Ana Pompeu

A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf" target="_blank" rel="noopener noreferrer">STF</a>), manteve, nesta terça-feira (9/2), o acesso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva às mensagens de Telegram hackeadas de membros da Lava Jato. A manutenção se deu por uma questão processual: os ministros entenderam que os membros do MPF não seriam partes legítimas para recorrer da decisão de Lewandowski que concedeu o acesso às mensagens, na reclamação apresentada por Lula.
Por maioria, eles consideraram que a Reclamação (Rcl) 43.007 foi apresentada pela defesa de Lula e que os procuradores da República poderiam, ao se sentir afetados, questionar o acesso, mas em outra ação. Os ministros não entraram, formalmente, no mérito da validade das mensagens ou mesmo da possibilidade de uso delas por Lula, mas o tema acabou abordado nas sustentações e pelos ministros.
Em falas contundentes, o relator, Ricardo Lewandowski, defendeu sua posição diante de críticas feitas pelo Ministério Público Federal (MPF) e chegou a ler trechos das mensagens trocadas entre procuradores da República, assim como o presidente da Turma Gilmar Mendes. Já o ministro Luiz Edson Fachin ressaltou a presença de mensagens com fotos de crianças e adolescentes, filhos dos integrantes da Lava Jato, no material.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
Dois recursos foram pautados: um dos procuradores da Lava Jato e outro da Procuradoria-Geral da República (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/pgr" target="_blank" rel="noopener noreferrer">PGR</a>). O primeiro, julgado nesta tarde, questiona decisão do ministro Lewandowski de conceder ao ex-presidente Lula acesso às mensagens hackeadas de membros da Lava Jato e do ex-juiz Sergio Moro. Já o segundo se refere ao compartilhamento de dados do acordo de leniência firmado com a Odebrecht. Este não foi apregoado porque não houve tempo, mas foi citado por ser o objeto principal da ação.
Lewandowski defendeu o acesso da defesa de Lula aos diálogos e apontou a gravidade do conteúdo exposto até o momento. "É extremamente grave e impactante o que veio à tona e deve causar perplexidade em todos aqueles com mínimo conhecimento do que seja o devido processo legal". <a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/02/voto-ministro-ricardo-lewandowski-rcl-43007-agr.pdf">Leia a íntegra do voto do relator</a>.
Gilmar é o presidente da Turma e tem manifestado posições críticas à operação e à forma de atuação de seus integrantes. Ele classificou as mensagens como um constrangimento à instituição e ao sistema de Justiça como um todo e afirmou que a força-tarefa era uma "orquestra acusatória orquestrada pelo magistrado Sergio Moro".
Já Fachin ressaltou a violação à intimidade das pessoas expostas pelas mensagens: "Vê-se dos autos que há encontros de família com fotos de criança liberadas e diálogos que nada interessariam à defesa. Se forem verdadeiros esses fatos, são evidentes as violações ao direito à inviolabilidade das crianças".
O recurso julgado foi movido por Deltan Dallagnol, Januário Paludo, Laura Tessler, Orlando Martello Junior, Júlio Carlos Motta Noronha, Paulo Roberto Galvão de Carvalho e Athayde Ribeiro Costa. O advogado Marcelo Knopfelmacher representou o grupo. Ele defendeu que  o material é ilegal, constitui prova imprestável, não teve a autenticidade comprovada e que as mensagens da Spoofing não têm relação com o pedido inicial da Reclamação (Rcl) 43.007, em julgamento, e que trata do acesso à leniência da Odebrecht.
"Os procuradores estão preocupados com a manutenção do Estado Democrático de Direito. Se dermos crédito a material que não corresponde a absolutamente nada a sensação de ser cidadão no Brasil começa a ser bastante preocupante", ressaltou.
O material, segundo ele, foi apenas congelado, o que impede alteração daquele momento em diante, não efetivamente periciado. "Jamais houve aferição entre o que foi apreendido e o que teria sido digitado entre as vítimas. Nunca teve esse cotejo", disse Knopfelmacher.
A subprocuradora-geral Cláudia Sampaio Marques afirmou que, "surpreendentemente, em 23 de dezembro, às vésperas do Natal, surge, nas situações em que se traz questões urgentes, o advogado com uma petição pleiteando o compartilhamento da Spoofing. Não havia aderência entre o que ele estava reclamando, na inicial. E o relator proferiu uma decisão absolutamente desfundamentada, sem análise da questão", disse.
