STF

Especialistas divergem sobre uso de conduções coercitivas

STF pode discutir na quarta se mantém liminar de Gilmar Mendes que proibiu o instituto para investigados

16/03/2018|19:32
Polícia Federal
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Prevista no Código de Processo Penal desde 1941, a condução coercitiva ganhou notabilidade após o início da Lava Jato, que usou o instituto mais de 200 vezes durante operações policiais nos últimos quatro anos. Nesta semana, várias décadas depois de sua criação pelo CPP, o Supremo Tribunal Federal deverá definir os limites do instrumento durante as apurações criminais.

Em dezembro do ano passado, o ministro Gilmar Mendes deu uma liminar em duas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental 395 e 444 e limitou o uso do instituto: proibiu que investigados sejam conduzidos coercitivamente para interrogatório. Para esta semana, está previsto na pauta do plenário  do Supremo o julgamento que pode referendar ou reformar a decisão monocrática de Gilmar Mendes.

O ministro argumentou que não existe obrigação legal de se comparecer a interrogatório e, por isso, não existe a possibilidade de “forçar o comparecimento”. Segundo ele, como a investigação é um momento que antecede a instauração do processo, a condução coercitiva viola os dispositivos constitucionais que preveem que ninguém pode ser privado da liberdade sem o devido processo legal e o que define que ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, recorreu da decisão de Gilmar sob o argumento de que proibir o uso do instituto para o fim de qualificação pessoal compromete a efetividade da tutela penal e que permiti-lo não representa excesso estatal. Assim, conclui a PGR, a condução coercitiva não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência.

“O juiz criminal tem o poder para conduzir o investigado ou acusado ao interrogatório para fins de sua qualificação pessoal, o que não equivale a tratá-lo como culpado, nem agir de modo excessivo ou arbitrário, pois há observância do devido processo legal”, argumentou a procuradora.

O advogado Luís Henrique Machado, mestre em Processo Penal pela Universidade Humboldt de Berlim e doutorando na mesma instituição, faz duras críticas ao instrumento. Para ele, o artigo 260 do Código de Processo Penal, que disciplina o instituto, é inconstitucional. Ele sustenta que não se pode confundir a figura do réu e do investigado com a da testemunha. “A testemunha é obrigada a contribuir com o processo. A partir do momento que tenha ciência ou tenha presenciado qualquer fato criminoso, ela deve ter uma postura ativa. Nesses casos, quando a testemunha é intimada e não comparece, aí sim pode expedir um mandado de condução coercitiva”, defende.

Esta, segundo Machado, não é a situação de quem está sendo investigado ou já responde a uma ação penal. “Primeiro, porque têm o direito de se manter em silêncio. E, ainda sim, mesmo que queira falar, diferentemente da legislação americana, o réu no Brasil pode inclusive mentir. Então, por mais que seja intimado pela Justiça, ele não pode ser obrigado a prestar esclarecimento sobre fatos dos quais ele pode estar envolvido”, argumenta.

O advogado acredita que no plenário da Corte a discussão será em torno de três princípios: o que permite a pessoa a não produzir provas contra si mesmo, o da liberdade de locomoção e o da presunção de inocência. Machado argumenta, ainda, que a situação é ainda mais grave quando o instrumento é usado contra alguém que ainda não teve a denúncia do Ministério Público recebida pela Justiça.

“O contraditório existe a partir do momento que inaugura a ação penal. Na fase de investigação, não há sequer obrigatoriedade do contraditório do investigado, então como podem compeli-lo a ser levado à presença de autoridade para se manifestar sobre fatos que não tem vontade de se expressar? Se tivesse vontade, poderia ir por livre e espontânea vontade”, diz.

Já o advogado Carter Batista, sócio do Osório Batista Advogados, segue outra linha. Para o advogado, determinar que as conduções coercitivas não valem para investigados limitaria o poder dos juízes no curso do processo, o que não seria positivo. “Imagina se o juiz intima a pessoa a comparecer a um ato oficial e a pessoa se nega a ir e não existe nenhuma ferramenta que o Estado possa obrigar o cidadão a comparecer no ato. Acho que para manter a democracia sustentável tem que haver esse tipo de ferramenta. Claro que a pessoa pode comparecer e não falar nada, porque isso também é uma prerrogativa de qualquer acusado. Então, a simples condução não fere a garantia de não autoincriminação”, sustenta.

Para Batista, porém, a condução coercitiva só deve ocorrer quando o réu ou investigado tiver sido intimado e não comparecido em juízo -- ele lembra que este não foi o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não se negou a prestar depoimento, mas foi conduzido coercitivamente pela Lava Jato para ser interrogado pela Polícia Federal.

O advogado também afirma que a questão deve ser vista na perspectiva do atual momento do país. “Se o STF retira autoridades do Judiciário seria contra o anseio social que está mais presente neste momento, que é de ver as investigações prosseguindo. O Supremo tem a chance de chancelar esse desejo da sociedade de continuar as investigações”, afirma.

O advogado faz uma analogia deste julgamento com a discussão que o STF travou sobre o uso de algemas, que gerou a edição da Súmula 11 da Corte. “Isso também era uma questão posta, pois era uma prerrogativa do policial que nossos códigos nunca se debruçaram nas minúcias. Acho que a coercitiva também nunca foi colocada no holofote e agora o Supremo promove esse debate”, compara.

A advogada Ludmila Groch, mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo, sócia do escritório TozziniFreire Advogados, também critica as conduções coercitivas. A advogada explica que o artigo 260 do CPP prevê a condução coercitiva apenas para quem já responde a um processo e que o uso do instituto para investigados se baseia no poder geral de cautela do juiz. “Ele tem esse poder e com uma cautelar para resguardar a prova obrigaria alguém durante a investigação a comparecer. Eu tenho restrições a esse entendimento. Não consigo ver proporcionalidade em medida tão invasiva”, afirma.

Ludmila acredita que o julgamento é uma grande oportunidade para o STF disciplinar o instituto e estabelecer quais conduções coercitivas a legislação brasileira permite. “É importante o Supremo fazer uma separação do uso do instituto para réus, para investigados e para testemunhas. O voto do Gilmar é muito bem feito e o recurso da Dodge, também. A discussão está bonita no papel, espero que o STF continue e solucione essa celeuma”, diz.

Groch comenta que o juiz Sérgio Moro, da Lava Jato, começou a usar o instituto com mais frequência e que, depois disso, outros magistrados seguiram a mesma linha. “Não acho que está necessariamente errado. É uma interpretação. O importante é o Supremo definir os limites”, opina.

Para a advogada, dizer que o instituto é valido por ser usado como medida menos gravosa do que prender preventivamente é um argumento “ainda mais falacioso, porque a prisão tem requisitos estritos para ser determinada”.logo-jota