STF

Barroso veda campanhas que sugiram que população deve voltar às atividades plenas

‘Supressão das medidas de distanciamento social não produzirá resultado favorável à proteção da vida’, diz o ministro

Ministro Roberto Barroso durante sessão plenária do TSE / Crédito: Flickr/@tsejusbr

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu medida cautelar, nesta terça-feira (31/3), para vedar a produção e circulação, por qualquer meio, de qualquer campanha que pregue que “O Brasil Não Pode Parar”, divulgada na semana passada pelo governo Jair Bolsonaro, ou que sugira que a população deve retornar às suas atividades plenas, ou, ainda, que expresse que a pandemia constitui evento de diminuta gravidade para a saúde e a vida da população.

O ministro determinou, ainda, a sustação da contratação de qualquer campanha publicitária destinada ao mesmo fim. O ministro determinou ainda que o Google, Instagram, Twitter, Facebook, Telegram e Whatsapp sejam intimados sobre a decisão.

Leia a íntegra.

A decisão foi proferida no âmbito das arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs) 668 e 669, ajuizadas pela Rede e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos.

Na última quarta-feira (25/3), foi publicada nas redes sociais da Secom do Governo Federal vídeos com a frase “O Brasil Não Pode Parar”. Após a repercussão negativa, na sexta-feira, os vídeos foram excluídos e, no sabádo, a Secom negou a existência da campanha por meio de nota foi divulgada a imprensa. Também no sábado, a 10ª Vara Federal do Rio de Janeiro determinou a suspensão da campanha.

As ADPFs foram ajuizadas no STF no fim de semana. Ao decidir por conceder a cautelar nas ações, o ministro Luís Roberto Barroso, relator, entendeu que há plausibilidade no pedido e urgência. “A plausibilidade decorre do reconhecimento técnico-científico, por parte das principais autoridades mundiais e nacionais, sobre a gravidade da pandemia e a imprescindibilidade de medidas de redução da circulação social, sob pena de se colocar em risco a saúde e a vida da população. O perigo na demora está igualmente caracterizado, quer porque já há vídeo circulando da internet, conclamando a população a não parar, quer porque a qualquer momento pode ser lançada campanha mais ampla, no mesmo sentido, com o uso de recursos públicos escassos”, diz  o ministro.

Barroso cita dados de infectados e de mortos pela Covid-19 no Brasil e no mundo, e destaca que não tomar medidas para reduzir a velocidade de contágio pode causar um colapso no sistema de saúde. “Entre as medidas de redução da velocidade de contágio estão justamente aquelas que determinam o fechamento de escolas, comércio, evitam aglomerações, reduzem a movimentação de pessoas e prescrevem o distanciamento social. A necessidade de tais medidas constitui opinião unânime da comunidade científica sobre o tema, conforme manifestações da Organização Mundial de Saúde, do Ministério da Saúde, do Conselho Federal de Medicina e da Sociedade Brasileira de Infectologia”, destaca o ministro.

O ministro apresenta estudos científicos que apontam que países em desenvolvimento como o Brasil apresentam grandes aglomerações urbanas e pessoas vivendo em situação de precariedade sanitária, e que o sistema de saúde, que já se mostra suficiente em situações normais, tende a se agravar ainda mais. Só por isso, aponta Barroso, já é consenso na comunidade científica que deve-se tomar medidas mais rígidas para conter a disseminação do coronavírus.

E, ainda que assim não fosse, o ministro aponta que há jurisprudência no STF consolidade no sentido de que, em matéria de tutela ao meio ambiente e à saúde pública, devem-se observar os princípios da precaução e da prevenção.

Na visão do ministro, “uma campanha publicitária, promovida pelo Governo, que afirma que ‘O Brasil não pode parar’ constitui, em primeiro lugar, uma campanha não voltada ao fim de ‘informar, educar ou orientar socialmente’ no interesse da população (art. 37, §1º, CF)”. Para Barroso, a campanha fere preceitos constitucionais fundamentais.

“Em momento em que a Organização Mundial de Saúde, o Ministério da Saúde, as mais diversas entidades medicas se manifestam pela necessidade de distanciamento social, uma propaganda do Governo incita a população ao inverso. Trata-se, ademais, de uma campanha ‘desinformativa’: se o Poder Público chama os cidadãos da ‘Pátria Amada’ a voltar ao trabalho, a medida sinaliza que não há uma grave ameaça para a saúde da população e leva cada cidadão a tomar decisões firmadas em bases inverídicas acerca das suas reais condições de segurança e de saúde”, diz Barroso.

E continua: “O uso de recursos públicos para tais fins, claramente desassociados do interesse público consistente em salvar vidas, proteger a saúde e preservar a ordem e o funcionamento do sistema de saúde, traduz uma aplicação de recursos públicos que não observa os princípios da legalidade, da moralidade e da eficiência, além de deixar de alocar valores escassos para a medida que é a mais emergencial: salvar vidas (art. 37, caput e §1º, CF)”.

O ministro ainda destaca que não há uma dicotomia entre proteção à saúde da população e proteção à economia e aos empregos da mesma população, tal como vendo sendo alegado, pois o mundo inteiro está passando por medidas restritivas em matéria de saúde e pelos impactos econômicos delas decorrentes.

“Caso o Brasil não adote medidas de contenção da propagação do vírus, o próprio país poderá ser compreendido como uma ameaça aos que o estão combatendo, passando a correr o risco de isolamento econômico. Não bastasse isso, a supressão das medidas de distanciamento social levará inevitavelmente à propagação do vírus, conforme ampla experiência internacional, e, em algum momento do futuro, a medida de restrição da população será ainda mais grave. Portanto, a demora na tomada de medidas de contenção da propagação do vírus tende a aumentar os riscos também para a economia. Nota-se, portanto, que a economia precisa que a saúde pública seja protegida para que volte a funcionar em situação de normalidade”, diz o ministro.

Por fim, o ministro argumenta que não se trata de decisão política de competência do presidente da República sobre como conduzir o país durante a pandemia da Covid-19. Isso porque, na visão de Barroso, haveria uma decisão política “se a autoridade eleita estivesse diante de duas ou mais medidas aptas a produzir o mesmo resultado: o bem estar da população, e optasse legitimamente por uma delas”. O ministro entende não ser o caso.

“A supressão das medidas de distanciamento social, como informa a ciência, não produzirá resultado favorável à proteção da vida e da saúde da população. Não se trata de questão ideológica. Trata-se de questão técnica. E o Supremo Tribunal Federal tem o dever constitucional de tutelar os direitos fundamentais à vida, à saúde e à informação de todos os brasileiros”, conclui.

Na ADPF 669, o partido Rede Sustentabilidade considerou fato consumado a celebração de contrato da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, no valor aproximado de R$ 4,8 milhões, com a empresa de publicidade “iComunicação” para a elaboração de campanha que – a pretexto de auxiliar no controle da disseminação do coronavírus – “acaba espalhando a desinformação em massa, na contramão de consensos mínimos firmados por autoridades sanitárias e médicas nacionais e internacionais, além de violar princípios basilares da Administração Pública”.

Já na ADPF 668, a CNTM apontou “risco de disseminação de desinformação e lesão irreversível ao erário”, considerando que tal campanha – ao concitar a população a interromper a quarentena e sair do isolamento social “prescrito pelas maiores autoridades mundiais em saúde pública, com base nas nefastas experiências vividas por outros países vitimados pela pandemia de coronavírus” – seria “uma frontal agressão ao preceito fundamental da saúde pública como direito inalienável do indivíduo e obrigação do Estado”.