De acordo com ela, a Spoofing tem "material de deus e o mundo lá". E, como as mensagens envolveriam 176 pessoas, incluindo diferentes níveis hierárquicos de autoridades, além de pessoas que de um jeito ou de outro tiveram contato com essas e que não tinham  relação com a Lava Jato, a concessão de acesso seria de "extrema gravidade".
"O eminente relator proferiu decisão desprezando uma jurisprudência construída por este STF de décadas, de recusa de prova ilícita. O MPF entende que é um fato de extrema gravidade. De tantos anos que atuo neste tribunal nunca vi algo desta magnitude. O ex-presidente tem nas mãos material, e uso que ele vai fazer disso aparentemente não interessa à Justiça", enfatizou Cláudia Sampaio Marques.
Gilmar Mendes proferiu um voto duro. “Ou estamos diante de uma obra ficcional fantástica que merece o Nobel da Literatura ou estamos diante de um caso extravagante, o maior escândalo judicial da história da humanidade”, disse. “É disso que se trata. A parceira do juiz e membros do MPF viabilizou que até mesmo destinação de recursos fossem definidos. Isso só em passagens colhidas a esmo.”
O ministro leu vários trechos de mensagens, disse que havia a intenção de alcançar o ex-presidente desde 2015, tentativa de checar nota fiscal de compra de planta que Marisa Leticia teria feito na feira ou geladeira que Lula teria feito no Walmart. A prática de antecipar o conteúdo de manifestações técnicas do MP ao juiz, fora dos autos, fazia parte da rotina. O então juiz Sergio Moro, diz Gilmar, ocupava posição de revisor técnico nas peças mesmo que o processo já tenha saído de sua jurisdição.
Ao acompanhar o relator quanto à ausência de legitimidade dos procuradores da República, mencionando que eles não poderiam, de forma privada, fazer tal pedido, o ministro fez referência à Súmula 14, segundo a qual “é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”
<h3>Votos</h3>
Antes de começar a votar, efetivamente, Lewandowski respondeu à sustentação do Ministério Público Federal (MPF). O ministro afirmou que, <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-2a-turma-determina-reabertura-de-prazo-de-alegacoes-no-caso-do-instituto-lula-04082020" target="_blank" rel="noopener noreferrer">desde agosto do ano passado, tem lidado com a questão</a>, já que houve reiterados descumprimentos da ordem dada, pela Turma, para a concessão do acesso à leniência da Odebrecht. <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/lewandowski-determina-que-bonat-cumpra-decisao-do-stf-e-libere-acesso-a-provas-a-lula-16112020" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Em novembro, por exemplo, o ministro determinou, mais uma vez, que a 13ª Vara Federal de Curitiba liberasse o acesso</a> aos dados. A disputa entre o ex-presidente e a Lava Jato relacionada à leniência da empreiteira se arrasta, no STF, por mais de um ano e meio e há cerca de três anos no total.
"Desde agosto, numa sequência, uma recalcitrância, este ministro relator é obrigado a exigir que sua ordem seja cumprida. eu determinei o acesso aos dados que tenham respeito ao reclamante. Em 30 de dezembro, pasmem, o juiz plantonista afirmou que não era questão para plantão. Exarei nova decisão, que acabou sendo cumprida de forma limitada. O delegado entregou apenas parte do conteúdo, criando uma série de dificuldades."
O ministro também ressaltou que, nas decisões proferidas, ressalvou, de forma expressa, que os conteúdos que digam respeito exclusivamente a terceiros, isto é, aqueles que não tenham qualquer relação com Lula, deveriam ser mantidos sob sigilo. Para além disso, Lewandowski defendeu que não há que se falar em conversas privadas.
"Mas, ao revés, a diálogos travados por membros do Ministério Público Federal entre si e com um certo magistrado acerca de investigações e ações penais, em pleno exercício das respectivas atribuições, e em razão delas, dos quais alguns trechos, de evidente interesse da defesa do reclamante, foram por ela recuperados e juntados nesta reclamação", disse.
Ele acrescentou, ainda, que uma amostra do material já permite observar, ao menos em tese, "uma parceria indevida entre o órgão julgador e a acusação, além de trazer a lume tratativas internacionais, que ensejaram a presença de inúmeras autoridades estrangeiras em solo brasileiro, as quais, segundo consta, intervieram em investigações, aparentemente à revelia dos trâmites legais, de modo especial naquelas referentes à Odebrecht, objeto específico desta reclamação."
