Retrospectiva

10 temas decididos pelo STF em 2021 – e o que eles indicam para o futuro

Tribunal protagonizou embates com o governo devido à pandemia e foi relevante para definir o cenário eleitoral em 2022

Ficha Limpa
Supremo Tribunal Federal adere à campanha Outubro Rosa / Crédito: Nelson Jr./SCO/STF

A atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2021 foi essencial para determinar os rumos do combate à pandemia de Covid-19 e também na definição do tabuleiro político para as próximas eleições.

Entenda o que esteve ou ainda está em jogo em cada uma delas a partir da cobertura do JOTA em 2021.

Não há direito ao esquecimento no Brasil

Em fevereiro, o STF definiu que o direito ao esquecimento não é compatível com a Constituição. Mais do que isso, acomodar esse conceito de forma genérica no ordenamento jurídico brasileiro traria um conflito com a liberdade de expressão. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso.

O processo que deu início ao julgamento envolvia a família de Aída Curi, vítima de um crime em 1958 que foi reproduzido pelo programa Linha Direta Justiça, da TV Globo. No julgamento, Alexandre de Moraes, contrário ao direito ao esquecimento, abordou seu entendimento sobre liberdade de expressão, segundo o qual a imprensa deve funcionar sob a ideia do binômio liberdade e responsabilidade. Moraes é o relator do inquérito das fake news no tribunal e se confronta com questões de censura prévia e liberdade de expressão – tema que será relevante nas eleições. Moraes também será o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante o pleito.

Lula volta a ser ficha limpa

Em março, o ministro Edson Fachin decidiu que a 13ª Vara Federal de Curitiba era incompetente para julgar as ações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Por isso, determinou a nulidade de todas as decisões praticadas nas ações penais do tríplex do Guarujá (SP), do sítio de Atibaia (SP) e dois casos envolvendo o Instituto Lula.

Assim, Lula se tornou elegível novamente e retomou a possibilidade de uma nova candidatura à presidência. Na época, Fachin concedeu entrevista exclusiva ao JOTA em que declarou ter concedido tratamento ao ex-presidente igual ao de outros investigados. Ele enfrentava desconfianças sobre o momento da decisão.

Segundo o agregador eleitoral do JOTA, Lula tem 43,4% das intenções de voto, seguido pelo presidente Jair Bolsonaro, com 28,4%. O ex-juiz Sergio Moro tem 11.9% das intenções de voto.

Moro é declarado suspeito

Na decisão em que anulou decisões de Moro sobre Lula, Fachin declarou a perda de objeto de dezenas de habeas corpus de Lula no STF, entre eles o que discutia a suspeição de Moro. Ainda assim, o caso foi levado por Gilmar Mendes a julgamento e a 2ª Turma concluiu, em 23 de março, que Moro foi parcial em relação a Lula. Desta forma, todos os atos do então juiz no caso do tríplex, inclusive os pré-processuais, foram anulados. Em abril, a decisão foi mantida pelo plenário do STF. 

Os bastidores das decisões foram discutidas em episódios do Sem Precedentes, podcast do JOTA sobre o STF e a Constituição.

Cultos religiosos proibidos na pandemia

Em abril, o STF decidiu que não ferem a Constituição decretos de estados e municípios que determinam a proibição temporária de cultos e missas presenciais em razão da pandemia da Covid-19. O motivo seria a preservação da saúde da população. O caso foi julgado pelo plenário depois de o ministro Kassio Nunes Marques proibir o veto a celebrações em templos e igrejas.

Naquele momento, o governo de Jair Bolsonaro (PL) foi criticado no tribunal pela falta de políticas coordenadas, demora na compra de vacinas e por ter embarcado na justificativa de liberdade religiosa. O procurador-geral da República, Augusto Aras, havia se manifestado na ação defendendo a suspensão de todos os decretos municipais e estaduais propondo restrição a cerimônias.

CPI da Covid-19 e vacinas

A disputa sobre os cultos foi uma das que opuseram ministros e governo Bolsonaro no combate à Covid-19 durante todo o ano. Em janeiro, por exemplo, em uma das poucas vitórias de Bolsonaro, o ministro Ricardo Lewandowski negou pedido da Rede Sustentabilidade para afastar o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, pois competiria somente ao presidente da República nomear e exonerar do cargo.

Em abril, o ministro Luís Roberto Barroso havia determinado a instauração de CPI pelo Senado para investigar a atuação do governo Bolsonaro no combate à pandemia. A ordem foi, depois, confirmada pelo plenário.

Como resposta, Bolsonaro atacou o ministro em suas redes sociais: “Use a sua caneta para boas ações em defesa da vida e do povo brasileiro, e não para fazer politicalha dentro do Supremo”. Também passou a exigir que a CPI da Covid-19 investigasse não apenas o governo federal, mas estados e municípios. Em junho, o STF confirmou a liminar da ministra Rosa Weber que barrou a convocação de governadores pela CPI.

A exigência de vacinação para acessar locais públicos mobilizou ministros. Em setembro, Luiz Fux reestabeleceu decreto municipal do Rio de Janeiro que instituiu a comprovação da vacina contra a Covid-19 para o acesso a locais de uso coletivo. A exigência havia caído por decisão de um desembargador estadual. Em novembro, Luis Roberto Barroso concedeu liminar para suspender portaria do Ministério do Trabalho que proibia o empregador de exigir do trabalhador documentos comprobatórios de vacinação para a contratação ou manutenção da relação de emprego.

