Hyndara Freitas

Em 16 de março, com o objetivo de discutir o enfrentamento ao coronavírus, o então presidente do Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">STF</a>), Dias Toffoli, e mais seis ministros da Corte se reuniram com o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidentes de tribunais superiores, o procurador-geral da República, Augusto Aras, e o então advogado-geral da União, André Mendonça. O tema da reunião: Dos chefes dos Três Poderes, só não estava presente Jair Bolsonaro (sem partido).
A reunião, que durou horas, representou o primeiro movimento do Supremo em relação à pandemia da Covid-19. Naquela noite, o tribunal tomou um lado: iria priorizar casos relacionados à crise sanitária e econômica decorrente da pandemia, e iria atuar para podar excessos dos Poderes Executivo e Legislativo, evitando que um momento de exceção gerasse uma espécie de “Estado de exceção” ou desrespeito às regras constitucionais. Em breve coletiva de imprensa, Toffoli anunciou que manteria as sessões presenciais de julgamento – não durou muito tempo, já que dez dias depois o tribunal decidiu adotar os julgamentos por videoconferência – e indicou a prioridade para ações sobre a pandemia. 
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A expectativa de judicialização de ações relativas à Covid-19 se concretizou rapidamente, e a pauta foi tomada por julgamentos relacionados à pandemia. Durante todo o ano, a realidade se sobrepôs ao planejamento prévio da pauta: casos que outrora teriam prioridade de julgamento -- seja pelo tempo que tramitam na Corte, seja pela repercussão social ou econômica -- ficaram para depois. Semana a semana, o tribunal foi se moldando às novas demandas, sempre urgentes. 
O STF, sem dúvidas, passou a ser palco importante das políticas públicas no combate à pandemia. Apesar de não executar nem legislar, a Corte foi instada a sanar omissões, para validar ou derrubar medidas do governo federal e do Congresso, a dirimir conflitos federativos e entre os Poderes, a avalizar medidas de controle das contas públicas e a nortear procedimentos. 
Das primeiras medidas relacionadas à pandemia até a vacina, o Supremo foi consultado com frequência. Coube à Corte até mesmo divulgar o plano de vacinação do governo, bem como exigir a divulgação de um cronograma para realização da imunização. O Ministério da Saúde só apresentou o plano em uma coletiva de imprensa dias depois de o STF torná-lo público por determinação do ministro Ricardo Lewandowski.
Partiu do Supremo também a decisão que determinou que cabe ao poder público, tanto à União quanto aos estados e municípios, determinar a vacinação obrigatória, com a adoção de medidas restritivas para incentivar a imunização. A decisão, tomada na última semana antes do recesso, reforça o entendimento da Corte no sentido de permitir uma atuação de todos os entes no combate à pandemia e na garantia da concretização do direito à saúde à população, fazendo com que as ações não dependam apenas do Executivo federal.
Em alguns momentos, confirmou medidas governamentais, inclusive adotando interpretações flexíveis da Constituição, como quando permitiu negociações de redução de salário e suspensão de contrato de trabalho sem a participação de sindicatos. Em outros, deu fortes recados ao Palácio do Planalto, como por exemplo contra omissões no cuidado da saúde da população – um dever constitucional do Estado – e nas manifestações de que discursos que contrariam a ciência não podem ser tolerados. 
Partiram do STF diversas decisões que deixaram explícito que o governo não pode agir como bem entende, e que não pode decidir quais deveres constitucionais quer ou não cumprir. <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-mantem-decisao-para-governo-tomar-medidas-para-conter-covid-19-entre-indios-05082020">Uma dessas decisões foi a que mandou o governo criar um plano para contenção da Covid-19 entre indígenas</a>. Outra decisão neste sentido <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/moraes-determina-que-governo-mantenha-divulgacao-de-dados-da-covid-19-como-antes-08062020">foi a determinação para que o Ministério da Saúde divulgasse os dados sobre a doença diariamente e integralmente</a>. O STF também atuou para combater a desinformação: <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/barroso-veda-campanhas-populacao-voltar-atividades-plenas-31032020">o governo Bolsonaro foi proibido de divulgar peça publicitária que incitava a população a descumprir medidas de isolamento social</a>. 