Kassio Nunes Marques votou na sequência. Em curta fala, afirmou que os procuradores sequer têm legitimidade para apresentar o pedido de reconsideração da decisão de Lewandowski, acompanhando, assim, o relator. Para ele, a competência para tal é exclusiva da PGR.
"Não estou fazendo qualquer juízo de mérito acerca da validade ou autenticidade do material coletado na operação. Limito-me, portanto, nos precisos termos do voto do ministro relator, a conferir acesso à defesa do reclamante ao referido material, permitindo, assim, o fiel cumprimento da decisão", disse.
Relator da Lava Jato no STF, o ministro Luiz Edson Fachin abriu a divergência. De saída, ele entendeu que os procuradores têm legitimidade para pedir que a autorização anterior seja revista. “A decisão atinge-os e atinge-os diretamente”, disse.
“Se estamos a falar de garantismo que tutela a ampla defesa e o direito de defesa, parece-se que precisamos estender a todos. Neste sentido, entendo que têm legitimidade e interesse os agravantes, já que as informações podem expor uma violação de direito de personalidade e até mesmo proteção de intimidade”, acrescentou.
Além disso, o ministro retomou decisão dada por ele próprio ao homologar pedido de desistência da defesa de Lula para fazer uma discussão sobre a prevenção da relatoria dos casos referentes à Lava Jato. Os advogados pediam a suspeição dos procuradores que atuaram no caso do triplex do Guarujá (SP).
O HC 174.398, impetrado contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi indeferido pelo relator, e um recurso de agravo regimental aguardava que o plenário do STF decidisse sobre a alegada suspeição. A defesa afirmou, no pedido de desistência, que teve acesso às mensagens por meio da Rcl 43.007.
Assim, ele defendeu que o acesso às mensagens deve ser definido pelo plenário da Corte, que pacificará a matéria. Fachin votou a favor dos integrantes da Lava Jato, para reverter a autorização de Lewandowski e impedir que Lula use o material "em qualquer circunstância".
Na sequência, a ministra Cármen Lúcia ressaltou, novamente, que se tratava de um julgamento sobre a adequação do pedido. "Há os caminhos e vias processuais próprios para cada um exercer o direito de defesa. O direito de defesa foi apresentado pelo reclamante Lula. E se terceiros também se acham atingidos, em razão da decisão que permitiu o acesso a esses dados, o sistema permite que nas vias próprias também se possa questionar."
No entanto, a ministra também afirmou que, no caso, pode-se notar que a Polícia Federal tem acesso ao material, o Ministério Público também, assim como a Justiça. "E a defesa não tem acesso a dados? É preciso que a gente leve com a segurança que a Constituição assegura. Se por um lado há a questão da intimidade, por outro há alguém que está respondendo a ação penal", disse.
<h3>Suspeição de Moro</h3>
Em dezembro, Lewandowski atendeu a pedido da defesa de Lula e determinou que ele tivesse acesso às mensagens apreendidas no âmbito da Operação Spoofing. Na última semana, o processo foi tornado público, e a defesa do petista tem juntado perícias de trechos que considera relevantes para corroborar a tese de parcialidade de Moro. O pedido de suspeição também será julgado pela 2ª Turma.
Nesta manhã, <a href="https://www.jota.info/casa-jota/gilmar-mendes-inelegibilidade-de-lula-ainda-precisara-ser-discutida-09022021" target="_blank" rel="noopener noreferrer">o ministro Gilmar Mendes disse, em entrevista ao JOTA, que preferiria que a análise tivesse continuidade em plenário físico</a>, para facilitar o debate sobre o tema. "Até porque isso me daria uma certa paz de espírito. Tiraríamos este questionamento do ar. Estou certo de que precisamos fazê-lo", disse, acrescentando que as acusações são graves e preocupantes. "O que nós fizemos de errado para que institucionalmente produzíssemos isso que se produziu?", afirmou sobre a forma de operação da Lava Jato.
A defesa de Lula tem ido diariamente à sede do Instituto Nacional de Criminalística (INC), em Brasília, para acessar o material remanescente apreendido. No total, Cristiano Zanin e equipe tiveram acesso a 740 Gb em arquivos, por meio da decisão de Lewandowski de 28 de dezembro.
Há mensagens dos membros do MPF do Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, e do ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro, também chamado de Russo ou Putin. Em alguns chats também há a participação de integrantes de órgãos de correição.

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JOTA

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