STF

Servidores do Ipea vão ao STF para que possam conceder entrevistas livremente

Ofício de março fixa protocolos internos para divulgação de estudos pelos técnicos à imprensa

Crédito: Unsplash

A Associação dos Funcionários do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) ajuizou ação no Supremo Tribunal Federal (STF) na qual questiona atos normativos do órgão que fixa regras para que os pesquisadores concedam entrevistas à imprensa e divulguem resultados das pesquisas.

A associação questiona dois atos. O primeiro, um ofício circular de 4 de março, em que o presidente do Ipea, Carlos Von Doellinger, determina a todos os técnicos que “a divulgação de estudos e pesquisas somente pode ocorrer após sua conclusão e aprovação definitiva, devendo serem seguidos normas, protocolos e rotinas internas, inclusive quanto à interação com os órgãos de imprensa”. O segundo ato questionado é a Portaria 225, de outubro de 2018, que prevê regras de comunicação para os técnicos do Ipea e criou a assessoria da comunicação do órgão.

Para a entidade que representa os servidores do instituto, as medidas ferem a liberdade de expressão e a livre circulação de ideias, afrontando direitos fundamentais previstos na Constituição. A associação diz que as normas buscam impedir que entrevistas e dados divulgados pelos servidores do Ipea sejam contrários às posições governamentais.

“Objetiva-se, portanto, o reconhecimento de que o servidor público federal do IPEA tenha liberdade de pesquisar e de publicar os seus estudos e pesquisas, sem sofrer nenhum tipo de censura, nem mesmo lhe gerar receio de retaliação, ainda que tais pesquisas se apresentem contrárias ao entendimento governamental, pois são carreiras de Estado e não de governo, além de gozarem de estabilidade constitucional”, afirma na petição. A associação ainda aponta que a primeira normativa foi publicada em 2018, logo após as eleições presidenciais.

“A concepção que parece ter presidido a elaboração da Portaria 225/2018 tem como foco instaurar a tutela da Presidência do Ipea, por meio de sua Ascom, sobre as intervenções públicas dos servidores do Ipea para a divulgação e difusão dos resultados de seus trabalhos ou, mais amplamente, na intervenção pública dos servidores, seja com a mídia ou em outros espaços públicos. Neste contexto, a Ascom apresenta-se como um instrumento da alta direção para o controle político-ideológico do que será divulgado, em grave situação de censura prévia, além de desencadear em seus servidores/pesquisadores a autocensura quando das publicações de seus trabalhos”, argumenta a associação de servidores.

Em relação ao ofícico de março deste ano, a associação cita trecho da norma, que determina que “os estudos e pesquisas são direito patrimonial do Ipea, a quem cabe definir o momento e a forma de divulgação”, e que eventual descumprimento das regras de comunicação pelos técnicos poderá ensejar  descumprimento de dever ético e até infração disciplinar. 

A entidade autora da ação sustenta que a atividade exercida pelo servidor do Ipea é uma atividade de Estado e não de governo, pois “as pesquisas econômicas e sociais a serem desenvolvidas pelo servidor devem ter como foco o aprimoramento do Estado, apontando os erros e os acertos das ações governamentais, bem como levantando as lacunas em determinados setores da sociedade”. 

Por isso, argumenta, “o estudo técnico desenvolvido tem como premissa inicial a isenção e liberdade do exercício da atribuição legal, mesmo que o trabalho desenvolvido externe alguma opinião (ou sugestão para a melhoria de algum setor da economia ou da sociedade) baseada nos fatos analisados” e portanto o servidor do Ipea entra no campo do juízo de valor quando exerce sua atividade, então “nem sempre será possível traçar uma linha divisória clara entre afirmações de fato e juízos de valor (e, logo, entre expressão e informação)”. 

A Associação dos Funcionários do Ipea pede a concessão de liminar para suspender tanto o ofício circular de março, quando a portaria de 2018. Pede que, no mérito, as normas sejam declaradas inconstitucionais. A relatora da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 834 é a ministra Cármen Lúcia.