
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), mudou a orientação de seu voto e foi formada maioria para que a Justiça Federal seja a responsável por processar e julgar os casos criminais que responsabilizam executivos da Vale pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG).
A maioria foi formada pelo voto de Gilmar Mendes, Nunes Marques e André Mendonça. A decisão está sendo tomada nos RE 1.378.054 e RE 1.384.414 em sessão do plenário virtual que se encerra às 23h59 desta sexta-feira (16/12).
Em 2019, 270 pessoas morreram após uma barragem com rejeitos de minério eclodir e o munícipio ser inundado pela lama. O Ministério Público de Minas Gerais ofereceu denúncia contra diretores, funcionários da Vale e da consultoria alemã Tüv Süd, que produziu relatórios atestando a segurança da barragem. Eles são acusados de homicídio duplamente qualificado (por meio cruel e sem chance de defesa) de todas as vítimas e por danos ambientais. As empresas também foram denunciadas por crimes ao meio ambiente.
A discussão sobre a competência federal decorre do fato de que a denúncia aponta que foram submetidas declarações falsas atestando a estabilidade da barragem ao órgão que hoje leva o nome de Agência Nacional de Mineração (ANM). Isso teria prejudicado a capacidade de fiscalização e gerado riscos que poderiam ter sido mitigados, mas levaram ao desastre.
Para o relator, Edson Fachin, que inicialmente havia sido acompanhado por Gilmar Mendes, a competência para julgar os casos seria da Justiça Estadual mineira. Dentre os argumentos, Fachin aponta que a competência da Justiça Federal para julgar o crime de falsificação de documentos “somente será fixada nos casos em que comprovada a intenção do agente em causar lesão a bens, interesse ou patrimônio da União”.
E, no caso, a lesão ao funcionamento da ANM, que atrairia a competência da Justiça Federal, não se sobreporia aos crimes ambientais e homicídios, que são o cerne da denúncia. “O interesse prevalecente é o dos inúmeros particulares que foram diretamente afetados com a perda de familiares e amigos, e não o interesse mediato e diferido da União decorrente de declarações falsas que teriam sido apresentadas a órgão fiscalizador”, afirma.
Como Mendes inicialmente havia acompanhado Fachin para que os casos fossem julgados pela Justiça Estadual mineira, André Mendonça e Nunes Marques votaram para que a competência fosse da Justiça Federal e Ricardo Lewandowski se declarou suspeito, haveria um empate no julgamento, de forma que caberia provavelmente à ministra Cármen Lúcia ser convocada para desempatar.
Antes que isso acontecesse, Mendes afirmou ter revisado “os argumentos apresentados pelas partes, intervenientes (amicus curiae) e os votos divergentes” e mudou seu entendimento sobre a questão.
Sobre o interesse da União, Mendes considerou, “com a devida vênia ao relator”, que “o caso é distinto e os precedentes invocados não servem atendem (sic) às premissas de equivalência de precedentes porque o suporte fático é distinto”. “No caso concreto, a alegada apresentação de documentação falsa não se deu por ato de vontade para obtenção dos homicídios, consoante explicitei anteriormente. Logo, cada documento utilizado, ao longo de vários anos, teve o fim de manipular as atividades de fiscalização dos órgãos públicos federais (DNPM e ANM), motivo pelo qual viola interesse direto da União, a teor do art. 109, IV, da Constituição da
República”.
Mendes também acrescenta que “prevalece o entendimento de que compete ao Juízo Federal analisar a existência ou não de interesse da União (STJ, Súmulas 122 e 150). Mostra-se inviável a subtração da competência do Juízo Federal quanto a existência ou não de interesse da União, aceitando-se a prevalência de comando proferido por Juiz Estadual”.
Para os advogados Pierpaolo Bottini, Maurício Campos e Paulo Freitas, que defendem Fábio Schvartsman, ex-CEO da Vale e um dos acusados, “a competência para julgar o caso é evidentemente da Justiça Federal, uma vez que o rompimento da barragem afetou bens e interesses da União e da entidade autárquica federal responsável pela gestão da atividade minerária, incluindo o armazenamento de rejeitos e diversas outras atribuições relacionadas à Política Nacional de Segurança de Barragens. Além disso, a lama carreada pelo rompimento danificou sítios arqueológicos, que também são bens da União. O Supremo garantiu o juiz natural, reconhecendo de maneira correta o órgão do Poder Judiciário competente para processar e julgar os fatos.”
Leia a íntegra do voto de Gilmar Mendes nos RE 1.378.054 e RE 1.384.414.