A decisão sobre a federalização dos processos criminais da tragédia de Brumadinho pode acabar nas mãos da ministra Cármen Lúcia. O caso estava no plenário virtual da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) e o ministro André Mendonça pediu vista na última segunda-feira (17/10).
O ministro Edson Fachin, relator do caso, votou para determinar a competência da Justiça estadual de Minas Gerais e foi acompanhado por Gilmar Mendes. O ministro Nunes Marques, porém, abriu divergência, entendendo que o caso deveria caber à Justiça Federal daquele estado.
Chegou a se registrar no sistema que Mendonça acompanharia o relator, mas a posição do ministro foi tomada por um erro de sua assessoria no manejo do sistema do plenário virtual. Por isso, ele optou por um pedido de vista após o voto de Nunes Marques — e sinalizou que deve trazer o caso de volta em breve.
Como o ministro Ricardo Lewandowski se declarou suspeito no caso, diante de um empate haveria necessidade de se convocar um ministro na 1ª Turma. E pelas regras do STF seria Cármen Lúcia a magistrada convocada para fazer o desempate. O entendimento é que nesse caso o empate não teria como “beneficiar” o réu, por se tratar de definição de competência.
Entenda a discussão sobre a competência para julgar o processo criminal da tragédia de Brumadinho
Em 2019, 270 pessoas morreram após uma barragem com rejeitos de minério eclodir e o munícipio ser inundado pela lama.
O Ministério Público de Minas Gerais ofereceu denúncia contra diretores e funcionários da Vale e da consultoria alemã Tüv Süd, que produziu relatórios atestando a segurança da barragem. Eles são acusados de homicídio duplamente qualificado (por meio cruel e sem chance de defesa) de todas as vítimas e por danos ambientais. As empresas também foram denunciadas por crimes ao meio ambiente.
A denúncia aponta que foram submetidas declarações falsas atestando a estabilidade da barragem ao órgão que hoje leva o nome de Agência Nacional de Mineração (ANM). Isso teria prejudicado a capacidade de fiscalização e gerado riscos que poderiam ter sido mitigados, mas levaram ao desastre. E este fato atrairia a competência da Justiça Federal de Minas Gerais, segundo as defesas de Fabio Schvartsman, então CEO da Vale, e de Felipe Figueiredo Rocha, que atuava como engenheiro civil na área de recursos hídricos da companhia.
Após rejeições no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), a demanda foi acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em outubro passado, que ordenou que o processo fosse remetido à 9ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais, em Belo Horizonte. Nesse período, não houve avanços na tramitação. Antes, o caso tramitava na a 2ª Vara Cível, Criminal e de Execuções Penais de Brumadinho.
Na decisão, o STJ entendeu que a competência seria da Justiça Federal, pois os fatos sustentados na denúncia aconteceram em prejuízo a bens, serviços ou interesses da União. A Constituição estabelece ser responsabilidade de juízes federais julgar crimes “praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União” – como consta no quarto parágrafo do artigo 109.
Em junho, o ministro do STF Edson Fachin decidiu, monocraticamente, que o caso deveria retornar à competência do TJMG. Para ele, a omissão de informações em documentos destinados ao fiscalizador indica apenas um prejuízo indireto a União, por isso não haveria necessidade de o caso tramitar na Justiça Federal.
Agora os ministros julgam recursos contra a decisão monocrática de Fachin.
“A competência da Justiça Federal para julgar o crime de falsificação de documentos somente será fixada nos casos em que comprovada a intenção do agente em causar lesão a bens, interesse ou patrimônio da União”, afirma Fachin em seu voto no julgamento.
Ele aponta ainda que a lesão ao funcionamento da ANM, que atrairia a competência da Justiça Federal, não se sobrepõe aos crimes ambientais e homicídios, que são o cerne da denúncia.
“O interesse prevalecente é o dos inúmeros particulares que foram diretamente afetados com a perda de familiares e amigos, e não o interesse mediato e diferido da União decorrente de declarações falsas que teriam sido apresentadas a órgão fiscalizador”, disse Fachin.
Já Nunes Marques, apontou que “em contexto fronteiriço”, o Supremo já concluiu que a falsificação de documento cuja responsabilidade pela emissão recai sobre a administração pública federal atinge o interesse da União, o que atrai a competência da Justiça Federal. Leia a íntegra do voto de Nunes Marques.
Por envolver crime contra a vida, o caso deverá ser julgado pelo Tribunal do Júri, tanto se tramitar na Justiça Federal quanto se for mantido na Estadual. Em ambos os casos o julgamento seria realizado em Minas Gerais.
No STF, o caso é julgado no RE 1.378.054 e no RE 1.384.414.