O ministro Gilmar Mendes completa, nesta segunda-feira (20/6), 20 anos de atuação como ministro no Supremo Tribunal Federal (STF).
Indicado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o mato-grossense de Diamantino, hoje com 66 anos, é hoje o mais antigo dos ministros da Corte e deve permanecer nesta condição de decano por mais 8 anos e 6 meses, até a data da aposentadoria compulsória.
Como advogado-geral da União, revolucionou a carreira e é apontado por seus sucessores como um dos principais responsáveis pela força institucional e pela organização que hoje a AGU apresenta. Por sua atuação durante o governo de Cardoso, ele foi indicado ao STF – quando também se discutia um projeto de filiação ao PSDB e uma possível carreira política.
Sua relação próxima com caciques tucanos e sua atuação em defesa do governo motivou protestos de quem achava que a escolha seria essencialmente política e influenciaria seus votos em assuntos ligados ao governo. Juristas, professores e alunos de Direito protestaram no largo São Francisco, em São Paulo, e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) publicou uma nota de repúdio.
De outro lado, Mendes foi apoiado pela Associação Nacional de Procuradores Federais, o departamento de Direito da UnB e o Instituto Brasileiro de Altos Estudos (Ibrae), que exaltavam sua competência técnica.
A candidatura de Mendes ao Supremo, portanto, foi das primeiras a gerar intenso debate público e deixar de ser um processo meramente burocrático. Críticas e apoios nos jornais e mesmo contestações na sua sabatina.
Pela primeira e única vez até hoje, alguém de fora do parlamento pediu a palavra para contestar a indicação do candidato a ministro na Comissão de Constituição e Justiça durante o processo de sabatina. O ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Reginaldo de Castro afirmou que Mendes não teria atuado como advogado em nenhuma ação, o que seria um requisito para ser ministro do STF. Alegação superada pela atuação marcante de Mendes na AGU e na defesa de teses do governo.
Senadores do PT, diante da atuação polêmica de Mendes na defesa dos interesses do governo, pediram vista do seu processo de indicação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. O que atrasou sua aprovação. Contudo, a despeito dos protestos, Mendes foi aprovado por 57 votos a favor e 15 contra. Não são sem razão as críticas que o ministro disparava, no passado, ao PT – sem que isso interferisse na sua relação com os governos Lula e Dilma.
De lá para cá, o ministro se notabilizou por seus votos, pelas entrevistas frequentes, pela sua atuação pública, comentando temas da política e pela sua constante articulação junto a atores políticos – independentemente de quem ocupa o Palácio do Planalto. Para além da função de juiz, Mendes se tornou um dos atores políticos mais atuantes em Brasília.
Quando presidiu a Corte entre 2008 e 2010, firmou um pacto com os demais Poderes para aprovar uma agenda de reformas legislativas. Manteve com o presidente Lula relação próxima, assim como dialogou permanentemente com o presidente Michel Temer e com o atual presidente Jair Bolsonaro.
Como ator da política, costurou negociações com chefes do Legislativo e do Executivo e não se ausentou – a despeito do diálogo com os presidentes – de criticar governos, como fez quando defendeu a abertura de um processo de impeachment contra Dilma Rousseff e, mais recentemente, ao acusar Bolsonaro de implementar uma “política genocida” no combate à pandemia.
Os embates públicos com os colegas de Corte também são um capítulo que marcaram a trajetória de Gilmar Mendes na Corte. Um dos mais recentes, foi o bate-boca com o ministro Luís Roberto Barroso, que rendeu memes e até camisetas com a frase: “Me deixe de fora desse seu mau sentimento. Você é uma pessoa horrível. Uma mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia”. O ministro não baixou o tom. Respondeu que Barroso deveria “fechar seu escritório de advocacia”.
A crise da pandemia de Covid e a chegada de Gilmar Mendes à cadeira de ministro mais antigo da Corte, mais recentemente, parecem moldar um comportamento diferente do ministro na chega aos 20 anos de magistratura. O ministro, que exerce uma certa liderança no plenário em alguns temas, agora pode exercer o que poucos souberam fazer ao longo do tempo: a liderança pela antiguidade num tribunal em que o tempo é um dos ativos mais valiosos.
