Normas assinadas pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nos 100 primeiros dias de mandato tornaram-se objeto de questionamento em nove ações constitucionais no Supremo Tribunal Federal (STF). O número é praticamente a metade do registrado por Jair Bolsonaro (PL) no mesmo período de seu governo, em 2019, quando se acumularam 17 ações constitucionais contra atos de sua gestão.
Todas as ações contrárias a atos do atual presidente não tiveram julgamento de mérito e ainda tramitam no Supremo. A maioria conta com decisões interlocutórias — pronunciamentos que determinam algo sobre o andamento do processo. O mesmo vale para as ações contra medidas de Bolsonaro: hoje, elas transitaram em julgado, mas, considerando o período de 100 dias, registravam apenas decisões que davam andamento à marcha processual.
A maioria dos pleitos contra atos do ex-presidente está relacionada à Medida Provisória (MP) 873/2019, que reforçava uma mudança realizada pela reforma trabalhista e impedia o desconto da contribuição sindical em folha de pagamento. Das 17 ações, 12 tinham por objeto a MP, sendo uma ADPF e as demais por ADI. Outras quatro ações questionavam a organização político-administrativa e uma, o relaxamento de exigências para acesso a armas de fogo.
Já a oposição judicial ao governo Lula foi dominada por temas tributários. O tópico que motivou mais ações no STF foi o estabelecimento do imposto sobre exportação de petróleo bruto até 30 de junho de 2023. O Partido Novo e o Partido Liberal (PL), além da Associação Brasileira de Empresas de Exploração e Produção de Petróleo e Gás (Abep), ingressaram com pedidos para que a Corte declare a tributação inconstitucional.
Foram protocoladas ainda ADIs contra o restabelecimento das alíquotas de PIS/Pasep e Cofins e o retorno do voto de qualidade pró-fisco como único critério de desempate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Na última quinta-feira (6/4), o Partido Novo entrou com uma ADPF no Supremo contra dois decretos da atual administração que buscam regulamentar os dispositivos do Novo Marco Legal do Saneamento Básico.
Para o cientista político Claudio Couto, professor da FGV EAESP, as ações relevam o contraste entre as agendas políticas dos dois governo e a situação que os presidentes encontraram ao chegar ao Executivo.
“O que você tem são ações que expressam reorientações de governo a respeito do status quo, da situação anterior, em setores que eles tinham como prioridade — principalmente a desregulamentação da área trabalhista no caso do governo Bolsonaro e uma preocupação com o aumento arrecadatório no caso do governo Lula,” ressaltou.
As ações foram, na maioria, propostas por confederações sindicais e entidades de classe. Na visão de Luiz Arcaro Conci, professor de Direito Constitucional e de Teoria Geral do Estado na PUC-SP, isso é esperado porque elas estão representando os interesses de determinado setor da economia.
Em relação aos partidos políticos, no total foram ajuizadas seis ADIs, das quais metade questionava medidas provisórias de Bolsonaro e a outra metade, MPs assinadas por Lula.
Na visão do professor, a legitimidade para propor ações no STF “é muito ampla no Brasil, não requer, por exemplo, minoria qualificada. Qualquer partido com representação tem legitimidade independentemente do número de deputados ou senadores. Então, na verdade, o jogo tende a não acabar no Parlamento porque a porta de acesso à jurisdição concentrada fica aberta demais”.
Governo Lula também foi ao STF
Lula também chega à marca de 100 dias com duas ADCs de autoria própria. Tratam-se das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 84 e 85. As ações visam que o STF declare a constitucionalidade do decreto que elevou as alíquotas de PIS/Pasep e Cofins e do que restringiu o acesso a armas de fogo, respectivamente. Jair Bolsonaro não realizou movimento semelhante durante os 100 primeiros dias de governo.
“O que se quer é reforçar a interpretação que o próprio governo teve de que essas regras são, sim, constitucionais,” afirmou o advogado constitucionalista Henderson Fürst. Na visão do especialista, trata-se de uma “estratégia inteligente” e “politicamente válida” para enfatizar a tese da constitucionalidade e impedir que existam decisões no sentido oposto.
Foi no âmbito dessas ações que o governo Lula conquistou vitórias no Tribunal. Na primeira, obteve uma liminar do ministro Ricardo Lewandowski no sentido de suspender a eficácia de decisões judiciais que possibilitavam o recolhimento dos tributos pelas alíquotas reduzidas. Na segunda, a Corte referendou uma cautelar de Gilmar Mendes que suspendia ações e os efeitos de decisões que afastavam a aplicação do decreto que dificultou o acesso a armas de fogo.
As duas ADCs foram protocoladas após a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) e o Instituto Brasileiro de Tiro pedirem a declaração de inconstitucionalidade dos decretos sobre o PIS/Pasep e a Cofins e o acesso a armas de fogo, nesta ordem, nas ADIs 7.334 e 7.342.
Levantamento
A pesquisa foi realizada pela reportagem no site do STF, considerando ações de controle concentrado de constitucionalidade:
- Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs),
- Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs),
- Ações Diretas de Inconstitucionalidade por Omissão (ADOs),
- Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs).
O intervalo considerado foi o de 100 dias de governo do presidente Lula e do ex-presidente Jair Bolsonaro.