Para se adequar ao novo cenário, a Corte precisou passar por adaptações internas. Além das sessões por videoconferência, a fim de conter eventuais contaminações por Covid-19 entre ministros e servidores, foi aprovada mudança regimental que possibilitou que qualquer processo fosse julgado em plenário virtual. Neste sistema, os ministros têm seis dias úteis para proferir seus votos, fora da TV Justiça e dos olhos da população. A ampliação dos julgamentos virtuais já era uma tendência da gestão Dias Toffoli, mas se acelerou com a pandemia. 
Isso, na prática, diminuiu o poder do presidente do Supremo – de Toffoli até setembro, e desde então, Luiz Fux – já que os ministros passaram a ter autonomia para pautar seus casos no plenário virtual, de acordo com suas próprias avaliações de urgência e necessidade. O efeito positivo foi um aumento da produtividade da Corte, principalmente para casos mais antigos. Mas as matérias relacionadas à pandemia, entretanto, foram julgadas em sua maioria no plenário por videoconferência.
O STF também criou o Painel de Ações Covid-19, no qual é possível acompanhar todas as ações sobre o tema que tramitam no tribunal, as classes processuais e as decisões proferidas. De março até 8 de dezembro, foram ajuizadas 6.380 ações no STF relacionadas à pandemia do coronavírus. A maior parte é habeas corpus, mas foram ajuizadas 51 ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) e 26 arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs), processos de controle de constitucionalidade de normas e atos do poder público.
De março a julho, a Corte foi praticamente tomada por processos relacionados à emergência de saúde pública, mas a partir de agosto, diminuiu o ritmo de ajuizamento de ações – muito porque eventuais problemas em normas editadas pelo presidente Jair Bolsonaro foram sendo discutidas pelo Congresso, na análise das MPs –, e foi aberto espaço na pauta para outras questões. Outro motivo é que o número de mortes pela doença também começou a cair em setembro.
O protagonismo do Supremo no combate à pandemia, entretanto, não agradou a todos. Se em anos anteriores, o tribunal chamou a atenção pública por decisões nas searas criminal e social, desta vez, foi muitas vezes acusado, por parlamentares e também nas redes sociais, de se sobrepor ao Legislativo e ao Executivo. Mas cabe ressaltar que a Corte foi provocada, desde o início, por parlamentares, governadores e partidos políticos a se pronunciar sobre cada passo dado pelos outros Poderes em relação à pandemia. Assim, o tribunal precisava se pronunciar. 
Já no fim do ano, com a pandemia um pouco mais controlada, abriu-se uma nova discussão no país: a vacinação. Alvo de conflito entre governadores e o presidente Jair Bolsonaro, o tema foi politizado. Sem demora, também foi judicializado. Até o momento, chegaram ao STF ao menos sete ações envolvendo a imunização.
Duas delas, as arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPF)  754 e 756, ajuizadas, respectivamente, pela Rede Sustentabilidade e por partidos da oposição (PCdoB, PT, PSOL, PSB e Cidadania, pedem que o governo federal adquira doses das vacinas Coronavac, contra a Covid-19. A vacina foi desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac Biotech em parceria com o Instituto Butantan de São Paulo.
Foi no âmbito destas ações que o Ministério da Saúde enviou ao Supremo o Plano de Imunização e o cronograma – sem datas – para realização deste plano.
Já outras duas discutem a obrigatoriedade da vacinação contra o vírus. Na ADI 6.586, o PDT pede que o Supremo determine que os estados têm competência para determinar a obrigatoriedade da vacinação contra a Covid-19. Em sentido oposto, o PTB ajuizou a ADI 6.587, na qual pede que o STF fixe ser inconstitucional a obrigatoriedade da vacina. As quatro ações têm como relator o ministro Ricardo Lewandowski, que votou no sentido de não permitir inércia do governo federal. 