O ministro também decidiu, contrariando a posição do governo, que pessoas vindas de fora do Brasil, desembarcando em aeroportos, deveriam como regra apresentar o passaporte de vacinação. Em votação no plenário virtual em dezembro, maioria de ministros acompanhou o entendimento, mas Nunes Marques paralisou o julgamento com um pedido de destaque. O julgamento será reiniciado em plenário físico em fevereiro de 2022.

Quebra no prazo das patentes de medicamentos

Alteração relevante nas regras patentes de medicamentos, que opunham setores farmacêuticos de genéricos e de medicamentos patenteados, foi decidida em maio. Foi derrubado trecho da Lei de Propriedade Industrial (LPI) que prevê extensão do prazo de patentes em caso de demora na análise pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).

Com isso, ficou valendo a regra de que as patentes deverão valer por 20 anos, a partir da data do pedido, independentemente do tempo de análise e sem chance de extensão por mais dez anos.

A decisão importa porque os ministros entenderam que a regra de então “dificulta a superação da pobreza, o atraso tecnológico do nosso país e não contribui para o desenvolvimento do Brasil, onerando o poder público e o consumidor”, como disse o ministro Ricardo Lewandowski em voto.

Tese tributária do século

Empresas, advogados, a Fazenda Nacional e a Receita Federal focaram atenções no julgamento dos embargos de declaração sobre aquela que é considerada a “tese do século” entre os tributaristas: a exclusão do ICMS da base de cálculo para o pagamento do PIS e da Cofins. O recurso dizia respeito a qual seria a data em que a regra passaria a valer, e portanto qual o montante total que deveria ser restituído pela Fazenda aos contribuintes. Estavam em disputa R$ 258,3 bilhões, segundo a Fazenda. 

Em maio, o STF decidiu que a regra valeria a partir de 15 de março de 2017, data do julgamento que decidiu a questão. Apenas as ações judiciais e administrativas protocoladas até a data do julgamento de 2017 foram ressalvadas. Os ministros também definiram que o ICMS a ser retirado da base das contribuições é aquele destacado em nota fiscal. A posição do Supremo foi favorável aos contribuintes.

Injúria racial é crime imprescritível

Em julgamento iniciado em 2020, o STF confirmou, em outubro, que a injúria racial é uma espécie de racismo, portanto, é crime imprescritível. O passo é relevante, porque, de acordo com a legislação brasileira, são imprescritíveis apenas os crimes de racismo e de ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Assim, independentemente de quando o crime aconteceu, ele ainda pode ser punido.

Derrubada de modificações da reforma

Uma das principais alterações da reforma trabalhista de 2017 na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi a previsão de que o trabalhador beneficiário da Justiça pagasse pela perícia e pelos honorários advocatícios sucumbenciais caso fosse vencido. Em outubro, os ministros do STF decidiram que os dispositivos são inconstitucionais. Como não foi feita modulação, se entende que a medida nunca valeu, por isso os beneficiários que pagaram pela Justiça gratuita poderão reaver os valores.

O STF ainda julgará outras ações que questionam a reforma, como os dispositivos do trabalho intermitente; se as cláusulas de acordos coletivos podem integrar os contratos individuais de trabalho; teto indenizatório por danos morais e extrapatrimoniais nas ações perante a Justiça do Trabalho; e a prevalência do acordado sobre o legislado.

Decisões revelaram embates com a PGR

O relatório da CPI da Covid-19, com possíveis crimes constatados pelos senadores, foi enviado à Procuradoria-Geral da República (PGR), mas, a abertura de inquérito para investigar Bolsonaro foi determinada pelo ministro Alexandre de Moraes sem que a PGR pedisse. A decisão é considerada heterodoxa, já que o Ministério Público é considerado o “dono” do inquérito e é o responsável por fazer a denúncia criminal.

Para Moraes, na decisão de dezembro, a CPI tem legitimidade para pleitear a apuração de supostas condutas criminosas. Um dos episódios investigados é a fala de Bolsonaro em live associando a vacinação contra a Covid-19 com a infecção por HIV.

Augusto Aras, que está no segundo mandato à frente da PGR, recorreu contra a abertura do inquérito no Supremo, sob o argumento que o órgão estava fazendo a investigação internamente. Ele reforçava que tem a prerrogativa de manter as investigações. Então Moraes concedeu um habeas corpus de ofício determinando PGR trancasse a investigação interna e enviasse ao Supremo a íntegra de toda a apuração feita. Caso a PGR insista no recurso, os ministros terão de se manifestar sobre o tema.

Antes, em julho, a ministra Rosa Weber autorizou a abertura de um inquérito para investigar Bolsonaro pela suspeita da prática de crime de prevaricação no caso da compra das vacinas Covaxin. Ela enviou recado à PGR ao dizer que “no desenho das atribuições do Ministério Público, não se vislumbra o papel de espectador das ações dos Poderes da República”.

A ministra Cármen Lúcia também criticou a PGR em despachos. Em outubro, a ministra deu 15 dias para Augusto Aras detalhar quais foram as apurações foram feitas sobre um pedido de investigação do presidente da República pelos atos antidemocráticos em 7 de setembro. ”

“É dever jurídico desta Casa supervisionar a investigação que venha a ser instaurada”,  afirmou a ministra ao criticar as apurações preliminares feitas pela PGR: “qualquer atuação do Ministério Público que exclua, ainda que a
título de celeridade procedimental ou cuidado constituído, da supervisão
deste Supremo Tribunal Federal apuração paralela a partir ou a propósito
deste expediente (mesmo que à guisa de preliminar) não tem respaldo
legal e não poderá ser admitida”.

Depois da manifestação da PGR pelo arquivamento da notícia-crime, a ministra não voltou a despachar no processo.