Certo é que Gilmar Mendes chega a 20 anos de Corte com uma trajetória complexa, importante para a construção da jurisprudência e do desenho do poder do Supremo, mas também alvo de críticas pelo comportamento para além das funções de magistrado.
Em razão da efeméride, o JOTA pediu ao ministro Gilmar Mendes que selecionasse 20 votos que ele considera dos mais relevantes das suas décadas de atuação no STF. E publicamos, a seguir, a lista dos processos mencionados pelo ministro.
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Caso Cesare Battisti – EXTs 1.008 e 1.085
O caso trata da extradição do ex-ativista político italiano Cesare Battisti, condenado por quatro assassinatos em seu país, na década de 1970.
Em 2009, os ministros decidiram, por 5 votos a 4, que o condenado deveria ser enviado à Itália. Mas, em 2010, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou o pedido de extradição, sob o argumento de que a situação de Battisti poderia ser agravar em razão da sua condição social, política ou pessoal.
O tema foi de novo ao Supremo e Mendes, como relator, votou por desconstituir a decisão de Lula. Após ser vencido por 6 a 3, ele criticou a decisão dos demais ministros, de que o ato do presidente não poderia ser avaliado.
O relator disse que a decisão transformava a Corte em “um grupo litero-poético-recreativo” que se reúne em vão. “O Supremo entrega para o presidente um título e ele rasga, se quiser. Melhor seria suprimir a competência do Supremo para a extradição. Que se confie a um órgão qualquer do Ministério da Justiça”, reclamou o ministro à época.
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Concessão de serviço de saneamento em regime metropolitano nas microrregiões – ADI 1.842
Na ADI que tratou de delimitar qual ente é responsável pela prestação do serviço público de saneamento básico, a controvérsia se dava entre dois valores constitucionais: a autonomia municipal e a integração por meio de regiões metropolitanas, aglomerações e microrregiões.
Redator do acórdão, Gilmar Mendes propôs na modulação que o saneamento básico é de interesse coletivo e, portanto, não deve ser responsabilidade de um único ente, e, sim, deve ser planejado e executado conjuntamente por municípios e o estado federado.
O ministro ponderou que a participação de mais de um ente busca evitar a “concentração do poder decisório”. “O interesse comum é muito mais que a soma de cada interesse local envolvido, pois a má condução da função de saneamento básico por apenas um município pode colocar em risco todo o esforço do conjunto, além das consequências para a saúde pública de toda a região”, escreveu Mendes.
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Contraditório e ampla defesa: incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas – RE 201.819
O voto de Gilmar o RE foi histórico por ser a primeira vez que um ministro da Corte admitiu expressamente, em voto, que se tratava de “caso típico de aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas”.
A matéria era sobre a exclusão de um membro do quadro de sócios da associação União Brasileira de Compositores (UBC), sem que fosse dado a ele o direito à defesa. Para a associação, o princípio era inaplicável, porque não se tratava de um órgão da administração pública, mas de uma entidade privada.
Ao proferir seu voto-vista, o ministro afirmou que era preciso observar as singularidades do caso – para ele, a entidade exercia atividade essencial na cobrança de direitos autorais, de caráter público ainda que não-estatal.
“É certo que a associação tem autonomia para gerir a sua vida e a sua organização. É certo, ainda, que, no direito de se associar, está incluída a faculdade de escolher com quem se associar, o que implica o poder de exclusão. O direito de associação, no entanto, não é absoluto e comporta restrições, orientadas para o prestígio de outros direitos também fundamentais. A legitimidade dessas interferências dependerá da ponderação a ser estabelecida entre os interesses constitucionais confrontantes”, votou Mendes.
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Controle incidental e declaração de inconstitucionalidade com efeitos restritos – modulação temporal dos efeitos da decisão no sistema difuso – HC 82.959 (voto-vogal)
Por seis votos a cinco, o pleno do STF anulou trecho da Lei 8.072/90 ao declarar inconstitucional a proibição da progressão de regime para condenados por crime hediondo.