Estas ações foram julgadas no dia 17 de dezembro, quando o Supremo definiu, por 10 votos a 1, que <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-vacinacao-compulsoria-e-constitucional-e-pode-ser-definida-por-entes-federados-17122020" target="_blank" rel="noopener noreferrer">é constitucional a possibilidade de vacinação compulsória, e que ela pode ser adotada por qualquer um dos entes.</a> O plenário destacou que obrigatoriedade é forçar a vacinação, pois depende do consentimento do cidadão. Contudo, os entes podem definir medidas restritivas para incentivar a vacinação.
Foi definido ainda que as vacinas devem ter registro em órgão de vigilância sanitária, mas não necessariamente na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A depender do caso, excepcionalmente, os entes podem importar materiais, medicamentos, equipamentos ou vacinas registrados em agências de vigilância sanitária dos Estados Unidos, Japão, Europa ou China.
Outra ação, <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/oab-pede-no-stf-dispensa-de-autorizacao-na-anvisa-para-vacinas-contra-a-covid-19-09122020" target="_blank" rel="noopener noreferrer">ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)</a>, pede que vacinas aprovadas por agências sanitárias de outros países possam ser usadas no Brasil, sem precisar de autorização da Anvisa. Já a <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/covid-19-rede-pede-ao-stf-que-todos-os-estados-possam-elaborar-plano-de-vacinacao-10122020" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Rede Sustentabilidade ajuizou a ADI 6.625,</a> na qual pede que os estados possam elaborar seus próprios planos de vacinação. Todas as ações têm como relator o ministro Ricardo Lewandowski.
Em seu voto, o ministro determinou que o Executivo apresente um planejamento detalhado das estratégias para o enfrentamento à pandemia, com a identificação de datas e recursos para assegurar a “oferta e distribuição tempestiva, universal e gratuita de vacinas, em qualidade e quantidade suficiente para a imunização de toda a população brasileira, segundo critérios técnicos e científicos pertinentes, assegurada a maior cobertura vacinal possível”.
<h3>Julgamentos</h3>
O governo editou dezenas de medidas provisórias, portarias e decretos. Publicadas no Diário Oficial pela manhã, muitas vezes, já eram alvo de ações no Supremo à tarde. Até pela maior atuação do Executivo no início da pandemia em relação ao Legislativo, o presidente da República foi o maior alvo das ações, e foram questionadas muitas de suas ações, omissões, discursos e publicações em redes sociais. 
E, quando submetido ao crivo do STF, o governo Jair Bolsonaro amargou derrotas sucessivas. O caso mais emblemático se deu ainda em março, <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-reafirma-competencia-de-estados-e-municipios-para-tomar-medidas-contra-covid-19-15042020">quando o STF decidiu que os estados e municípios têm competência concorrente para adotar medidas contra a Covid-19</a>. Este julgamento passou a ser utilizado por Bolsonaro, de forma distorcida, como justificativa para omissões em relação à pandemia. 
Ainda naquele mês, Bolsonaro editou a <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/trabalho/banco-de-horas-mp-30032020">Medida Provisória 927/2020</a>, que flexibilizou regras trabalhistas durante a pandemia. A ação foi questionada em dez ações diferentes. A MP trouxe mudanças nas regras trabalhistas, como a possibilidade de antecipação de feriados, e a suspensão do recolhimento do FGTS por alguns meses. Em abril, o plenário do STF concedeu liminar parcial para suspender dois dispositivos. O primeiro deles previa que a Covid-19 não poderia ser considerada doença ocupacional, e o outro limitava a atuação de auditores fiscais do trabalho durante a pandemia.
