Luiz Orlando Carneiro
Foi repórter e colunista do JOTA
A Associação Brasileira de Imprensa ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF), nesta segunda-feira (12/4), arguição de descumprimento de preceito fundamental a fim de que seja assegurado aos jornalistas o direito de não responder a ações penais por calúnia ou por difamação “pelo simples fato de exercerem com destemor seus ofícios”. De acordo com os advogados da ABI, a ADPF 826 tem a intenção de “garantir a plena observância da liberdade de expressão, do direito à informação e, por consequência, a integridade do regime republicano e democrático do Estado brasileiro”.
Na última quinta-feira (8/4), a associação ingressou na Corte com uma ação paralela de inconstitucionalidade (ADI 6.792), na tentativa de estabelecer a interpretação segundo a qual o ajuizamento de múltiplas ações cíveis com o objetivo de intimidar jornalistas e órgãos de imprensa é “conduta ilegítima, caracterizada como litigância de má-fé, passível de gerar o dever de indenizar a vítima”. Nesta – que terá como relatora a ministra Rosa Weber - o pedido central é a “suspensão dos processos instaurados para se promover a responsabilização civil de jornalistas e órgãos de imprensa, bem como das execuções das sentenças condenatórias já proferidas”.
Mas agora, na ADPF 826, os advogados da ABI explicam que a arguição é complementar às ações que já tramitam perante o Supremo e impugnam a Lei de Segurança Nacional, “instrumento que vem sendo usado para tentar enquadrar jornalistas e outros críticos do atual governo federal, como artistas e advogados”. A instituição já foi até admitida, na qualidade de amicus curiae numa dessas ações – a ADPF 799, relator o ministro Gilmar Mendes.
Os advogados da causa (Antero Luiz Martins Cunha, Luís Guilherme Vieira e Cláudio Pereira de Souza Neto explicam:
"Ainda que o Supremo venha a declarar inconstitucional parte da Lei de Segurança Nacional — e a ABI acredita que isso será feito — é necessário agir em outras frentes que, hoje, permitem que profissionais de imprensa sejam perseguidos por autoridades públicas descontentes com a fiscalização jornalística de seu trabalho. A ADPF se ocupa especificamente dos problemas associados ao impacto das normas que tipificam crimes contra a honra sobre o exercício da liberdade de expressão”.
Assim, o objetivo da nova arguição (ADPF 826) é o de que jornalistas só respondam a ações penais de calúnia e de difamação “em casos claros de fabricação de informações ou propagação sistemática de notícias falsas”. Para isso, a ABI requer faça o STF interpretação conforme a Constituição de artigos do Código Penal e do Código Eleitoral que definem os crimes de calúnia e de difamação. E também que os ministros declarem a não-recepção pela Constituição de outro conjunto de dispositivo dos mesmos códigos e de outros diplomas legais, como Código Penal Militar, que já foram e ainda podem ser usados para perseguir jornalistas.
Os advogados da ABI acrescentam as seguintes razões:
“Pode-se argumentar que as normas vigoram desde antes da Constituição Federal de 1988 e nunca impediram o exercício da liberdade de expressão no Brasil. A objeção, porém, desconsidera as mudanças por que passaram as empresas jornalísticas e as formas de comunicação no Brasil. Até há pouco, a atividade jornalística era exercida basicamente por meio de grandes empresas, com capacidade de arcar com os altos custos de defesa de seus jornalistas em casos de processos judiciais. Hoje, porém, a internet deu lugar a uma explosão de sites, blogs e portais nos quais se pratica jornalismo profissional de qualidade inquestionável”.
“Essa democratização provocada transformou a comunicação e tornou impossível a aplicação dos mesmos parâmetros que o Direito havia concebido para a comunicação impressa e para a radiodifusão tradicionais. Os pequenos órgãos de imprensa e jornalistas independentes que atuam em ambiente digital dificilmente podem fazer frente ao assédio sofrido por meio do ajuizamento de ações e da instauração de inquéritos policiais.
A perspectiva de responderem a processos e de terem que se defender em inquéritos pode efetivamente dissuadi-los de publicar matérias que contrariem os interesses de pessoas públicas, dotadas de grande poder político e social. A hipótese é de impacto desproporcional. É essa a realidade, aliás, que nos bate à porta. Basta anotar que desde o início do atual governo, o Ministério da Justiça e da Segurança Pública vem requisitando a abertura de inquéritos policiais para apurar publicações de jornalistas e outras manifestações públicas críticas.
Em 2019 e 2020, já foram abertos 77 inquéritos, muitos com base na Lei de Segurança Nacional, mas muitos também com fundamento nos artigos 138 a 145 do Código Penal. Importante deixar claro que direitos da personalidade jamais ficarão carentes de proteção com a recepção dos argumentos da ADPF da ABI. O ordenamento jurídico prevê a possibilidade de condenação, nos casos cabíveis, a reparação por danos e garante o exercício de direito de resposta.
O que se busca com a ação é evitar que dispositivos oriundos de períodos de exceção sejam cada vez mais usados, como estão sendo para servir de fundamento para a prática de atos lesivos aos preceitos fundamentais da liberdade de informação jornalística, da liberdade de expressão e da democracia. Dessa forma, a ABI cumpre com uma das finalidades de sua existência: a luta pela garantia de que os profissionais de imprensa tenham liberdade para exercer em plenitude o seu ofício”.