dizer que o grampo na irmã de Aécio Neves e do jornalista Reinaldo Azevedo era legal, pois que autorizado pelo Supremo Tribunal Federal.
A discussão sobre o sigilo de fonte - querem os incautos do “direito de imprensa” - é apenas uma discussão menor dentro do panorama jurídico como um todo, pois que o sigilo de fonte versa sobre o jornalista não ser obrigado a revelar seu informante (mesmo que este tenha cometido crime para revelar a informação), mas não impede, por óbvio, que caso esse informante esteja “grampeado” a conversa possa ser ouvida pelas autoridades e DESCARTADA se não interessarem à investigação. E se o informante revelar fatos que interessem à investigação – e não sabemos se um dado, por menor que seja numa conversa aparentemente irrelevante – haveria sim interesse na conversação entre o jornalista e sua fonte e não estará protegido pelo “sigilo entre jornalista e fonte”, pois dois são os elementos que acionam essa garantia:
<ol>
<li>Os investigadores não obrigarem o jornalista a revelar a sua fonte;</li>
<li>A inadmissibilidade de se grampear o jornalista para saber quem a sua fonte;</li>
</ol>
Se Aécio estivesse foragido e sua irmã informasse para Reinaldo onde ele estaria escondido, haveria ilegalidade se Aécio fosse preso? Obviamente que não. O jornalismo é protegido, não a fonte do jornalismo.
Ou se eu confessasse um crime para um jornalista, e, estando grampeado, ouvissem minha conversa com o mesmo, essa prova seria ilícita?
A única questão que importa é a violação à lei e a hipocrisia da imprensa e da errônea pregação sobre o direito de imprensa.
Conversas “grampeadas” não podem se tornar públicas até as decisões finais dos processos. Esse é o único ponto que interessa.
Mas não interessava quando para destituir a antiga Presidente da República, não é mesmo?
Senhores jornalistas é chegada a hora. Ou nos unimos e vocês preferirão o Estado de Direito às manchetes e furos, ou todos seremos silenciados pelos tempos sombrios, tempos sempre à espreita.
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[1] O termo é do Ministro Luis Roberto Barroso, na defesa de Battisti.
[2] <a href="http://www.conjur.com.br/2010-jun-30/gravar-conversa-entre-advogado-preso-vergonha-digna-generais" data-saferedirecturl="https://www.google.com/url?hl=pt-BR&amp;q=http://www.conjur.com.br/2010-jun-30/gravar-conversa-entre-advogado-preso-vergonha-digna-generais&amp;source=gmail&amp;ust=1495736238943000&amp;usg=AFQjCNHcXB5mBJa5MAZFTR_0SIGZr8_Lfg">http://www.conjur.com.br/2010-jun-30/gravar-conversa-entre-advogado-preso-vergonha-digna-generais</a>

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JOTA

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