Como foi tomada no âmbito de um habeas corpus, o juiz da Vara de Execuções considerou que a decisão só teria efeito para as partes envolvidas e que a eficácia geral (erga omnes) só passaria a valer quando o Senado suspendesse a norma considerada inconstitucional pelo Supremo, conforme prevê o artigo 52, X, da Constituição Federal.
Gilmar defendeu que as decisões da Corte sobre a inconstitucionalidade de leis, mesmo em casos difusos, têm eficácia normativa, cabendo ao Senado somente a função de conferir mera publicidade a elas.
“Não é mais a decisão do Senado que confere eficácia geral ao julgamento do Supremo. A própria decisão da Corte contém essa eficácia normativa”, declarou.
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Prisão do depositário infiel – status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos– RE 349.703
A decisão foi passo importante no reconhecimento de tratados internacionais de diretos humanos, já que, por unanimidade, os ministros reconheceram que o pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos) era hierarquicamente superior às normas infraconstitucionais. Na matéria específica, ficou decidido que a prisão de depositário infiel (indivíduo que se desfez de bem em prejuízo de outros) é ilegal.
Relator para o acórdão, Mendes citou que a Reforma do Judiciário (Emenda Constitucional 45/2004) conferiu “lugar privilegiado” às convenções internacionais no ordenamento jurídico, só abaixo da Constituição.
“A premente necessidade de se dar efetividade à proteção dos direitos humanos nos planos interno e internacional torna imperiosa uma mudança de posição quanto ao papel dos tratados internacionais sobre direitos na ordem jurídica nacional. É necessário assumir uma postura jurisdicional mais adequada às realidades emergentes em âmbitos supranacionais, voltadas primordialmente à proteção do ser humano (…). Portanto, diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é dificil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante”, votou o ministro.
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Direito à saúde e fornecimento de medicamento – STAs 178 e 175
O primeiro grande julgado do STF envolvendo o direito à saúde terminou com a decisão de obrigar a União a custear tratamento médico para uma menina que sofria de uma doença neurodegenerativa. Ela precisava do medicamento Zavesca (miglustato), ao custo mensal de R$ 52 mil.
O voto de Gilmar Mendes foi centrado na interpretação do artigo 196 da Constituição Federal, que determina que a saúde é um direito de todos e dever do Estado. Para ele, é possível entender que a expressão “de todos” se refere tanto a direitos coletivos como individuais.
Mendes sugeriu a fixação de parâmetros para que nem todos os casos fossem judicializados, como a tentativa de tratamento antes no Sistema Único de Saúde e a existência de registro do que se pede na Anvisa. Seu voto levou em conta depoimentos de uma audiência pública convocada por ele sobre o tema.
“Após ouvir os depoimentos prestados pelos representantes dos diversos setores envolvidos, ficou constatada a necessidade de se redimensionar a questão da judicialização do direito à saúde no Brasil. Isso porque, na maioria dos casos, a intervenção judicial não ocorre em razão de uma omissão absoluta em matéria de políticas públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas tendo em vista uma necessária determinação judicial para o cumprimento de políticas já estabelecidas”, escreveu o ministro.
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Financiamento de campanhas eleitorais por pessoas jurídicas – ADI 4.650
Em voto-vista, Gilmar Mendes votou pela constitucionalidade do financiamento privado de campanhas eleitorais, com o argumento de que o financiamento apenas público “algemaria” o Estado ao governo de plantão.
Ao votar, Mendes citou a operação Lava Jato e criticou duramente os esquemas de corrupção deflagrados durante o governo do PT. Para ele, as campanhas com financiamento público tornam as eleições desiguais, já que possibilitaria o uso de recursos de estatais por quem está no governo.
“A problemática do financiamento de campanhas não está na legislação brasileira, que permite a doações de pessoas físicas e jurídicas, mas historicamente na ausência de políticas institucionais que possibilitem efetivo controle dos recursos arrecadados e dos gastos durante a campanha”.
O entendimento do relator do caso, Luiz Fux, contrário ao de Gilmar, prevaleceu no julgamento – ficou decidido, portanto, que o financiamento por pessoas jurídicas é inconstitucional.