<a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-autoridades-que-nao-observarem-criterios-cientificos-podem-ser-responsabilizadas-21052020">Outra medida do governo suspensa parcialmente pelo STF foi a MP 966/2020, editada em maio</a>. A norma isentava de responsabilização agentes públicos por erros que viessem a cometer ao lidar com a crise sanitária e econômica em decorrência da pandemia de Covid-19. A medida foi questionada em sete ações. O STF derrubou essa espécie de salvo conduto às autoridades públicas, definiu que “erro grosseiro” de agentes públicos é passível de responsabilização, e que ele se dá quando não se observa critérios científicos e de organizações reconhecidas nacional e internacionalmente, especialmente a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Também foi bastante questionada foi a MP 954/2020, que determinou que as empresas telefônicas deveriam compartilhar seus dados com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para fins de pesquisa durante a pandemia. Foram cinco ações contra esta medida. <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-suspende-mp-que-obrigava-telefonicas-a-enviarem-dados-de-clientes-ao-ibge-07052020">Em 7 de maio, o plenário suspendeu a MP na íntegra, determinando que as empresas de telefonia, fixa e móvel, não deveriam mais enviar dados pessoais dos clientes ao IBGE</a>. Os ministros entenderam que a MP não fornecia mecanismo técnico ou administrativo para proteger os dados pessoais de acessos não autorizados, vazamentos acidentais ou utilização indevida. Naquele julgamento, os ministros destacaram a preocupação com o eventual uso indevido de dados dos cidadãos pelo poder público.
O governo ainda saiu derrotado quando editou uma medida que limitava o acesso à informação durante a pandemia: <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-mantem-suspensao-de-mp-que-limitava-lei-de-acesso-a-informacao-30042020">o STF suspendeu, em abril, dispositivos da MP 928/2020, que restringiam as respostas às requisições feitas com base na Lei de Acesso à Informação (LAI)</a>.
<h3>Conflitos federativos</h3>
O STF foi provocado não apenas em ações de controle de constitucionalidade, mas também para dirimir conflitos entre os entes. Logo nos primeiros meses de pandemia, estados procuraram o STF para suspender pagamentos de dívidas à União, a fim de concentrar os recursos na área da saúde. <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/coronavirus-stf-permitiu-12-estados-adiarem-pagamentos-a-uniao-30032020">O alívio foi concedido</a>: o ministro Alexandre de Moraes, relator de todas as ações que tratam sobre o tema por prevenção, suspendeu os pagamentos, mas determinou que os estados devem prestar contas periodicamente sobre a aplicação do dinheiro no combate à Covid-19. 
Ainda na seara das contas públicas, a própria União pediu aval do Supremo para suspender regras da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei de Responsabilidade Fiscal enquanto durar a emergência sanitária. Foi uma espécie de vacina do governo, para evitar futuros questionamentos ou um eventual enquadramento do presidente em crime de responsabilidade. A União saiu vitoriosa: o ministro Alexandre de Moraes concedeu liminar, em março, autorizando essa suspensão temporária. <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-referenda-suspensao-de-artigos-da-lrf-e-da-ldo-durante-a-crise-do-coronavirus-13052020">Em maio, a medida foi referendada pelo plenário</a>.
Decisão relevante ainda veio na área da segurança pública: entidades e partidos políticos pediram ao Supremo que determinasse a suspensão de operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a pandemia. O ministro Edson Fachin atendeu ao pedido, que depois foi referendado pelo plenário. Pela decisão, foram criadas diversas regras de conduta e restrições a atuação da Polícia fluminense, como a proibição de uso de helicópteros, a determinação de que compete ao Ministério Público estadual investigar mortes que ocorram em operações, a impossibilidade de usar escolas e unidades de saúde como bases para atuações policiais nas favelas.
Para além do campo jurisdicional, o próprio STF foi alvo de críticas quanto à postura da presidência da Corte em relação à Covid-19. O Supremo realizou uma cerimônia de posse, com 50 convidados, para celebrar a presidência de Luiz Fux. Dias depois, além do próprio Fux, outras oito autoridades que estavam presentes foram diagnosticadas com Covid-19. A ministra Maria Cristina Peduzzi, presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), chegou a ficar internada por duas semanas.
Na ocasião, a assessoria do STF <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-se-manifesta-apos-onda-de-convidados-a-posse-de-fux-contaminados-com-covid-19-17092020">soltou uma nota</a> para informar que o STF adotou “todas as medidas de segurança, protocolos e procedimentos recomendados pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde” na cerimônia de posse. Informou ainda que o setor de cerimonial do Supremo estava "em contato com os convidados que estiveram presentes à solenidade para alertá-los sobre a importância de buscarem serviço médico, caso tenham se exposto de alguma forma também em outros eventos fora do STF”.

posse fux

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JOTA

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