Hyndara Freitas

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">STF</a>), votou para declarar inconstitucionais trechos de três decretos editados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que ampliaram o acesso a armas. O Supremo julga no plenário virtual, a partir desta sexta-feira (12/3), uma ação ajuizada pelo PSB, que argumenta que os decretos ampliam o conceito de “efetiva necessidade”, previsto no Estatuto do Desarmamento de 2003. 
O principal trecho questionado é o que prevê que, “para fins de aquisição de arma de fogo de uso permitido e de emissão do Certificado de Registro de Arma de Fogo, o interessado deverá apresentar declaração de efetiva necessidade”. Um dispositivo fixa que “presume-se a veracidade dos fatos e das circunstâncias afirmadas na declaração de efetiva necessidade”, sem que haja maiores comprovações sobre esta necessidade. 
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 6.119 pede a inconstitucionalidade de artigos de três decretos editados em 2019, que foram revogados e editados repetindo conteúdos semelhantes. O primeiro deles foi o Decreto 9.685, de 15 de janeiro de 2019. Em 7 de maio de 2019, o Decreto 9.785 revogou o primeiro. Em 25 de junho de 2019, o presidente editou o Decreto 9847, que revogou os outros dois. 
Esta última revogação, aliás, foi feita um dia antes da data em que o STF julgaria a constitucionalidade do decreto das armas em plenário. Por conta da alteração, a ação foi retirada da pauta, e só está sendo julgada agora. O PSB aditou a inicial todas as vezes em que houve revogação e edição de novo decreto.
O ministro Fachin argumenta que o chefe do Poder Executivo pode, livremente, revogar seus decretos, mesmo que o caso já estivesse na iminência de ser julgado pelo Supremo. O problema, destaca o relator, é que o decreto mais recente repete norma idêntica àquela que havia sido revogada em relação à demonstração de “efetiva necessidade” para adquirir armas. <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/fachin-vota-para-declarar-inconstitucionais-decretos-de-bolsonaro-sobre-armas-12032021/attachment/5278919-1" rel="attachment wp-att-300724">Leia a íntegra do voto</a>. 
“Sem que se recorra a qualquer tipo de ilação quanto à intenção do Chefe do Poder Executivo ao empregar tal expediente, pode-se objetivamente constatar que a profusão de decretos com conteúdo ora revogador, ora repristinador, em tão exíguo espaço de tempo, prejudica o exercício da fiscalização abstrata de constitucionalidade, obstando, em face mesmo do princípio da efetividade do processo, que uma resposta jurisdicional adequada seja produzida”, diz Fachin. O ministro contata que “as alterações nos decretos vergastados promoveram senão uma exata reprodução da norma inicialmente impugnada, ao menos um prolongamento do seu núcleo de sentido”, por isso o caso merece ser julgado.
No mérito, Fachin entende que a ampliação do acesso às armas de fogo promovido pelo presidente afronta o direito à vida e à segurança, previstos na Constituição. “Em contextos de alta violência e sistemática violação de direitos humanos, como é o caso brasileiro, o escrutínio das políticas públicas do Estado deve ser feito de forma a considerar sua propensão a otimizar o direito à vida e à segurança, mitigando riscos de aumento da violência. Neste sentido, o dever de proteção à vida não se esgota, apenas, no controle interno exercido sobre os agentes do Estado, mas se estende à capacidade do Poder Público — entendida a partir de uma expectativa razoável de cumprimento do dever por um sujeito responsável — de controlar os riscos gerados por agentes privados”, afirma.
Para o relator, nesta ação “deve-se indagar se a facilitação à circulação de armas, na sociedade, aumenta ou diminui a expectativa de violência privada”. E a resposta, em sua visão, “deve concluir pelo aumento do risco e consequente violação do dever de proteção pelo Estado”. 
O ministro cita tratados internacionais em relação ao porte de armas de fogo, e destaca que, segundo o direito internacional, há três premissas sobre o tema: “i) não há uma proibição geral a que os Estados concedam o direito de portar armas a pessoas privadas; b) não há tampouco, per se, um direito irrestrito ao acesso às armas, ainda que sob o manto de um direito à legítima defesa; c) o direito de comprar uma arma, nos casos em que a ordem jurídica nacional o garanta, somente deve alcançar hipóteses excepcionais , naturalmente limitadas pelas obrigações que o Estado tem de proteger a vida”. 
Para Fachin, os decretos de Bolsonaro não estabeleceram “a presunção da efetiva necessidade, mas da veracidade dos fatos e das circunstâncias afirmados na declaração”.  Essa presunção, para o ministro, “prejudica sobremaneira a atividade fiscalizatória, porquanto inverte o ônus da prova em favor do requerente, que, então, não necessitará aportar o elementos comprobatórios dos fatos e circunstâncias que narra. Essa inversão enfraquece o controle administrativo sobre o critério legal da ‘efetiva necessidade’”.
“Cria-se, assim, um limite de facto que termina por fulminar a possibilidade de fiscalização do poder público. Não age, portanto, o Estado com a devida diligência fiscalizatória diante do dever de garantir o direito à vida e à segurança. Entendo ocorrer, em igual medida, violação à competência legislativa em sentido estrito para a normatização das hipóteses legais de efetiva necessidade, porquanto, no plano eficacial da norma, torna-se impossível qualquer aferição sistemática dos critérios adotados em lei”, conclui o relator. 
Assim, o ministro vota para declarar inconstitucionais o artigo 3º, § 1º do Decreto 9.845/2019, bem como os artigos que previam a presunção da veracidade dos fatos e das circunstâncias afirmadas na declaração de efetiva necessidade nos decretos que foram revogados. 
O ministro ainda confere interpretação conforme à Constituição ao artigo 4º do Estatuto do Desarmamento e aos decretos, “fixando a orientação hermenêutica de que a posse de armas de fogo só pode ser autorizada às pessoas que demonstrem concretamente, por razões profissionais ou pessoais, possuírem efetiva necessidade”. 
Na avaliação de Beto Vasconcelos, advogado do Instituto Igarapé, que atua na ação como amicus curiae, os decretos violam as garantias de ordem constitucional, como o direito à vida, à saúde e à segurança pública, facilitando de maneira descontrolada e sem fundamento o acesso a armas e munições, de calibres cada vez mais potentes, assim como eliminam instrumentos de controle e rastreabilidade desse arsenal.
"O voto do ministro Fachin confirma que os decretos fazem o caminho contrário ao que indicam dados e estudos científicos no Brasil e no mundo, segundo os quais quanto mais armas em circulação, mais violência, mais morte e mais insegurança", diz Vasconcelos.

47944131888_970e87cb52_k

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Para ministro, o porte de armas só pode ser concedido a quem demonstrar efetiva necessidade

Fachin vota para declarar inconstitucionais decretos de Bolsonaro sobre armas

Para ministro, o porte de armas de fogo só pode ser concedido a quem demonstrar, com provas, a efetiva necessidade