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Inércia do legislador lei complementar para criação de municípios – ADI 3.682 e ADI 2.240
A ação tratou da inércia do Estado, que deixou de editar lei complementar para regulamentar a Emenda Constitucional 15, de 1996, sobre a criação ou alteração de território de municípios. Ao legislador cabia fixar um prazo para tramitação dos processos, o que, dez anos depois da publicação da emenda à Constituição, ainda não havia sido feito.
O requerente, a Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul, pedia a declaração de inconstitucionalidade da lei sob a justificativa de que a falta de regulamentação impossibilitava que comunidades locais se emancipassem e constituíssem novos municípios.
Relator, Gilmar Mendes votou pela inconstitucionalidade da norma, mas sem pronúncia de nulidade de leis estaduais criadoras de município – ou seja, a determinação era para que todos os municípios criados durante o período sem regulamentação fossem mantidos pelo prazo de 24 meses.
Por sugestão do ministro, o STF declarou o estado de mora do Congresso Nacional e fixou prazo de 18 meses para que o Legislativo adotasse as medidas necessárias para regulamentar a norma.
A decisão representou grande inovação no combate à inconstitucionalidade por omissão, já que estabeleceu um “lapso de tempo razoável” para que o Legislativo corrigisse a inércia sem a que a declaração de inconstitucionalidade tivesse efeito.
No voto, Gilmar ressaltou que não se tratava de uma ordem para a atuação legislativa, mas de um parâmetro razoável para que a lei complementar fosse editada.
“Não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso Nacional, mas apenas da fixação de um parâmetro razoável, tendo em vista o prazo de 24 meses determinado pelo Tribunal (…) para que as leis estaduais que criam município ou alteram seus limites territoriais continuem vigente, até que a lei complementar federal seja promulgada contemplando as realidades desses municípios”, explicou o relator.
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Liberdade de profissão, liberdade de imprensa e profissão de jornalista – RE 511.961
O julgamento sobre a constitucionalidade da exigência do diploma de jornalismo para o exercício da profissão gerou bastante repercussão e controvérsia à época, fora da Corte. Entidades da classe como a Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) classificaram a decisão final como um retrocesso.
O voto de Gilmar Mendes, o relator, foi acompanhado por todos os outros ministros, com exceção de Marco Aurélio. No entendimento de Mendes, a garantia à ampla liberdade de expressão pela Constituição Federal de 1988 não recepcionou o decreto-lei 972 /69, que exigia o diploma.
“O jornalismo e a liberdade de expressão são atividades que estão imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensados e tratados de forma separada”, disse o relator ao votar. “O jornalismo é a própria manifestação e difusão do pensamento e da informação de forma contínua, profissional e remunerada”, justificou.
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Mandado de injunção e direito de greve do servidor público: decisão de perfil aditivo – MI 708
A jurisprudência quanto ao uso do mandado de injunção mudou a partir deste caso, quando o Supremo flexibilizou a interpretação constitucional e passou a admitir soluções “normativas” diante da omissão do poder público.
O caso tratava do direito à greve de servidores públicos, que não tinha regulação. Relator, Gilmar Mendes pontuou que a solução para a questão não poderia ficar submetida exclusivamente “a juízo de oportunidade e conveniência do Poder Legislativo”. Ele admitiu, naquele momento, um modelo de sentença de perfil aditivo, inspirado no modelo italiano.
Gilmar Mendes determinou que, enquanto houvesse omissão do Legislativo, fossem aplicadas, para solução dos conflitos também aos servidores públicos, as Leis 7.701/88 e 7.783/89, que até então só atendiam aos direitos de trabalhadores privados. Ele também fixou prazo de 60 dias, a contar daquela decisão, para que o Congresso legislasse a respeito do tema.
Preocupado em deixar claro que o STF não estava invadindo a competência do Legislativo, o ministro afirmou que, caso não tomasse tal decisão, o tribunal se omitiria diante da não-regulação do direito à greve, o que propiciaria um “quadro de selvageria com sérias consequências para o Estado de Direito”.
