Há maioria formada no Supremo Tribunal Federal (STF) para manter a suspensão de atos administrativos da Fundação Nacional do Índio (Funai) que restringiam a proteção das terras indígenas somente àquelas homologadas. Até o momento, oito dos 11 ministros já votaram e, desses, todos referendam a medida cautelar concedida pelo relator, ministro Luís Roberto Barroso, no início de fevereiro. A discussão ocorre na ADPF 709 e está em julgamento no plenário virtual até as 23h59 desta sexta-feira (25/2).
Barroso determinou que a Funai garanta a proteção territorial independentemente do registro e, caso a decisão judicial não seja cumprida, o Ministério Público deverá investigar os responsáveis por crime de desobediência.
Com a decisão ficam suspensos o ofício 18/2021 e parecer 00013/2021, ambos da Funai. De acordo com esses atos, a execução de atividades de proteção territorial deveria ocorrer somente após o término do procedimento administrativo demarcatório, ou seja, após a homologação da demarcação por decreto presidencial e o registro imobiliário em nome da União.
Até o momento, acompanham integralmente Barroso os ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Rosa Weber, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. O ministro André Mendonça faz ressalvas. Para ele, deve constar na decisão que a proteção que deve ser feita pela Funai independe de a terra em questão estar ou não homologada. Ele propõe a seguinte alteração: “a circunstância de a terra indígena estar pendente de homologação não seja critério de exclusão da atuação da Funai no exercício de suas competências legais, preservada a responsabilidade do gestor público de estabelecer, fundamentadamente, as prioridades administrativas”.
A decisão sobre os atos da Funai atende a um pedido incidental da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) na ADPF 709, que discute a omissão do governo federal no combate à Covid-19 entre os indígenas. Segundo dados trazidos na decisão, das 726 terras indígenas do país, 239 ainda não foram homologadas. De acordo com a Apib, 114 povos indígenas em isolamento voluntário e de recente contato são atingidos porque seus territórios ainda estão pendentes de homologação.
No texto, Barroso justifica a medida dizendo que os atos administrativos abrem precedentes para invasão das terras indígenas, o que pode, inclusive, contribuir para o avanço da Covid-19 nessas populações. O relator lembra ainda que os atos administrativos ocorrem em um contexto em que o próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, assumiu postura contrária à regularização das terras indígenas e declarou publicamente que, em seu governo, elas não seriam demarcadas. Em uma entrevista, o chefe do Executivo chegou a dizer: “Não demarcarei um centímetro quadrado a mais de terra indígena. Ponto final”.
“Os atos da FUNAI representam uma tentativa – reiterada, é válido frisar – de esvaziamento de medidas de proteção já deferidas por este juízo. Em primeiro lugar, ao afastar a proteção territorial em terras não homologadas, a Funai sinaliza a invasores que a União se absterá de combater atuações irregulares em tais áreas, o que pode constituir um convite à invasão de áreas que são sabidamente cobiçadas por grileiros e madeireiros, bem como à prática de ilícitos de toda ordem”, diz a decisão.
De acordo com Barroso, a demora na homologação e a não proteção às terras indígenas cria um ciclo vicioso. “Assim, de um lado, não se demarcam novas terras ou se homologam demarcações já realizadas. E, de outro lado, utiliza-se o argumento da não homologação para retirar a proteção das terras não homologadas e de suas comunidades. Ora, a não homologação de tais terras deriva de inércia deliberada do poder público, que viola o direito originário de tais povos, previsto na Constituição, cabendo à União o dever (e não a escolha) de demarcar suas terras”.