O presidente Jair Bolsonaro prestou depoimento à Polícia Federal no inquérito nº 4831, que investiga a suposta interferência dele na corporação, conforme denúncia do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. Na oitiva, o presidente disse que não interferiu na corporação e que trocou o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, por “falta de interlocução”.
Bolsonaro informou ainda que o ex-ministro Sérgio Moro teria condicionado a indicação de Alexandre Ramagem – preferido do presidente – como diretor-geral da Polícia Federal a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).
O depoimento foi realizado na última quarta-feira (03/11) no Palácio do Planalto, e o documento com o conteúdo foi anexado aos autos nesta quinta-feira (4/11). (Leia a íntegra do depoimento de Bolsonaro à PF)
De acordo com o depoimento, em meados de 2019, Bolsonaro solicitou ao ex-ministro Sérgio Moro a troca do então diretor-geral da PF. O presidente afirma que “não havia qualquer insatisfação ou falta de confiança com o trabalho realizado pelo DPF Valeixo, apenas uma falha de interlocução”.
O presidente chegou a pedir para que depoimento fosse escrito, no entanto, mudou a estratégia em outubro e, informou, via Advocacia-Geral da União (AGU), que falaria presencialmente no inquérito. Na ocasião, Moraes deu 30 dias para que o depoimento fosse colhido pela PF.
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Questionado sobre a declaração “eu tenho a PF nas mãos” em reunião ministerial em abril de 2020, Bolsonaro afirmou que quis dizer que não obtinha informações de forma ágil e eficiente dos órgãos do Poder Executivo, assim como da própria Polícia Federal; que, quando disse “informações”, se referia a relatórios de inteligência sobre fatos que necessitava para a tomada de decisões e nunca informações sigilosas sobre investigações.
Ainda sobre a reunião e a frase “Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui!”, Bolsonaro informou que se referia ao grupo que faz a segurança de sua família e que, para ele, poderia ser melhorado, principalmente no acompanhamento do seu filho Carlos Bolsonaro, residente no Rio de Janeiro. Assim, segundo Bolsonaro, quando disse que queria trocar gente no Rio de Janeiro, referia-se a sua segurança pessoal e da sua família.
Sobre as acusações de Moro de que as motivações para a troca da direção da PF seria porque o presidente “precisava de pessoas de sua confiança, para que pudesse interagir, telefonar e obter relatórios de inteligência”, Bolsonaro afirmou que, em seu entendimento, necessitava da mudança porque nunca obteve, de forma direta, relatórios de inteligência produzidos pela Polícia Federal e que não possui acesso ao sistema da Abin e, assim, muitas informações relevantes para a sua gestão chegavam primeiro por meio da imprensa, quando deveriam chegar ao seu conhecimento por meio do Serviço de Inteligência.
Bolsonaro foi questionado ainda se a troca da direção da PF estava relacionada à suposta falta de empenho da corporação na investigação que visou a elucidar as declarações do porteiro do condomínio da residência do presidente, no Rio de Janeiro, o qual teria levantado falsas suspeitas do envolvimento de Bolsonaro no assassinato da vereadora Marielle Franco. O presidente afirmou que fez as mesmas cobranças do próprio Moro e que, depois, ficou comprovado que o depoimento do porteiro era inverídico.
Quanto à troca de comando da PF no Rio de Janeiro, Bolsonaro confirmou que, em agosto de 2019, sugeriu a Moro a troca do superintendente porque o estado do Rio de Janeiro é muito complicado e entendia que necessitava de um dirigente da Polícia Federal local com maior liberdade de trabalho. Para Bolsonaro, o então superintendente Ricardo Saadi tinha a completa independência para tomar as medidas necessárias para melhorar a gestão local.
Em relação à alteração do superintendente da PF de Pernambuco, o presidente afirmou que o motivo foi a baixa produtividade local e o fato da então superintendente ter, anteriormente, assumido o cargo de Secretária Estadual de Pernambuco, o que não daria a isenção necessária nos trabalhos locais.
O presidente Bolsonaro afirmou ainda que não soube previamente da operação sigilosa Operação Furna da Onça, cujo alvo era Fabrício Queiroz, ex-assessor do Senador Flávio Bolsonaro e que soube da operação pela imprensa.
O pedido de abertura de inquérito feito pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no STF ocorreu poucas horas após a coletiva de Moro, na qual ele disse que Bolsonaro queria obter relatórios de investigações da PF, e que demonstrou preocupação com inquéritos que tramitam na Corte.
O advogado Rodrigo Sánchez Rios, que representa Moro, divulgou nota afirmando que o depoimento de Bolsonaro foi prestado “sem que a defesa do ex-ministro fosse intimada e comunicada previamente, impedindo seu comparecimento a fim de formular questionamentos pertinentes, nos moldes do que ocorreu por ocasião do depoimento prestado pelo ex-ministro em maio do ano passado”.
“A adoção de procedimento diverso para os dois coinvestigados não se justifica, tendo em vista a necessária isonomia entre os depoentes”, afirmou.