“(…) não estou a defender aqui a assunção do papel de legislador positivo pelo Supremo Tribunal Federal. Pelo contrário, enfatizo tão-somente que, tendo em vista as imperiosas balizas constitucionais que demandam a concretização do direito de greve a todos os trabalhadores, este Tribunal não pode se abster de reconhecer que, assim como se estabelece o controle judicial sobre a atividade do legislador, é possível atuar também nos casos de inatividade ou omissão do Legislativo”.
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Princípio da proporcionalidade e proibição de proteção insuficiente – RE 418.376
O caso julgado no RE 418.376 analisava a extinção de punibilidade a um homem que estuprava a sobrinha desde os 9 anos de idade, a quem engravidou aos 11 anos e com quem passou a viver em concubinato. O Supremo discutiu se o fato de os envolvidos viverem como um casal seria capaz de extinguir a punibilidade do crime cometido. O relator do recurso, ministro Marco Aurélio votou para dar provimento ao recurso. No entanto, foi vencido pela maioria, que negou provimento e considerou como sendo clara a inexistência de um consentimento válido.
No caso em questão, o ministro Gilmar Mendes negou provimento ao recurso, acompanhando a divergência em razão do princípio da proporcionalidade. “Conferir à situação dos presentes autos o status de união estável, equiparável a casamento, para fins de extinção da punibilidade (nos termos do art. 107, VII, do Código Penal) não seria consentâneo com o princípio da proporcionalidade no que toca à proibição de proteção insuficiente. Isso porque todos os Poderes do Estado, dentre os quais evidentemente está o Poder Judiciário, estão vinculados e obrigados a proteger a dignidade das pessoas”, esclareceu Mendes.
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Progressão de regime em caso de inexistência de vaga – RE 641.320
O RE 641.320, julgado em regime de repercussão geral em maio de 2016, deu parcial provimento ao recurso e definiu que a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso. Ficou determinado que havendo déficit de vagas, deverá determinar-se:(i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado.
O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, declarou em seu voto que “de acordo com o sistema que temos atualmente, a inobservância do direito à progressão de regime, mediante manutenção do condenado em regime mais gravoso, viola o direito à individualização da pena”. O voto de Mendes foi seguido pela maioria dos ministros, apenas Marco Aurélio divergiu e ficou vencido.
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Proibição de realização de cultos coletivos presenciais – ADPF 811
A ADPF 811, ajuizada pelo Partido Social Democrático (PSD), questionava o Decreto estadual 65.563/2021 que restringiu temporariamente a realização de atividades religiosas coletivas presenciais no estado de São Paulo devido a pandemia de Covid-19. Por nove votos a dois, o Supremo votou pela improcedência da ação. O voto do relator, ministro Gilmar Mendes, foi seguido pela maioria do plenário. Os ministros entenderam que a liberdade religiosa em cultos não é um direito absoluto e pode ser temporariamente restringida para assegurar o direito fundamental à vida e à saúde da população.
Mendes afirmou em seu voto que é reconhecida a existência de uma dimensão interna e de uma dimensão externa do direito a liberdade religiosa. “Sob a dimensão interna, a liberdade de consciência está prevista no art. 5º, VI, da Constituição e não se esgota no aspecto religioso, mas nele encontra expressão concreta de marcado relevo. Por outro lado, na dimensão externa, o texto constitucional brasileiro alberga a liberdade de crença, de aderir a alguma religião, e a liberdade do exercício do culto respectivo. As liturgias e os locais de culto são protegidos nos termos da lei, a qual deve proteger os templos e não deve interferir nas liturgias, a não ser que assim o imponha algum valor constitucional concorrente de maior peso na hipótese considerada”, disse o ministro em seu voto.
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Realização do Censo Demográfico em 2022 – ACO 3508
A adoção de medidas administrativas e legislativas necessárias para a realização do Censo demográfico em 2022 foi determinada pelo STF na Ação Cível Originária (ACO) 3.508. A maioria dos ministros votou pela confirmação parcial da liminar concedida pelo relator da ação, ministro Marco Aurélio.
Gilmar Mendes concordou com o relator sobre a necessidade de a Corte determinar ao governo federal a adoção de medidas para a realização do Censo, mas acrescentou a importância de fixar um prazo maior. A liminar determinava a realização da pesquisa ainda em 2021.
“Encaminho voto no sentido de apresentar divergência parcial ao entendimento assentado pelo eminente Ministro Relator, a fim de que se determine que a adoção das medidas administrativas e legislativas necessárias à realização do Censo Demográfico do IBGE ocorra no exercício financeiro seguinte ao da concessão da tutela de urgência (2022), observados os parâmetros técnicos preconizados pelo IBGE, devendo a União adotar todas as medidas legais necessárias para viabilizar a pesquisa censitária, inclusive no que se refere à previsão de créditos orçamentários para a realização das despesas públicas”, escreveu Mendes.
- Renda básica – MI 7.300
O Mandado de Injunção 7.300 discutiu a implementação da Renda Básica de Cidadania para brasileiros em situação de pobreza e extrema pobreza em 2022. Por maioria, o STF entendeu que não há vedação eleitoral quanto à implementação do programa em ano de disputa eleitoral e os ministros consideraram que o pagamento do benefício não prejudica o teto de gastos, desde que os valores estejam previstos no Orçamento.
No julgamento, o voto do ministro Gilmar Mendes, relator do caso, prevaleceu e foi seguido pelos outros ministros. Além de determinar o pagamento do benefício a partir de 2022, Mendes fez um apelo aos Poderes Legislativo e Executivo para adoção de medidas administrativas para atualização dos valores dos benefícios básico e variáveis do Bolsa Família e lembrou do agravamento da pobreza no país.
“No caso em apreço, a colmatação da omissão inconstitucional determinada pelo Poder Judiciário, longe de se enquadrar em oportunismo eleitoreiro ou em promoção de uma eventual candidatura, apenas concretiza um dos objetivos da República Federativa do Brasil, previsto no art. 3º, inciso III, que é ‘erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais’”, disse Mendes em seu voto.
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Requisitos de admissibilidade da ADPF – ADPF 33
A ADPF 33 foi a primeira a ter o mérito julgado no Supremo, em 2005. A ação foi ajuizada pelo governo no estado do Pará com o objetivo de impugnar o artigo 34 do Regulamento de Pessoal do Instituto de Desenvolvimento Econômico-Social (Idesp) do Pará, sob o fundamento de ofensa ao princípio federativo no que diz respeito à autonomia dos estados e municípios e à vedação do salário-mínimo para qualquer fim.
O plenário do STF declarou, por unanimidade, a ilegitimidade do decreto estadual questionado. No julgamento dessa ação, relatada por Gilmar Mendes, também foi discutido o uso da ADPF, até então uma nova forma de controle de constitucionalidade. A Corte concluiu que, de acordo com a Lei 9.882/99, cabe o uso da ADPF para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do poder público e, também, quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, inclusive anteriores à Constituição.
“Pode-se dizer que a arguição de descumprimento vem completar o sistema de controle de constitucionalidade, de perfil relativamente concentrado no STF, uma vez que as questões até então não apreciadas no âmbito do controle abstrato de normas – ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade, ao lado dos instrumentos de omissão, especialmente da ação direta por omissão -, poderão ser objeto de exame no âmbito desta nova ação”, explicou Mendes em seu voto.
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Suspeição do ex-juiz Sérgio Moro nas ações penais em face do ex-presidente Lula – HC 164493.
Por maioria dos votos a 2ª Turma do Supremo, concedeu Habeas Corpus reconhecendo a parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro na condução da ação penal em face do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na condenação referente ao triplex no Guarujá, litoral de SP.
Mendes, redator para o acórdão em que foi declarada a suspeição de Moro no processo do triplex, observou que as mesmas circunstâncias se repetiram nos processos referentes ao sítio de Atibaia e aos imóveis do Instituto Lula. Segundo ele, “por isonomia e segurança jurídica, é dever deste Tribunal estender a decisão aos casos pertinentes, quando há identidade fática e jurídica, nos termos do artigo 580 do Código de Processo Penal”.
Em seu voto, o ministro acrescentou que “houve a persecução penal em cenário permeado pelas marcantes atuações parciais e ilegítimas do ex-juiz Sergio Fernando Moro”. O voto de Mendes foi seguido pela maioria da 2ª Turma.
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Suspensão de execução de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva pelo STF – RCL 4.335
O julgamento da RCL 4.335 analisou o papel do Senado Federal no domínio da revogação de lei declarada inconstitucional pelo STF. Os ministros consideraram procedente a reclamação da Defensoria Pública do estado do Acre que alegava o descumprimento da decisão do Supremo no HC 82.959 pelo juiz da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco. O juiz não cumpriu a decisão porque, segundo ele, a inconstitucionalidade da lei dependeria da comunicação Senado.
O ministro Gilmar Mendes defendeu em seu voto que quando o STF declara uma lei inconstitucional, ela passa a ser nula automaticamente, sem precisar da publicação do Senado. “Não é preciso dizer que a suspensão de execução pelo Senado não tem qualquer aplicação naqueles casos nos quais o Tribunal limita-se a rejeitar a arguição de inconstitucionalidade. Nessas hipóteses, a decisão vale per se. Da mesma forma, o vetusto instituto não tem qualquer serventia para reforçar ou ampliar os efeitos da decisão do Tribunal naquelas matérias nas quais a Corte, ao prover ou não um dado recurso, fixa uma interpretação da Constituição”, pontuou ele em seu voto.
Em resposta às afirmações feitas pelos ministros do STF no julgamento o Senado afirmou: “É equivocada a afirmação feita por ministros do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4.335-AC, no sentido de que seria possível identificar uma mutação constitucional que transformasse a Casa Legislativa em mero órgão de divulgação das decisões do Supremo Tribunal Federal.”
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Porte de drogas para consumo pessoal – RE 635.659
O Recurso Extraordinário 635.659, que ainda tramita no STF, foi interposto pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo e trata sobre a constitucionalidade do Artigo 28 da Lei 11.343/2006. O artigo diz que configura crime portar drogas para consumo pessoal, mas a Defensoria argumenta que o dispositivo fere o princípio da intimidade e vida privada garantidos pela Constituição Federal.
O ministro Gilmar Mendes é o relator do recurso e votou pela inconstitucionalidade do artigo, assim como os ministros Luiz Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. Mendes também reconheceu a existência de repercussão geral da questão.
“A criminalização do porte de drogas para uso pessoal afigura-se excessivamente agressiva à privacidade e à intimidade. Além disso, o dependente de drogas e, eventualmente, até mesmo o usuário não dependente estão em situação de fragilidade, e devem ser destinatários de políticas de atenção à saúde e de reinserção social, como prevê nossa legislação. Dar tratamento criminal a esse tipo de conduta, além de andar na contramão dos próprios objetivos das políticas públicas sobre o tema, rotula perigosamente o usuário, dificultando sua inserção social”, escreveu o ministro em seu voto.
O julgamento foi suspenso por pedido de vista do falecido ministro Teori Zavascki, cuja cadeira é hoje ocupada por Alexandre de Moraes, e até hoje não voltou a ser pautado.
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Estatuto do Desarmamento – ADI 3.112
A Ação de Direta de Inconstitucionalidade 3.112, proposta pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), pedia que a íntegra do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003) fosse considerada inconstitucional por usurpação de competências do Legislativo por parte da Presidência da República.
A ADI foi julgada procedente, em parte, e foram considerados inconstitucionais os parágrafos únicos dos artigos 14, 15 e 21 da Lei. Os artigos citados proibiam a concessão de liberdade, mediante o pagamento de fiança, no caso de posse ou porte ilegal de arma de uso permitido e disparo de arma de fogo. E o art. 21 negava liberdade provisória aos acusados de posse ou porte ilegal de arma de uso restrito, comércio ilegal de arma e tráfico internacional de arma.
Em seu voto, Gilmar Mendes divergiu do relator, ministro Ricardo Lewandowski, e considerou que não havia inconstitucionalidade nos artigos 14 e 15, assim como os ministros Carlos Britto e Selpúveda Pertence. Mendes entendeu que apenas o artigo 21 era inconstitucional: “Em vista do que dispõe o art. 5º, inciso LVII, o qual consagra o princípio da presunção de inocência, a proibição total de liberdade provisória prescrita pelo art. 21 do Estatuto do Desarmamento é patentemente inconstitucional”, afirmou.